Escritos

Rinaldo Januário: 'Esse bairro era um sonho e a saudade é o maior sentimento'

Ex-proprietário da famosa 'Casa Rosa' do Pinheiro conta a sua história

Por Lucas França 29/07/2022 01h14
Rinaldo Januário: 'Esse bairro era um sonho e a saudade é o maior sentimento'
Rinaldo Januário conta sua história ao repórter Lucas França - Foto: Edilson Omena

Rinaldo Januário, de 48 anos de idade, ex-morador do bairro Pinheiro e ex-proprietário da famosa Casa Rosa do bairro, relata que passou os melhores momentos de sua vida na região e que voltar ao bairro traz um misto de emoções. Ele não consegue esconder o maior desses sentimentos: injustiça.

“Voltar aqui é um sentimento muito forte. Aqui, eu passei os melhores momentos da minha vida. Vim de Rio Largo ainda adolescente. Esse bairro era um sonho de toda família, era tudo de bom. Meu Deus do céu, não sei expressar a realidade. A saudade é o maior sentimento que existe. Aqui, eu fui educado, iniciei minha vida e constituí família. Tenho dois filhos. Um do meu primeiro casamento e uma menina do segundo. O que aconteceu é muito grave e uma injustiça com todos nós’', ressalta Rinaldo.

Segundo ele, voltar no bairro é algo que não passava pela sua cabeça, mas resolveu enfrentar a situação para mostrar à sociedade a indignação de todos os moradores. “Não é fácil voltar a este bairro e vê-lo nesta situação. Isso é difícil e dói. Quase não ia voltar, pensei em resistir, mas a gente tem que contar a nossa história, a nossa indignação’’, lamenta.

INÍCIO DAS FISSURAS

“Você acredita que, há cerca de 15 anos, a nossa casa já apresentava fissuras? Mas achávamos que era coisa do solo, que ocorreria só na nossa casa. Era na copa e na cozinha. Aí meu pai restaurava, e nos anos seguintes voltava a aparecer. Nunca que íamos saber que era isso, essa tragédia toda. Hoje, tenho ciência que outras casas também apresentavam rachaduras e fissuras, mas ninguém nunca falava para não desvalorizar o imóvel’’, conta Januário.

MELHORES MOMENTOS

Rinaldo afirma que se recorda de sua chegada ao bairro e que foram os melhores momentos de sua vida. No Pinheiro, ele diz ter realizados sonhos.

“Foi nesse bairro que fiz muitos amigos. Neste mesmo bairro, passei a melhor parte da minha vida. Cheguei por aqui há 20 anos e nunca pensei que ia sair dessa forma, ‘enxotado’ praticamente. O que eu vivi nesse local foram momentos únicos. O bairro era um paraíso, tudo muito próximo. Afirmo para você, Pinheiro era o coração de Maceió. Tudo acessível e próximo. Digo que era um dos melhores bairros’’, relembra Rinaldo.

O ex-morador recorda ainda que, além da moradia, perdeu seu comércio, o que dificultou no orçamento da família: “Eu morava na Gruta e tinha um estabelecimento, aí quando meu pai faleceu eu vim morar com minha família e minha mãe, porque a casa era muito grande e meus irmãos já moravam em outras casas, mas todos no bairro. Trouxe meu pequeno comércio para cá... E agora perdi tudo’’.

PRIMEIRO ABALO

“Quando aconteceu o primeiro abalo, eu estava em casa com meu filho e ele se assustou. Disse para sair de casa, eu tentei acalmar dizendo que era algo do nosso imóvel, mas quando saímos nas ruas vimos os comentários e as pessoas relatando. Digo a você: a Casa Rosa foi uma das primeiras a ser atingida. Logo de início, a imprensa inteira veio aqui. Por funcionar bar e restaurante no local, as pessoas presenciavam as rachaduras quando iam ao banheiro. Era assustador. Enfim, é uma perda gigante porque além do imóvel, perdi meu negócio. Resisti bastante, mas tinha que sair pelo risco iminente. Os Ministérios Públicos Estadual e Federal determinaram que eu e minha família saíssemos. Agora imagine, sair de um imóvel desses para conseguir um que se aproximasse era difícil e com mil reais de aluguel social era complicado", disse.

Rinaldo compara a atual situação do bairro com um cenário de guerra, mas diz que é pior, pois os sobreviventes vão morrendo aos poucos de tristeza.

INDENIZAÇÃO

Para o ex-morador, nenhum dinheiro do mundo conseguiria pagar os danos morais que ele e a família tiveram.

“Não é questão de dinheiro, e sim uma questão de justiça. Fomos prejudicados de forma financeira, mas, sobretudo, emocional, e aí não há dinheiro que pague. Nenhum órgão de controle fala mais sobre isso. Viviam aqui e hoje nem acompanham. Se houvesse fiscalização e a justiça fizesse sua parte, a gente não estaria nessa situação. Não é pelo dinheiro! É questão de direitos e de justiça. Foram muitos prejuízos. Tudo mudou na vida da minha família: logística, orçamento, convívio social, mas repito, o emocional é pior, pois traz depressão, estresse e muito mais. Atualmente, moro em uma chácara sozinho, me separei, meus filhos estão cada um em seus lugares, mas agradeço porque não pago aluguel, é residência de herdeiros. Ouvi relatos de pessoas que entraram em depressão, que morreram por conta disso tudo. São muitas histórias para contar. A gente recorda, as lembranças vão surgindo. Pior é saber que quem era para estar do nosso lado, que são os poderes, sejam políticos ou não... Não estão. A ganância está vencendo’’, finalizou.