Saúde
Primeiro transplantado em Alagoas ainda está vivo
Transplantes de coração dão oportunidade a pacientes em estado terminal; já são 40 ao longo de quase três décadas em Alagoas
Já são 28 anos desde o primeiro transplante de coração em Alagoas, que também foi o primeiro do Nordeste. De lá para cá, são 40 procedimentos realizados com uma taxa de sucesso de 70% após dez anos de cirurgia. Com o passar do tempo muitas dificuldades foram superadas, mas garantir o órgão ainda é a maior delas.
Segundo o cardiologista José Wanderley Neto, precursor deste tipo de cirurgia em Alagoas e no Nordeste, um detalhe curioso nessa jornada inovadora foi o fato de o primeiro transplante ter sido em um alagoano, mas realizado em Sergipe.
“Afortunadamente, o primeiro doente está vivo até hoje. Ele é de Santana do Mundaú. Foi uma aventura que deu muito certo. Aventura no sentido de ser uma coisa prazerosa, mas que foi muito segura, muito pensada”, conta o médico.
O primeiro transplantado, Francisco Sebastião de Lima, de 45 anos, tinha na época 17 anos. Vendo o filho sofrer da Doença de Chagas, o pai dele, Sebastião Francisco de Lima, que atualmente tem 71 anos, recebeu a proposta surpreendente: Trocar o coração doente do filho por um saudável.
“O transplante dele foi um sucesso graças a Deus. Ele tinha 17 anos na época, com aquela doença de Chagas. Foi um milagre o transplante dele, porque muitos não acreditavam que o doutor ia colocar um coração no lugar do outro. Na época muitos vizinhos diziam que não ia dar certo, perguntavam se eu ia confiar nisso, mas o Dr. Wanderley disse que era pra eu ter fé em Deus que a gente ia conseguir o doador. Ele foi internado e logo conseguiu a doação. Em março de 1989, ele foi levado a Aracaju, fez o transplante e veio bem de lá para cá”, diz seu Sebastião.
O pai relembra a trajetória percorrida até que o filho estivesse bem e até hoje sem problemas do coração.
“A recuperação não foi difícil quando ele recebeu o coração. Pelo quadro que ele estava para o que ficou. Lembro de olhar pelo vidro lá na Santa Casa e ver que ele estava bem, graças a Deus. Aí ele foi se recuperando e em uns quatro meses ele estava em casa. Problema no coração nesse tempo ele não teve nenhum até aqui. O problema que ele teve foi da cabeça e não consegue se comunicar direito. Eu também não estou muito bem de saúde. Mas ele nunca mais teve nada no coração”, comemora.
Wanderley afirma que iniciar o programa de transplantes foi um ‘projeto de vida’, que precisou de muita dedicação e superação de muitas dificuldades.
“Quando isso começou foi muito criticado, as pessoas de São Paulo têm uma visão muito colonialista, não acreditavam ser possível fazer algo assim num estado pequeno, mas nós fomos desmistificando isso. A principal dificuldade na verdade, foi convencer as pessoas que a gente trabalhava que isso era possível de fazer. Para se ter uma ideia, no começo cada doente tinha um padrinho para custear as despesas com medicação, o primeiro foi o Produban. Os exames que o hospital não tinham condições de fazer e os remédios para controlar a rejeição foram custeados por eles. Então, a gente foi encontrado os problemas e tentando resolver, sem copiar de ninguém, fazendo do nosso jeito”, reforça.
A partir daí, diversos procedimentos começaram a acontecer em todo o Nordeste. Ao identificar um doador compatível, paciente e médico viajavam do estado de origem até a localidade onde estava o órgão. Lá, outro médico aguardava para também fazer a cirurgia, disponibilizando a estrutura hospitalar.
“Começamos esse programa de transplante que já dura quase trinta anos. Antes era muito difícil porque não tínhamos a Central de Transplantes. Então, as próprias equipes que tinham que ir atrás e era até constrangedor, ficar procurando uma pessoa que morreu para salvar alguém. Hoje isso está mais organizado. Com essa dificuldade, às vezes a gente tinha o doador, mas não tinha o doente pra fazer o transplante. Então a gente imaginou um programa chamado Nordeste Transplante, que ao invés da gente ir buscar o coração, que era muito caro e dispendioso e arriscado, a gente levava o doente e fazia o transplante a quatro mãos e levava o doente ao estado de origem. Isso se tornou uma revolução, essa estratégia, porque a partir disso o Nordeste inteiro passou a fazer isso”, recorda.
Ele conta que o médico brasileiro Euryclides de Jesus Zerbini, que realizou o primeiro transplante da América Latina, em maio de 1968, foi a grande fonte de ajuda e inspiração para o programa de transplante nordestino.
“Alguns exames imunológicos que a gente não tinha condições de fazer aqui em Maceió a gente fazia no Incor atráves da ajuda do Dr. Zerbini, de modo informal. Porque se fôssemos firmar parceria podia levar meses. Ele colocou a gente direto com essas pessoas, que viraram consultores nossos. A gente mandava sangue pelo piloto dos aviões e arrumava alguém para ir buscar e o resultado vinha pelo fax. Essas dificuldades foram superadas ao longo do tempo, mas foi uma demonstração de modernidade ao usar aquilo que a gente tinha”, diz Wanderley.
Longo caminho entre paciente e a doação
“Só este ano foram cinco transplantes. É muito difícil, não só a doação, mas a preparação do doente, os exames, a preparação psicossocial, emocional, intelectual. Para fazer o transplante de coração, a gente precisa ter a garantia de que ele vai participar do tratamento, fazer as consultas, as biópsias, que não vai deixar de tomar os remédios depois do transplante. Porque elas depois se sentem ativas e se não tiver cuidados acham que estão curadas, já perdemos pessoas assim”, afirma o médico.
Segundo o cardiologista, existem diversos critérios para que um paciente seja incluído na lista de espera. Geralmente, eles passam em torno de 2 ou 3 meses aguardando o órgão. Pela condição grave, muitos não conseguem aguentar a espera. Atualmente um paciente aguarda por um coração novo e outros quatro estão em preparação para entrar na fila.
“Cardiopatia grave com um tempo de vida muito curto e que não há nenhuma forma de evitar a chegada da morte, seja com cirurgia convencional, seja com medicação. O outro critério é a questão psicossocial, como uso de álcool e drogas, doenças mentais, câncer. Esse é candidato ideal para o transplante. Não tem idade limite. Já fizemos um transplante com um senhor de 65 anos. Ele ficou com dois corações. Para quem está morrendo é uma cirurgia com benefício muito grande, tira mesmo a pessoa da ‘cova’. A lista de transplantes não é grande, porque se não conseguir logo, ele morre”, acrescenta.
Para José Wanderley, ainda existem metas a serem superadas. Principalmente a ampliação do serviço para diminuir a espera e ajudar ainda mais doentes.
“O desafio hoje é aumentar a capacidade de transplantes. Conseguir esses órgãos. E não só isso, a partir dessa frequência, de 6 a 10 por ano, é necessário ter uma equipe exclusiva trabalhando nisso. Geralmente, isso acontece de madrugada e você assume uma responsabilidade legal e sobretudo moral. O que acontece também é que o SUS vive em crise constante e a abordagem as famílias é geralmente muito complicada, isso dificulta também ”, pontua.
Transplantado diz que meta agora é cuidar da saúde
Cláudio da Silva, de 55 anos, natural de Arapiraca é um dos mais recentes transplantados no Estado. O transplante veio após quatro anos de tratamento de uma grave cardiopatia que causa o inchaço do coração.
“Meu problema é coração crescido. Descobri a doença há quatro anos e fiquei em tratamento, mas desde o começo o médico que me acompanhava aqui em Arapiraca me disse que o transplante poderia ser necessário. Aí há uns dois anos piorei, mesmo com os medicamentos, tinha dificuldade para tomar banho, para caminhar”, relembra.
O transplante dele ocorreu em março deste ano. A recuperação, segundo Cláudio tem sido gradual, mas cada melhora tem sido comemorada.
“Entrei na lista de espera no início do ano e fiz o transplante em 28 de março. Eu estava na expectativa para receber, mas quando ligaram para mim, numa terça a noite, para dizer que tinha o órgão até eu me surpreendi por ter sido tão rápido. Hoje estou bem, me sinto muito bem. Consigo fazer minha caminhada de manhã, tomar meu banho sossegado, que não conseguia mais”, conta aliviado.
De agora em diante, os planos são cuidar cada vez mais da saúde, garante o transplantado.
“Ainda não pensei em voltar a trabalhar, estou afastado desde o início do tratamento. O pessoal é muito bom comigo. Agora eu quero aproveitar e no momento fazer os procedimentos que mandam fazer e me cuidar, agradecer a força que me deram principalmente a Deus e fazer o que precisar para ficar 100%”, finaliza.
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