Política

Ciclovia de Arapiraca é denunciada no MPF

Segundo denúncia, obra de R$ 25 milhões foi construída pelo prefeito em terreno da União sem autorização e gerou irregularidades

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 14/11/2025 08h01
Ciclovia de Arapiraca é denunciada no MPF
Ciclovia erguida na linha férrea em terreno federal fica no local por onde passará o VLT de Arapiraca a cargo da Companhia Ferroviária do Nordeste - Foto: Edilson Omena

O advogado Carlos Lúcio protocolou, no início desta semana, denúncia no Ministério Público Federal (MPF) contra a prefeitura de Arapiraca, acusando o prefeito Luciano Barbosa (MDB) de desperdício do dinheiro público e improbidade administrativa. Cópia da denúncia foi encaminhada também à Controladoria Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU).
De acordo com a denúncia, o prefeito teria construído a Ciclovia do Trabalhador, por quase R$ 25 milhões, num terreno da União, que pertencia a antiga Rede Ferroviária Federal e em cima dos trilhos por onde vai passar o VLT de Arapiraca, obra anunciada pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, orçada em R$ 200 milhões.

Segundo documentação anexada à denúncia, os recursos que teriam sido usados para a construção da Ciclovia do Trabalhador foram empenhados pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), via emendas liberadas pelo deputado federal Arthur Lira (PP) – ex-presidente da Câmara dos Deputados.

Os valores foram empenhados em duas parcelas: em agosto de 2021, no valor de R$ 9.550.000,00, e em dezembro de 2021, no valor de 14.325.000,00. “Os recursos foram liberados para obras de pavimentação asfáltica de avenidas ao longo da linha férrea da Rede Ferroviária, e não para construção da ciclovia”, destacou Lúcio.

IMPROBIDADE

Ele espera que os órgãos federais aprofundem as investigações, pois a conduta do prefeito pode representar fortes indícios de crimes contra a administração pública – como emprego irregular de verbas públicas, peculato, inserção de dados falsos em sistema de informações, prevaricação e/ou modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo.

Na denúncia, o advogado encaminhou, em anexo, cópias dos convênios. O dinheiro, cerca de R$ 25 milhões, seria para pavimentação asfáltica, conforme consta na finalidade dos convênios. O extrato do primeiro convênio foi publicado Diário Oficial da União em 13 de setembro de 2021, e segundo convênio foi publicado no Diário Oficial da União em 28 de janeiro de 2022.

“As Notas de Empenho de números 2021NE000001 e 2021NE000077 da União/Governo Federal, demonstram que houve a reserva orçamentária e posteriores pagamentos, de supracitados convênios celebrados, com recursos alocados provenientes de Emenda Parlamentar”, diz um trecho da denúncia. As emendas foram de autoria do deputado Arthur Lira, que é aliado do prefeito.

EMENDAS

“Segundo notícias amplamente veiculadas na região de Arapiraca, tais recursos decorrentes da Codevasf foram utilizados nas obras da Ciclovia do Trabalhador”, acrescenta a denúncia, citando notícia publicada na mídia local sobre o assunto: “Obras de pavimentação e Ciclovia do Trabalhador de Arapiraca contam com R$ 24 milhões garantidos por Arthur Lira”.

A reportagem, produzida com base nas informações da assessoria de comunicação da Prefeitura, diz que a iniciativa do prefeito constitui “um dos maiores conjuntos de investimentos em pavimentação, calçamento e obras de construção de vias públicas de Arapiraca, que conta com cerca de R$ 24 milhões em recursos federais destinados ao município pelo deputado federal Arthur Lira”.

“A Ciclovia do Trabalhador é uma das principais ações de mobilidade do Agreste. A área estava degradada e servindo de depósito de lixo, prejudicando a vida dos moradores e comerciantes. Por meio destes investimentos, a gente muda a realidade de Arapiraca, assegurando mais qualidade de vida para nossa gente”, destacou Lira.

Apesar de placa fixada no local, não haveria convênio com a Codevasf

No bairro de Primavera – conforme consta na denúncia – a Prefeitura de Arapiraca fixou uma placa, com informações sobre as obras da ciclovia do trabalhador, onde consta a parceria com a Codevasf – autarquia do governo federal que em Alagoas é administrada por apadrinhados do deputado federal Arthur Lira.

“A obra, intitulada urbanização das margens da ferrovia na sede municipal de Arapiraca, teria o custo total de pouco mais de R$ 18.320.000,00. Ocorre que, em pesquisa aos sites do Portal da Transparência da União, não existe ou não foi possível localizar convênio celebrado entre a Codevasf e o Município de Arapiraca, cujo objeto seja urbanização das margens da ferrovia na sede municipal de Arapiraca”, destaca o advogado.

Segundo Carlos Lúcio, “nunca existiu objeto contratado ou pactuado com a Codevasf com o nome descrito na placa da obra, havendo fortes indícios de desvio de finalidade dos recursos públicos (crime), contrariando inclusive não só a legislação vigente, mas os próprios termos dos convênios celebrados”.

LUDIBRIAR

Para o advogado, em ambos os convênios pode ter sido falseado o nome do objeto do convênio na placa indicativa da obra, de forma dolosa, talvez para ludibriar os cidadãos sobre a legalidade da obra.

“Diante dos valores registrados na placa indicativa da obra, além da contrapartida do município, constante nos documentos em anexo, verifica-se ter ocorrido também o possível aporte de recursos próprios do município de Arapiraca em referida obra, mesmo que em menor escala”, relata o denunciante, num trecho da denúncia.

“Porém, conforme a legislação em vigor, é patrimônio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) toda a faixa de domínio da linha férrea, em largura mínima, partindo do eixo da linha férrea pelo menos 15 metros para ambos os lados de referido eixo”, destaca o denunciante. Ele se refere à área da ciclovia, cujo terreno pertence ao governo federal, embora tenha sido cedido à Transnordestina, para a construção do VLT de Arapiraca.

No entanto, o denunciante explica que em nenhum momento a União cedeu a linha férrea à Prefeitura de Arapiraca, para a construção da Ciclovia do Trabalhador. Por isso, para o advogado, ao construir uma obra num terreno de terceiros, a prefeitura teria invadido uma área que não lhe pertence e estaria desperdiçando dinheiro público num terreno alheio.

“Não consta na documentação da ciclovia nenhum convênio de parceria da Prefeitura com a União. Pelo contrário, a União realizou a concessão de toda a malha ferroviária do Nordeste, estando inserido neste pacote o trecho da rede ferroviária de Arapiraca, onde foram realizadas as obras da Ciclovia do Trabalhador. Tendo ganho a referida Concessão Pública a Companhia Ferroviária do Nordeste – CFN, que depois passou a ser denominada Transnordestina”, relatou.

Segundo Carlos Lúcio, “após constatar a realização de obras irregulares na faixa de domínio da linha férrea, por parte da Prefeitura de Arapiraca, a Transnordestina entrou com um processo na Justiça, no segundo semestre de 2022, solicitando a devolução da área”, lembrou denunciante.

A petição inicial desse processo, datada de 7 de novembro de 2022, originou o Processo sob número 0800019-44.2023.4.05.8001 que tramitou perante a 8ª Vara Federal de Arapiraca. No entanto, o caso mudou de foro, depois que a Advocacia Geral da União (AGU) desistiu de pleitear a devolução do terreno, já que a área tinha sido cedida à Transnordestina, que é uma empesa privada.

Antes que questão passasse da esfera judicial, o juiz federal Aloysio Cavalcanti Lima determinou, de forma liminar, que a Prefeitura de Arapiraca se abstivesse de dar continuidade à Ciclovia do Trabalhador ou suspendesse o eventual prosseguimento dos serviços na área em disputa.

Para o denunciante, como a prefeitura deu continuidade às obras “fica configurado a existência do dolo, elemento caracterizador/agravante da improbidade administrativa”.

JUSTIÇA ESTADUAL

Ao declinar da competência, a Justiça Federal remete os autos do processo à Justiça Estadual, onde a disputa entre a Transnordestina e a Prefeitura tramita atualmente, na 4ª Vara Cível de Arapiraca (Fazenda Pública). Após a realização de audiência em 06/11/2024 o réu Município de Arapiraca manifestou interesse em tentar conciliar, tendo sido aberto prazo, para o envio de proposta de acordo (enviada em dezembro de 2024).

“Até a presente data, não foi formalizado acordo em referidos autos, estando a questão da reintegração de posse sub judice”, informou o denunciante.

Em contato com a reportagem da Tribuna Independente, Carlos Lúcio disse que fez a denúncia contra o prefeito Luciano Barbosa sem nenhuma pretensão política ou partidária, “apenas como cidadão arapiraquense, preocupado com o futuro e o desenvolvimento do município”.

Ciclovia do Trabalhador terá 8 km de extensão interligando 11 bairros

De acordo com a assessoria de comunicação da Prefeitura de Arapiraca, a Ciclovia do Trabalhador é um dos maiores projetos de mobilidade urbana de Alagoas e está transformando a linha férrea que passa por 11 bairros de Arapiraca.

A obra foi bem recebida pela população, o problema é que, por cima dos trilhos, onde foi construída a ciclovia, vai passar o Veículo Leve sob Trilhos. Para isso, parte da ciclovia terá que ser quebrada, para dar lugar à divisória, que vai servir de proteção para a passagem do VLT.

Segundo a Prefeitura de Arapiraca, depois de 100% concluída, a Ciclovia do Trabalhado terá 8 km de extensão, interligando os bairros Santa Edwiges, Brasiliana, Capiatã, Baixa Grande, Eldorado, Baixão, Primavera, Cacimbas e João Paulo II até a Rodovia AL-110, nas imediações do Conjunto Residencial Brisa do Lago”.

“A Ciclovia já teve sua primeira fase entregue ano passado, no trecho entre os bairros Baixa Grande e Eldorado”, acrescentou.

“O projeto completo da Ciclovia do Trabalhador segue do viaduto da Rodovia AL 220 até a Rodovia AL 110. Como pontos centrais, a via parte do Centro Administrativo Municipal percorrendo vários bairros até o João Paulo II, passando pela Brasiliana, Campo do ASA, Mercado Público, Estação Ferroviária e bairro Primavera”, completou a assessoria da prefeitura.

“A antiga linha férrea da capital do Agreste passa por diversos bairros da cidade, desde o centro comercial até localidades mais afastadas da área central”, concluiu.