Escritos

A história de Zenaide dos Santos

Zenaide tem 83 anos e perdeu um ateliê quando precisou deixar sua casa

Por Lucas França 30/07/2023 09h07
A história de Zenaide dos Santos
A costureira Zenaide dos Santos ainda luta por uma indenização justa - Foto: Reprodução/YouTube

A costureira de 83 anos de idade Zenaide dos Santos viu sua vida mudar quando precisou sair de sua residência no bairro Pinheiro, um dos principais locais afetados pela mineração de sal-gema realizada pela mineradora Braskem. Além de perder a residência, a profissional perdeu também seu local de trabalho e inúmeros clientes.

“Minha vida foi toda no Pinheiro. Lá construí família, criei meus filhos e montamos nosso patrimônio, tudo isso com meu ofício de costureira. Foram muitas clientes que conquistei ao longo dos anos. Como antes não havia tantas opções de lojas e as pessoas queriam peças feitas sob medida, eu sempre era procurada. Hoje, não consigo mais trabalhar por falta de espaço. Tive que sair da minha casa com espaço amplo, onde tinha, inclusive, meu ateliê, para este apartamento que não comporta minhas máquinas. Meus materiais de costura estão todos amontoados um por cima do outro em caixas no quarto’’, conta Zenaide, que atualmente reside em um apartamento no bairro do Barro Duro.

Com lágrimas nos olhos, a costureira diz que tem muito desgosto em não conseguir fazer o que sabe, o que aprendeu e que lhe deu sustento. “Este é meu ofício, é o que sei fazer. Queria continuar fazendo, mas, infelizmente, meus equipamentos estão desmontados por falta de espaço, por falta de um local como a casa em que eu morava. Eu tinha muitas clientes e tenho até hoje demanda para encomendas, mas não consigo produzir. É uma sensação de incapacidade e de tristeza’’, pontua a costureira.

Zenaide fala das dificuldades em voltar a costurar. “Aqui é escuro, não tem espaço e não tenho como montar as máquinas e o meu balcão, mas quero sim voltar a trabalhar e entregar as encomendas para as clientes. Queria muito resolver essa situação, mas a Braskem não colabora e não enxerga o mal que fez não só a mim, porém a todos os moradores dos bairros afetados. Minha luta não é só em busca de uma indenização, é um direito meu e luto por todas as vítimas, precisamos de dignidade e isso nos falta porque temos essa sensação de injustiça. Os poderes públicos nem sempre estão do nosso lado’’, ressalta.

Ao lembrar o momento que precisou sair de casa, Zenaide se lembra do falecido marido e como a situação foi difícil para ele e para toda a família. “Eu não voltei mais no Pinheiro depois que sai há três anos porque é muito triste. São muitas lembranças boas e recordações, mas a situação que se encontra nos mata por dentro. É triste. Quando recebi a notícia que deveria deixar minha casa, foi como se tivessem tirado tudo de mim, tudo que batalhei para ter. Meu marido tinha feito uma cirurgia, pois tinha problema no coração e já estava meio debilitado. Com a notícia, acabou piorando e ficando de cama. Não posso afirmar, mas a situação contribuiu muito para a piora dele, que acabou falecendo’’, recorda.

A vítima da Braskem recorda-se que o bairro era um espaço planejado para toda família: “Lá todo mundo se conhecia, vivíamos como uma família, saímos em grupos para praça, padaria, batíamos um bom papo nos fins de tarde – algo que sinto muita falta hoje. Algumas pessoas, perdi o contato, outras, tenho, mas não é a mesma coisa, pois todo mundo mora longe um do outro. No bairro, era tudo muito perto: padaria, açougue, escolas, mercadinhos. Muito triste lembrar de tudo o que aconteceu. Pior ainda em saber que não foi feito nada nem para evitar que acontecesse e menos ainda depois para as vítimas. Algumas conseguiram suas indenizações mesmo abaixo do que vale cada imóvel e estabelecimentos. E outras não chegaram a ser indenizadas e estou nessa situação. A empresa não enxerga meu trabalho, meu ofício como minha fonte de renda, como meu estabelecimento e estou lutando para que isso mude’’.

"Eu só quero meus direitos. Eu formei meus filhos com este trabalho, com ajuda dessas clientes. Eu guardo algumas folhas com os nomes delas. Foram 18 anos com este trabalho. Eu ajudava o Antônio com isso, ele era pedreiro e nem sempre tinha obras. Então quero meus direitos. Não foi fácil criar meus filhos, formar todos. A Braskem tem que analisar todo mal que fez e que faça o mínimo para melhorar a vida das vítimas. Ali, foi a minha vida, a vida da minha família. Não posso deixar de lutar por isso’’, finaliza Zenaide.