Saúde

'Todos os dias me sinto desafiada em relação à Covid-19', diz médica da linha de frente

Profissionais compartilham suas experiências de trabalhar durante uma pandemia

Por Assessoria 08/06/2020 21h24
'Todos os dias me sinto desafiada em relação à Covid-19', diz médica da linha de frente
Reprodução - Foto: Assessoria
Com 25 anos de experiência, a pneumologista Fátima Alécio foi apresentada à doença de forma inesperada. Enquanto atendia um paciente, percebeu que os novos sintomas relatados por ele eram compatíveis aos da covid-19. “Eu estava no ambulatório sem a menor segurança biológica, não estava paramentada, não estava esperando por aquilo. Isso foi logo no início da pandemia. O paciente, que já tinha tuberculose, me relatou sintomas de covid-19. Olhei para ele, olhei em volta, e vi que não tinha nenhuma paramentação de segurança. Foi um momento de muita tensão, pois a covid-19 realmente tinha chegado e que ela estava na minha frente”, relatou. O profissionalismo a fez dar sequência no atendimento do paciente, que recebeu orientações do que deveria fazer quando fosse para casa. Em seguida, a sala foi higienizada e ficou pronta para o próximo paciente. “A partir daquele dia, entendi que todo paciente que sentasse na minha frente poderia ser um potencial portador da doença. Eu tinha que estar preparada. Assim, mudei todo o fluxo do consultório”, disse Alécio. A doença foi se apresentando aos demais médicos da instituição. Eliane Rocha Lopes, que atua na Gerência de Riscos da instituição, e, além de exercer a medicina no grupo de clínica médica, também trabalha na UTI cirúrgica do hospital, conheceu um lado que também pode ser devastador: o isolamento. “Meu primeiro paciente foi uma senhora, cujo esposo estava internado na UTI da instituição também por covid-19. Ela estava angustiada e eu atentei como essa doença maltrata, pois ela mantém os pacientes isolados no momento em que estão mais sensíveis por sua condição de saúde”, contou a médica. E os desafios seguem a partir dos primeiros casos. Desde 26 de fevereiro, a Santa Casa de Maceió atendeu 1065 casos confirmados do novo coronavírus. Até a quinta-feira (4), 138 pessoas seguiam internadas, sendo 37 delas na UTI. A instituição também registrou 51 óbitos em pouco mais de três meses, mas, no mesmo espaço de tempo, 203 pacientes que foram internados com covid-19 receberam alta curada. “Todos os dias me sinto desafiada em relação à covid-19. É uma doença que não depende apenas de uma intervenção médica, pois, por muitas vezes, por mais que você se esforce, o paciente pode evoluir mal, pode ficar grave. Em algumas doenças, se você der o remédio certo, na hora certa, o doente vai evoluir bem com a mínima chance de evoluir mal. Mas com a covid-19 não tem tratamento específico, ficamos observando o quê o doente vai ter e ele pode ter de nada a tudo. Então a sensação de expectativa é grande, mas seguimos dando suporte e cuidando da evolução e tratando as intercorrências enquanto um remédio eficaz não chega, enquanto a vacina não chega”, desabafou a pneumologista Fátima Alécio. Cuidados redobrados para evitar o contágio fazem parte da rotina Para os profissionais de saúde, um dos grandes medos é ser um portador assintomático. “É um medo que nos ronda, pois ninguém quer levar para seus entes queridos uma doença que vem se mostrando um grande desafio, sem tratamento específico. Contra ela só temos opções terapêuticas e que precisam ser utilizadas no momento certo, porque existem várias fases da doença que não assume um tempo determinado, um tempo padrão. Então você precisa ter o time certo para lançar mão dessas opções terapêuticas no momento correto”, ressaltou Eliane Rocha. Os cuidados para evitar entrar na estatística dos profissionais contaminados exige uma rotina, por vezes, dolorosa. O uso de máscaras de proteção marca e machuca o rosto, e até lavar as mãos com maior frequência tem trazido problemas para quem precisa repetir a ação várias vezes ao dia. “Por mais que se use os equipamentos de segurança, você sempre trabalha com medo de pegar. Uso todos os EPIs, lavo as mãos mil vezes, mantenho a distância… Hoje faço ambulatório com os doentes distantes de mim, algo que me incomoda, porque gosto que estar perto. Faço o consultório dos pacientes mais crônicos de forma online, já que o presencial não tem sido possível. Todo dia a gente pensa em se expor menos, em achatar a curva de transmissão e tentar ver se esse vírus segura mais e não contamina tanta gente. Já lavei tanto minhas mãos, já usei tanto álcool em gel que minhas mãos estão feridas. Tenho hidratado bastante as mãos para poder conseguir passar por tudo isso. Meu maior medo é que minha mãe de 89 anos fique doente. Ela é o que tenho de mais precioso na vida”, conta Alécio. A Santa Casa de Misericórdia de Maceió realizou uma série de adequações para evitar a aglomeração de pessoas no ambiente hospitalar e garantir a segurança dos pacientes, colaboradores da instituição, de seu corpo clínico e da comunidade. Entre as medidas adotadas pela instituição estão a suspensão do atendimento no ambulatório geral, exceto para casos que necessitem de atendimento inadiável (não de emergência), como, por exemplo, os pacientes de oncologia, o cancelamento de todas as cirurgias eletivas que possam ser postergadas sem que haja prejuízo para o paciente e a suspensão de visitas aos pacientes internados no hospital. “Cada vez mais me orgulho da equipe da Santa Casa de Maceió, pois vejo como ela se modificou, se reinventou, que tenta fazer de tudo e se desdobra ao máximo para atender todos esses desafios que ninguém esperava. Tínhamos perspectivas de pensar em catástrofes, nos desafios do futuro, mas a gente não esperava nem tão cedo viver uma pandemia como essa. Todos se uniram, estudaram, aprenderam, brigaram, discutiram, mas a equipe conseguiu manter um fluxo de atendimento que tem feito com que o nosso serviço seja de excelência com excelentes números. Perdemos doentes, pois não tem como isso não acontecer. É a dura realidade do novo coronavírus”, finalizou Fátima Alécio.