Saúde
Projeto pode reduzir fila de transplantes no Brasil
Proposta prevê que pessoa pode registrar em vida autorização para doação de seus órgãos; mudança está em andamento

Uma proposta de reforma do Código Civil Brasileiro, que começou a tramitar no Congresso Nacional, pode diminuir o tempo de espera das pessoas que estão nas filas à espera de transplantes.
Em Alagoas, a fila de transplantes conta com 578 pessoas, segundo dados fornecidos pela Central de Transplantes do Estado, vinculada à Secretaria de Estado da Saúde (Sesau). Do total, 559 aguardam córneas, 13 esperam rins, quatro estão na expectativa de um coração e dois pacientes estão ansiosos por um fígado.
Caso o Código Civil passe por essa reformulação, essas pessoas poderão ir mais cedo aos centros cirúrgicos para receberem os órgãos doados e poder voltar à rotina de vida.
Uma das principais mudanças diz respeito à doação de órgãos. Caso o texto seja aprovado em sua forma original, uma pessoa que tiver registrado, em vida, a autorização para doação de seus órgãos após a morte terá essa vontade respeitada, independentemente da opinião da família.
Pela legislação vigente, quem autoriza a doação em caso de morte encefálica é a família do cidadão, que precisava estar ciente da intenção da pessoa em doar seus órgãos e/ou tecidos.
O texto traz importantes inovações no chamado “direito dos mortos”, ampliando a autonomia das pessoas mesmo após o falecimento. Elaborado por uma comissão de juristas presidida pelo ministro Luiz Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, e apresentado pelo ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o documento busca atualizar a legislação atual, considerada defasada. Embora tenha sido aprovado em 2002, o Código Civil começou a ser elaborado em 1969.
O médico cardiologista José Wanderley defende o atual modelo, no entanto, com ações de conscientização e maior divulgação sobre transplantes para que haja uma mobilização da sociedade em torno de importância e da necessidade do gesto de doar órgãos.
Um dos maiores nomes em transplantes cardíacos em Alagoas, o médico citou como exemplo a legislação da Espanha. O país é líder mundial em doação e transplante de órgãos, com o maior número de doadores falecidos por milhão de habitantes.
Na Espanha, a população total é considerada doadores por padrão, a menos que tenham expressado o contrário em vida. O modelo tem sido estudado e replicado em outros países, devido à sua eficácia. Segundo ele, o, a prática médica mostrou que as doações de órgãos são autorizadas, em maior quantidade, por pessoas de classes sociais menos favorecidas.
Mais importante que mudar a lei é conscientização, afirma médico
O médico José Wanderley Neto salienta que mais importante do que qualquer mudança na legislação sobre o tema, é preciso que a pessoa, em vida, expresse a vontade de ser doadora e a família, no momento oportuno, respeite essa vontade. “Essa conscientização é que fará a diferença na diminuição da fila de transplantes e na efetivação das doações”, pontou o médico que fez questão de frisar que os requisitos para destinar o órgão do doador ao receptor seguem rígidos critérios clínicos, avaliam peso, grupo sanguíneo e todas as condições de saúde”.
Ainda conforme Wanderley Neto, é preciso entender que após confirmada, por uma equipe médica, a morte clínica é irreversível e chegado este momento qualquer recurso médico estará sendo aplicado a uma pessoa que já faleceu, enquanto vidas esperam do outro lado, na fila.
No Brasil, a expectativa é que se a proposta for aprovada, o número de transplantes irá aumentar consideravelmente. Neste ano, até o momento, foram realizados 19 transplantes, sendo 10 de córneas, seis de rim e três de fígado. Em todo o ano passado, foram 171 transplantes. Dos quais 141 de córneas, 14 de rim e também 14 de fígado e dois de coração.
No ano passado, a vida voltou a sorrir para a supervisora escolar Cláudia Lôbo Cardoso Ribeiro Dias, 46 anos. Ela recebeu um coração no dia 18 de novembro. O transplante foi realizado no Hospital do Coração Alagoano. Com uma excelente recuperação, ela recordou que entrou para a fila de transplantes depois de uma miocardiopatia dilatada com insuficiência cardíaca e bloqueio no ramo esquerdo, diagnosticados pós-covid.
Casada e com uma filha de 10 anos, Cláudia Lôbo não conseguia sequer tomar banho sozinha. “Tudo era difícil e sempre sentia falta de ar. Não conseguia andar sem cansar, subir escada. Até mesmo para comer, sentia dificuldades. Ficava sem fôlego. Apesar das dificuldades, sempre acreditei que a doação do coração chegaria. E chegou quando eu mais precisei. É inesquecível o dia em que a assistente social me ligou dizendo que conseguiram o coração é que eu fosse para o hospital. Quem está na fila do transplante não pode perder a fé. Nada é por acaso e tudo tem um propósito, mesmo que seja difícil nesse processo difícil. Acredite! Tem que manter a certeza de que tudo dará certo com a permissão de Deus!”
Quanto a quem ainda não decidiu ser doador de órgão, Cláudia Lôbo, deixa um recado: pensem e repensem com muito amor e carinho nessa possibilidade.
Para advogado, mudança no Código Civil é passo adiante
Na avaliação do advogado Marcos Soares, a proposta de alteração do Código Civil que dispensa a autorização familiar para doação de órgãos, desde que o doador tenha deixado uma declaração expressa, é um passo importante para aumentar o número de doações e, consequentemente, salvar mais vidas.
“A mudança visa respeitar a autonomia da vontade do doador, permitindo que ele decida sobre o destino de seus órgãos após a morte, sem que a decisão seja submetida a interferência familiar”, destacou.
Entre os pontos positivos da proposta, o jurista citou o respeito à autonomia da vontade, uma vez que a proposta permite que cada indivíduo exerça o direito de decidir sobre o destino de seus órgãos, evitando que decisões sejam tomadas por terceiros, mesmo em situações de falecimento.
O aumento da oferta de órgãos, completou o advogado Marcos Soares, já que ao facilitar a doação, a proposta tem o potencial de aumentar o número de órgãos disponíveis para transplante, reduzindo o tempo de espera para pacientes que precisam de um órgão.
“Além de modernizar a legislação, pois a mudança acompanha a evolução da sociedade e a importância crescente da doação de órgãos, tornando a legislação mais adequada às necessidades atuais”. detalhou.
Há, no entanto, pontos a serem considerados, tais quais a disseminação da informação.
Transplantado pede mais divulgação
No povoado de Tuquanduba, no município de Marechal Deodoro, no litoral Sul alagoano, reside a nova vida de Jackson Filipe da Silva Santos, 33 anos. Servidor público estadual, o rapaz recebeu um fígado no dia 29 de agosto do ano passado.
A doação do órgão chegou depois de cinco anos tratando uma hepatite autoimune. O diagnóstico da doença veio como um choque, depois de 23 dias de internação.
“Quem precisa de um órgão para continuar vivendo já passa a conhecer um sentimento de gratidão pelo doador antes mesmo de a doação se concretizar. É um gesto nobre. No pior momento de dor para a família, doar um órgão do seu parente tão amado que se foi é dar uma oportunidade para outra pessoa seguir a vida. Realizar sonhos”, desabafou.
Na avaliação de Jackson Filipe, a sociedade precisa falar mais sobre doação de órgãos. “Peço as pessoas que se tornem doadoras de órgãos, salvem vidas! Não deixa a vida do próximo parar”, rogou o jovem rapaz.
As pessoas que esperam pela córnea aguardam, em média, 15 meses na fila. A esperança de recebe um fígado soma 10 meses, aproximadamente. Ter a vida ligada a um fio de esperança de receber um rim pode custar longos 82 meses ou praticamente sete anos.
Para que um transplante seja realizado, a Central de Transplantes explicou que o primeiro passo é obter a autorização dos familiares para a doação de órgãos. Em seguida, é necessário que haja a compatibilidade entre o órgão doado e os pacientes receptores.
O índice de famílias alagoanas que não autorizaram a doação de órgãos dos parentes que estavam em morte cerebral gira em torno de 50%, conforme apontam dados da Central de Transplante de Alagoas.
Com isso, muitas vidas deixaram de ser salvas, conforme apontam os especialistas em transplantes.
CENTRAL
Tabus provocam maior parte das recusas de doação
A coordenadora da Central de Transplante de Alagoas, Daniela Ramos, explicou que boa parte da taxa de recusa ocorre por motivos e tabus sociais e da falta de conscientização sobre a morte encefálica, que é um processo irreversível. Ela contou que a recusa acontece pelo desconhecimento da causa e da vontade do doador ainda em vida.
Quando a família autoriza a doação, é dada a largada para um processo que necessita da agilidade dos profissionais. Quando os órgãos são captados, é preciso correr contra o tempo para que cheguem ao receptor. Isso porque, cada órgão tem um tempo de validade. O coração, por exemplo, tem quatro horas, o fígado oito horas, os rins 24 horas e a córnea dura um pouco mais, 15 dias.
Desde abril do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os cartórios lançaram a campanha “Um Só Coração: Seja Vida na Vida de Alguém”. Desde então, em Alagoas, 94 pessoas manifestaram, em cartório, a vontade de doar órgãos depois de falecidas.
A iniciativa também marca a regulamentação do sistema de autorização.
DOAÇÃO
Cartórios atuam na solução de conflitos
A presidente do Colégio Notarial do Brasil, seccional Alagoas, Milena Guerreiro, explicou que os cartórios funcionam como braço do Estado tanto na resolução de conflitos, como na estabilização de relações jurídicas. E não poderia ser diferente na questão da doação de órgãos. Nesse caso, os cartórios disponibilizaram uma forma rápida, prática e segura para a emissão de vontade do doador.
“Não só isso, mas garantiram o fácil acesso das equipes médicas a esse documento público, que muito pode ajudar e auxiliar às decisões das famílias numa hora tão difícil. O colégio notarial do Brasil, que detém essa ferramenta, já está planejando uma forma de possibilitar que em mutirão isso possa ser amplamente divulgado e utilizado pela população de Alagoas. Porquanto todos os cartórios de notas do Estado já estão capacitados para todos os dias receberem essa emissão de vontade do doador”, frisou.
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