Saúde

O que leva pessoas a adotarem ações de risco na pandemia?

Falta de direcionamento político e de consciência coletiva estão entre as explicações apontadas por especialistas

Por Keila Wanderley – Colaboradora com Tribuna Independente 13/03/2021 10h28
O que leva pessoas a adotarem ações de risco na pandemia?
Reprodução - Foto: Assessoria
A pandemia do coronavírus completa um ano neste mês de março. Os médicos e cientistas orientam diariamente sobre a importância do isolamento social neste momento crítico de contágio avançado. Mas o que leva as pessoas a adotarem comportamentos de risco diante do atual cenário? De acordo com especialista, a falta de direcionamento político fez as pessoas questionarem a doença. Então isso somado aos jovens que acreditam que não serão atingidos e à falta do desenvolvimento de consciência coletiva explicariam esse comportamento. Para os jovens, o contato diário com os pais, às vezes sob um olhar vigilante, a falta do convívio com os amigos e falta de atividades externas, ao qual estavam acostumados, foram uma das razões que os fizeram ir para a rua. A psicóloga Carmen Rúbia acredita também que as informações que foram passadas para os jovens de que a doença era mais perigosa para os idosos os fizeram confiar que não seriam atingidos. “O jovem busca o prazer imediato. Não deixa para amanhã o prazer que pode ter hoje. É um processo de querer ganho imediato. Ele quer ir ao shopping? Ele vai. É como se estivesse protegido dentro de uma bolha”. Uma das mensagens mais divulgadas é que a aglomeração é um comportamento arriscado. Carmen destaca que, com essa ideia, as pessoas estão usando o mecanismo de compensação, acreditam que os encontros entre cinco ou seis amigos não levará à contaminação. Ou encontrar apenas o vizinho, o parente, ou conhecido, não é perigoso. E com as confusões de orientações que são passadas pelos líderes, leva-se um descrédito da população que passa a questionar o vírus, os números e partem para um processo de negar a realidade. “Hoje o que nós vemos é basicamente um processo de negação muito intenso mesmo diante de tantas perdas, mesmo os jornais trazendo para nós o número de mortos e contaminados. Junto com a negação do ser humano que tem esse movimento’ de não é comigo, é com o outro, não vai acontecer comigo’, principalmente entre os jovens. Que vieram nesse processo desde o ano passado de acreditar que com ele nada vai acontecer”. Já a psicóloga Kátia Costa destaca que o confinamento levantou questões sociais e despertou para uma consciência coletiva a respeito da responsabilidade de cada um para o enfrentamento da situação. Mas também trouxe à tona problemas particulares que com a rotina externa eram deixados de lado. Assim, para algumas famílias o ficar em casa foi também um momento de descobertas e resoluções. Mas, para outras, aflorou ainda mais os dilemas que já enfrentavam. “Não são todas as famílias que têm um relacionamento saudável e harmonioso. Neste momento, muitas famílias conseguiram se conectar, ter momentos juntos, com refeições e assuntos compartilhados, resgatar questões mal resolvidas e criar vínculos. Por outro lado, famílias que não tinham um bom relacionamento se perderam muito nessa convivência e complicou ainda mais a situação”, relatou, Kátia. Diante do atual cenário, com o aumento dos casos e mortes diárias, as psicólogas concordam que está faltando o desenvolvimento de empatia e consciência coletiva. Acreditam que a sociedade ainda segue apegada a valorizar as coisas materiais e se extingue da responsabilidade com o social para preservação da vida. “Existem três perguntas que precisamos fazer ‘eu posso? eu quero? eu devo?’. Se a gente seguir esse questionamento então realmente a gente vai encontrar a resposta que ‘não devo’, mas não é isso que está acontecendo. O que acontece é eu quero, eu posso, eu faço”, explicou Carmen. Socióloga: “temos uma sociedade extremamente individualista” Foi notória as desigualdades sociais afloradas pela pandemia. Uma parte da população conseguiu se adaptar para aulas e trabalhos no ambiente on-line. Mas teve uma parcela muito importante que precisou seguir com sua rotina de trabalho presencial todos os dias e ainda aqueles que foram demitidos. Mas não há como negar que a pandemia é um problema de todos e exige cooperação coletiva, porém, a maneira que cada indivíduo passa pela situação interfere na sua forma de lidar. Para a socióloga Bárbara Suellen, os modelos de sociabilidade atuais interferem no comportamento das pessoas diante das situações que lhe são impostas. E isso implica na dificuldade do pensamento coletivo. “É difícil falar para quem está pegando transporte coletivo, trabalhando todo dia, que não pode se reunir com outras pessoas. Às vezes eles não conseguem ter essa compreensão porque suas rotinas não foram alteradas”. [caption id="attachment_433204" align="aligncenter" width="602"] Suellen: “é muito difícil você formar pessoas com consciência coletiva” (Foto: Arquivo pessoal)[/caption] Por outro lado, existe também uma falta de preocupação com a coletividade que foi intensificada com a pandemia. O atual cenário de hospitais lotados, falta de leitos e crescente número de infectados e óbitos diários, Bárbara associa também ao egoísmo e a ausência do pensamento coletivo. “A sociedade das coisas, onde ter é mais importante do que preservar, do que ser. Então, a gente consegue ver, de forma mais gritante, nesse tipo de modelo de sociabilidade neoliberal. Temos uma sociedade extremamente individualista que vem sendo moldada dentro desses moldes individualistas há anos”, destaca Bárbara Suellen. A socióloga também destaca que as pessoas são seres sociáveis e dependentes do contato com outras pessoas. “Precisamos da troca, do contato, seja virtual ou não e é muito difícil manter as pessoas dentro de casa por tanto tempo. Além disso, as confusões políticas dificultam nas tomadas de decisões da sociedade como um todo, o que leva a própria população a agir de maneiras diferentes diante da situação”, diz. Ela explica que essa falta de sensibilidade diante da catástrofe sanitária no país pode ser relacionada também com a violência diária de diversas regiões. “É como a barbárie se tornasse comum. Nós não temos números de violência muito baixos em algumas regiões do país. Quando vemos cenas onde morreu um funcionário no supermercado e cobriram o corpo e tudo continua funcionando normalmente é como se a vida fosse algo banal. O que explica isso são os modos de sociabilidade altamente destrutivos dentro do modo de produção altamente destrutivo. É muito difícil você formar pessoas com uma consciência coletiva”. A desqualificação do discurso político também levou as pessoas a descredibilizar o cenário da pandemia. Houve uma polarização entre os lados e muitas informações confusas. Por isso também a dificuldade em respeitar os decretos e diretrizes adotados pelos governos estaduais no distanciamento social imposto. “A população precisa ter regras. Por isso que existe as leis, constituição e um monte de coisa que rege a nossa vida. Se temos um estado desmoralizado aos olhos da população e uma sociedade totalmente apática, vemos essa confusão. Os nossos governantes erraram muito na condução da pandemia”, conclui. Jovens compartilham sentimentos A reportagem ouviu o relato de jovens que compartilharam os sentimentos diante da situação. Nos primeiros meses de isolamento social, Teresa Siqueira, 27 anos, e a família ficaram sem sair de casa. Morando com os avós idosos e ainda sem informações sobre a Covid-19 e como se proteger, eles optaram por ficar confinados. As saídas eram a cada 15 dias apenas para ir ao supermercado. Com o passar do tempo, com a chegada dos protocolos de segurança e a flexibilização, eles buscaram voltar parcialmente à rotina. “Depois de quatro meses fomos retomando nossa rotina parcialmente. Voltei a trabalhar e quando chegava em casa tinha todos os cuidados de higienização, ficava mais tempo dentro do meu quarto com medo de levar alguma coisa para meus avós. Mas quando vimos que essas medidas funcionavam, que não tínhamos nos contaminado, comecei a ir jantar fora algumas vezes no mês”. As saídas eram sempre com os familiares que já convivia. Teresa contou que a escolha do restaurante era bem criteriosa e passou a frequentar sempre o mesmo local. Apesar de todos os cuidados adotados, ela foi contaminada pelo coronavírus ao conversar sem máscara com o irmão dentro do carro. Ele estava morando em outra casa e não sabia que havia se contaminado. Ambos tiveram quadro leves e se recuperaram sem sequelas. Mas Teresa disse que não relaxou nos cuidados pois ainda teme pela saúde e segurança dos avós. No início da pandemia, Karla Barros, 30 anos, foi demitida. O marido passou a trabalhar em casa e com isso todos eles (filho e sogros) conseguiram fazer isolamento. Nos primeiros meses ela saia de casa apenas para fazer a feira da semana e ao retornar fazia toda a higiene recomendada. Depois de alguns meses sem se encontrarem, os familiares mais próximos decidiram se reunir em um aniversário. Neste momento, uma pessoa contaminada esteve presente e acabou contaminando a todos. Nenhum familiar apresentou quadro grave e todos conseguiram se recuperar. Aproximadamente um mês depois, três tios faleceram decorrentes de complicações da Covid-19 e todos voltaram a se isolar. Mas a retomada do emprego, o transporte público e a convivência com outras pessoas no ambiente de trabalho fizeram toda a família relaxar nos cuidados de prevenção. Karla desabafa que é muito difícil continuar fazendo tudo certinho, principalmente quando outras pessoas não estão fazendo o mesmo. Para ela, é nadar contra a correnteza. “A gente tenta fazer tudo certinho. Mas chega uma hora que cometemos uns erros. Sabemos que estamos cometendo, mas cometemos mesmo assim”. O jovem de 22 anos, Dayvson Oliveira, também relatou que os meses iniciais da pandemia foram de isolamento. Ele mora com a mãe e irmã. Frequentador assíduo de cinema e logo quando começou a frequentar os shows, veio o vírus e obrigou a todos a ficarem em casa. Depois de algum tempo de confinamento e sem poder levar a vida de antes, ele retornou às suas atividades na rua. “Quando a quarentena começou, eu cumpria tudo à risca. Segui as recomendações, não saia de casa. Aí depois, quando os casos diminuíram, eu acabei saindo normalmente para distrair a mente. No começo eu fui apenas para casa de amigos com poucas pessoas”. Dayvson relatou que teve um momento em que foi a uma festa clandestina. “Eu ia para show, cinema. Toda essa ausência da vida de antes, em algum momento acaba estourando. Então, naquele momento de baixa [dos casos de Covid] eu pensei ‘por que não?’. Fui meio inseguro mas fui”. Ele contou à reportagem que ao chegar no evento se assustou com a quantidade de pessoas, mas permaneceu no local. Segundo, Dayvson, eram cerca de 250 pessoas no evento. Com o novo aumento dos casos, o jovem disse que não participaria mais de uma festa como aquela.