Escritos
"Uns riram e outros choraram": ex-moradora do Mutange relata drama de ter sido desalojada da própria casa
Maria Cristina da Silva viu a vida mudar de forma negativa após ter que sair de sua residência
“Eu nasci e me criei naquele bairro, e tive que sair contra minha vontade”, comenta a auxiliar de serviços gerais Maria Cristina da Silva, de 52 anos de idade. Segundo a ex-moradora do Mutange, bairro já extinto, o amor pelo bairro era tanto que ela foi uma das últimas pessoas a sair da localidade.
“Eu só sai porque o bairro já estava deserto, só tinha eu e uma vizinha. Ela saiu junto comigo, no mesmo dia e na mesma hora. E fui embora por conta do meu irmão, que ficou com muito medo e pediu para que eu arrumasse as coisas e fosse para outro local”, relata Maria Cristina.
SONHOS DESFEITOS
A ex-moradora diz ainda que toda sua história foi no Mutange. "Toda minha família morava no bairro. Meus pais, meus irmãos, todos tinham sua propriedade naquele bairro. Inclusive, eu viajei para São Paulo para trabalhar e construir a minha moradia no Mutange. Fiquei por lá alguns meses e sempre que recebia encaminhava o dinheiro para o meu irmão pagar o pedreiro e comprar o material. Ele foi o responsável por essa parte enquanto eu trabalhava longe de Alagoas. Com muito suor realizei meu sonho. E hoje vejo tudo isso perdido. E nada de respostas dos órgãos competentes ou da própria Braskem, acusada de ser a causadora de tudo’’, lamenta.
Emocionada, Maria Cristina afirma que, já fora do bairro, ela sempre voltava e ficava sentada na porta de sua casa, recordando. “Eu saía do meu trabalho e ia até o bairro, sentava na minha porta e só chorava. As pessoas não imaginam o que nós, que fomos atingidos, estamos passando. É triste saber que parte de sua vida acabou. Digo isso porque, pra mim, o Mutange era minha vida, era uma verdadeira família. Ali, todo mundo se conhecia. Quando um adoecia, todos ficavam sabendo e já tentavam ajudar de alguma forma. Alguns amigos ainda têm contato, mas não é a mesma coisa. Maioria mora distante agora’’, afirma.
INDENIZAÇÃO DEMORADA
“Há mais de dois anos, eu espero por respostas. Todos os documentos solicitados foram entregues e, segundo eles, tudo certo em relação a isso, mas resposta que é bom, nada. Todo dia falo com o advogado e ele me responde que é assim mesmo, só aguardar. Mas, para sairmos da nossa casa, tiveram pressa. Agora, eu não tenho nada que possa dizer que é meu, pois a casa já não existe mais, o bairro já não existe, agora é só mato e entulho. Isto é errado, eles deveriam derrubar as casas só quando pagassem todas as indenizações’’, opina Maria Cristina.
“Meu irmão tem um ditado que ele sempre falava em relação a tudo isso: ‘Uns riram e outros choraram’, e eu choro até hoje, sem respostas, com recordações, com sonhos acabados, pois não tenho ânimo para nada. Meu psicológico está totalmente abalado e lutando por um direito que é meu”, disse.
CINCO MUDANÇAS
Cristina conta que já teve que se mudar cinco vezes após a saída do bairro. “Já passei por cinco bairros, inclusive um foi o Bebedouro, ou seja, tive que sair de outra casa por conta dessa tragédia. Essas mudanças acabaram com meus móveis. Se você me perguntar 'cadê seu sofá, seu guarda-roupa?', não tenho nada. Mudança não é brincadeira, acaba com os móveis, mas tenho fé em Deus que só saio de onde estou para o que é meu’’, disse.
Sem repostas, a auxiliar de serviços gerais diz que, apesar de tudo, acredita na justiça do homem também, mas ela é demorada: “O que tenho que fazer é esperar. Tenho fé em Deus que tudo dará certo. Mas, por enquanto, estou sem chão. Perdi o conforto do meu lar. E isso não entendo. Com tanta tecnologia, com tanto dinheiro e meios, porque essa empresa não fez nada no início para que essa situação não chegasse a esse nível. Isso é um absurdo, é lamentável’’.
Cristina se emociona ao falar de como sua saúde ficou após tudo o que aconteceu. “Eu não durmo direito, eu não como, não tenho mais ânimo para nada, nem a caminhada que eu tinha o hábito de fazer não faço mais. Estou toda inchada e tudo isso aconteceu por conta dessa tragédia. Peço apoio para essas pessoas que passaram e passam por essa situação, inclusive para os moradores dos Flexais, que estão ilhados, sem escola, sem postos de saúde, sem transporte e no escuro. Falam que eles não foram atingidos, mas foram. É só passar por lá para ter uma noção do perigo e da falta de estrutura. Precisamos que toda população lute com a gente" afirmou.
A SAÍDA
Bastante emocionada, Cristina se recordou de quando chegou a sua vez de sair de casa. “Este foi o pior dia da minha vida. Estava sozinha na rua, então procurei a Braskem para questionar a situação e junto com a vizinha tivemos que sair. Eu só chorei, mas tive que sair. E te digo, foi a pior coisa que me aconteceu. A casa foi uma conquista e perder assim é difícil. Não tem dinheiro que pague o que construí. Agora vivo de aluguel, mas aluguel social é aluguel e eu quero ter o que é meu. Ter minha moradia e dizer que é minha. Hoje pago R$1.200 de aluguel, e não tem o que ser feito, senão tenho que procurar outra casa. Hoje, espero na vontade de Deus para sair de onde estou para a minha casa e começar uma nova história, pois eu sei que a história do Mutange já acabou”, finalizou.