Roteiro cultural
Jornalista da Tribuna Independente revisita em livro memórias dos campi Maceió e Satuba do Ifal
Gerônimo Vicente destaca mais de um século de histórias, personagens e transformações no Instituto Federal de Alagoas
A trajetória centenária dos campi Maceió e Satuba do Instituto Federal de Alagoas (Ifal) ganha novo fôlego narrativo no livro “Campi Centenários do Ifal: como lugares de memória e de identidades na Educação Profissional e Tecnológica”, lançado durante a Bienal Internacional do Livro de Alagoas 2025. A obra reúne depoimentos de ex-alunos, professores aposentados e servidores, além de um vasto conjunto de fotografias que resgatam o passado dessas instituições federais — com 116 anos de Maceió e 114 de Satuba — responsáveis por formar gerações e impulsionar o desenvolvimento comercial, industrial e agropecuário do estado.
O livro nasce do documentário de 40 minutos produzido pelo autor, Gerônimo Vicente, jornalista da Tribuna Independente, como parte de seu mestrado em Educação Profissional e Tecnológica. O projeto editorial, explica ele, teve início ainda na época em que atuava como coordenador de Comunicação Social do Ifal. No cotidiano da função, deparou-se com “slides, fotografias, livretos, fitas cassete e recortes de jornais” que revelavam fragmentos da história do antigo Cefet/AL — uma das várias nomenclaturas pelas quais a instituição passou. Esse acervo inspirou tanto a produção de vídeos institucionais quanto a elaboração do livro, que dá forma gráfica a uma memória antes dispersa.
A obra recupera a origem da educação profissional no Brasil, ainda no período do Império, e destaca o papel do presidente Nilo Peçanha, responsável, em 1909, pela criação das escolas de aprendizes e artífices em 19 capitais, entre elas Maceió, e posteriormente Satuba. O autor contextualiza os objetivos da época: acolher crianças pobres que vagavam pelas ruas — chamadas de “desvalidas da sorte” — e atender ao interesse de nações industrializadas, como Inglaterra e Estados Unidos, que precisavam de um Brasil com mão de obra qualificada para consumir sua produção.

Os primeiros passos dessas unidades revelam um cotidiano duro e disciplinado. A Escola de Aprendizes e Artífices funcionou inicialmente na Rua Boa Vista, mudando-se em 1910 para a Praça Sinimbu, onde hoje está o Espaço Cultural da Ufal. Já o campus Satuba surgiu da desapropriação de uma antiga destilaria de álcool, repassada ao governo federal para sediar uma escola agrícola. As duas instituições compartilhavam o mesmo propósito: ensinar técnicas artesanais — marcenaria, serralheria, cerâmica — a crianças a partir dos 10 anos, que manipulavam materiais pesados e cortantes. Em meio às tensões políticas da época, também aprendiam técnicas militares, o que incluía manuseio de armas, em um contexto de conflitos regionais e disputas de poder.
O livro reúne mais de 60 depoimentos e traz episódios pouco conhecidos, como a transferência de 35 adolescentes para Bananeiras (PB) devido à precariedade do edifício do campus Satuba, em 1963; o acidente ferroviário próximo à escola agrícola em 1964; o assassinato de um líder estudantil em 1963; e o tiroteio durante uma festa de formatura do Cefet/AL na Boate Arena, em 2004, que deixou um aluno morto. Gerônimo também revisita a polêmica sobre a suposta autoria do prédio do campus Maceió atribuída a Oscar Niemeyer — uma crença disseminada nas décadas de 1940 e 1950.
Além do caráter histórico, o autor desenvolve uma análise política das diferentes fases das instituições. Ele aborda a interferência da ditadura militar — que chegou a promover prisões de estudantes considerados “subversivos” — e discute pressões externas dos Estados Unidos durante a Guerra Fria e no período do avanço neoliberal, quando cursos foram encerrados e até o ensino médio federal esteve sob ameaça.

Gerônimo ressalta que o livro busca, também, incentivar a preservação da memória institucional em toda a rede do Ifal, que hoje reúne 16 campi adicionais — entre eles Marechal Deodoro e Palmeira dos Índios, já com três décadas de história, mas ainda sem registro consolidado de seus percursos.
A narrativa se expande ainda para o campo cultural, destacando o papel das escolas centenárias na vida artística dos municípios. O livro rememora iniciativas como a formação do Coretfal nos anos 1970, sob comando de Maria Augusta Monteira; a orquestra dirigida pelo maestro José Nicácio nos anos 1960; e a marcante banda de fanfarra do maestro Manuca, que marcou gerações de estudantes.
Com linguagem documental e sensibilidade histórica, “Campi Centenários do Ifal” se apresenta como um importante gesto de preservação da memória educacional de Alagoas — uma obra que reconstitui o passado, ilumina o presente e ajuda a projetar o futuro da educação profissional no estado.

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