Escritos

Afundamento cultural: a luta para realocar uma biblioteca no Bebedouro

Priscilla Barros tenta conseguir uma indenização justa para salvar o acervo deixado pelo seu pai, o promotor Wilson da Silva Barros

Por Rívison Batista 30/12/2022 01h13
Afundamento cultural: a luta para realocar uma biblioteca no Bebedouro
O repórter Rívison Batista entrevista Priscilla Barros; ao centro, uma pintura que retrata o ex-promotor Wilson da Silva Barros, pai de Priscilla - Foto: Reprodução

O carro da reportagem se enveredava por ruas desertas do bairro do Bebedouro. As ruas eram inclinadas e, quanto mais o automóvel descia pelo lugar abandonado, mais a iluminação pública ficava escassa. Em um momento, a única luz que restou foi a dos faróis do veículo da reportagem. Foi neste instante que a equipe avistou o que antes era a entrada do condomínio onde mora Priscilla Barros. Uma guarita quebrada, abandonada e empoeirada apenas servia como um adereço “sombrio” naquele local. Um único poste aceso sinalizava onde reside Priscilla: um casarão que comporta três andares com mais de 30 mil livros. A cada andar subido pela equipe de reportagem pelas escadas feitas de madeira, fileiras de livros davam o tom do local: não é apenas uma residência, e sim uma verdadeira biblioteca. Priscilla Barros luta pelo direito de realocar esse acervo cultural, o que, segundo ela, não está sendo bem compreendido pela Braskem, mineradora responsável pelo afundamento e pela desocupação do Bebedouro e de outros três bairros em Maceió: Pinheiro, Mutange e Bom Parto.

Priscilla é filha do ex-promotor de Justiça Wilson da Silva Barros, que faleceu em 2018. “No dia do tremor de terra, em 3 de março daquele ano, eu estava na ambulância com meu pai, o levando para o hospital”, relembra. Para chegar à quantidade de mais de 30 mil publicações adquiridas ao longo do tempo, Priscilla conta que o pai começou a colecionar os livros desde a infância: “Ele tinha de 7 a 8 anos de idade quando começou isso tudo. Ia a lugares que vendiam muitos exemplares, como alfarrábios. Ele já era um intelectual com essa idade. Aí não parou mais. Todas as vezes que ele saía, voltava com livros, revistas e até vinis”.

A filha do ex-promotor de Justiça afirma que seu pai foi um homem que honrou o Estado e diz achar um absurdo a maneira como o próprio Estado conduz a situação da biblioteca criada por Wilson Barros. “Os próprios amigos dele, que deveriam abraçar a causa como se fosse deles, nada estão fazendo. Há mais de um ano, eu lutei para conseguir uma reunião com eles. Teve sete promotores. Eles se emocionaram, falaram muito bem do meu pai, no entanto nada fizeram”, recorda.

O condomínio onde Priscilla reside (hoje deserto) já teve seus dias de glória. Ela relembra que a vida no local, antes de toda a tragédia do afundamento de solo, era tranquila, cheia de vizinhos e com uma bela vista para a Lagoa Mundaú. “Agora, nós olhamos ao redor e temos esse cenário de guerra”, desabafa a única moradora do local. “Acredito que as pessoas se precipitaram e se amedrontaram. A empresa [Braskem] faz uma pressão psicológica tão grande que, se você não tiver um equilíbrio, você acaba caindo. Infelizmente, meus ex-vizinhos acabaram sendo levados por essa pressão. Um a um foi saindo por medo, medo até de invasão. Acabaram recebendo um valor muito abaixo do que seus imóveis realmente valiam”, diz.

Promessa de uma biblioteca para o Sertão de Alagoas

Caso a situação se resolva e a Braskem ofereça uma proposta justa para Priscilla realocar os mais de 30 mil exemplares, ela diz que irá doar uma parte do acervo para a construção de uma biblioteca na cidade de Ouro Branco, no Sertão alagoano. “É a cidade onde meu pai nasceu. Lá, ainda, não tem uma biblioteca”, afirma.

Priscilla diz que, para que esse sonho de fazer uma biblioteca na cidade sertaneja aconteça, é necessário, primeiro, que a Braskem reconheça que o acervo cultural deixado por Wilson Barros é, de fato, uma biblioteca. “Há um tempo, eles falaram que iam reconhecer. Trouxeram engenheiros, fizeram cálculos. Só que meu pai gastou, na época, há 15 anos, para fazer tudo isso, cerca de R$ 650 mil. Eu pedi para eles calcularem quanto custaria, hoje, uma estrutura para acoplar todos os livros. Eles vieram com uma proposta de R$ 170 mil. É algo vergonhoso e imoral”, diz. “Eu me pergunto, depois de tudo isso, onde estão os amigos do meu pai. Que batiam no peito e diziam ‘Wilson é um homem de bem’. Eu estou lutando sozinha”, desabafa.