Política
Mergulho na memória e nas sombras de Alagoas
Jornalista Odilon Rios revisita ditadura militar em Alagoas em livro que reúne documentos, relatos e a articulação entre elites locais e agentes da repressão
Com olhar minucioso e dedicação investigativa, o jornalista e pesquisador Odilon Rios mergulha nas camadas mais profundas da história política de Alagoas para revelar os bastidores do autoritarismo e suas marcas persistentes. Em conversa com a Tribuna Independente, o autor compartilhou reflexões sobre o processo de criação de seu novo livro "Alagoas: Ditadura, Subversivos, Heranças", obra que será lançada durante a 11ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas, entre 31 de outubro e 9 de novembro, no Centro de Convenções Ruth Cardoso.
Figura reconhecida por seu rigor jornalístico e por um trabalho que combina análise crítica e sensibilidade histórica, Odilon Rios revisita o período da ditadura militar sob uma perspectiva regional, iluminando os mecanismos de repressão e os vínculos entre poder político e autoritarismo no estado. Seu livro reúne documentos confidenciais, registros institucionais e depoimentos inéditos que revelam como a estrutura do regime se enraizou em Alagoas, moldando relações e práticas que ainda ecoam no presente.
Durante a entrevista concedida à Tribuna Independente, o autor falou sobre as motivações que o levaram a escrever a obra, as dificuldades de pesquisa e os desafios de reconstruir uma memória silenciada. A seguir, ele reflete sobre o papel das elites locais no apoio ao regime, as formas de resistência e as heranças políticas que permanecem como entulho de um passado ainda não totalmente superado.
Como você descreve o impacto da ditadura militar no cotidiano social e político de Alagoas? Houve características específicas do estado que diferem do cenário nacional?
Há muitos elementos que merecem ser pesquisados e compreendidos. Por exemplo: sabemos que Alagoas tinha papel estratégico e geográfico por ter um governador na época mais alinhado ao regime enquanto estados vizinhos como Pernambuco e Sergipe estavam mais próximos da linha de João Goulart. Porém, pouco sabemos do preço disso. E o preço é dinheiro mesmo, porque o almoço não era grátis. O Nordeste era estratégico para o controle do regime que começava, e todo aliado tinha sua importância.
O que o motivou a escrever este livro sobre a ditadura em Alagoas e quais aspectos o senhor considerou mais importantes registrar para a memória histórica?
A ditadura possui elementos que fascinam os pesquisadores. No meu caso, fui percebendo que, apesar do país estar mobilizado para devassar o seu passado, Alagoas ainda engatinha em vários detalhes e, no caso de outros, a bibliografia é farta, como a atuação da esquerda, depoimentos de sindicalistas etc. Mas o núcleo duro do poder é o que me interessou porque as escolhas dele interferiram para sempre no cotidiano local.
Quais foram as principais fontes utilizadas na construção do livro? Houve dificuldades em acessar documentos ou relatos de pessoas que viveram aquele período?
Há, sim, particularidades regionais. Quando estava entre nós, o professor Ib Gatto me passou uma informação valiosa sobre ele próprio: quando estourou a golpe, que ele chamava de revolução, Ib ganhou um passeio de limusine pelas ruas de Washington, ao lado do Lincoln Gordon, embaixador norte-americano, representante no Brasil dos interesses da Casa Branca. Ou seja: isso mostra que Ib Gatto não era um personagem qualquer. E a própria história dele e suas ideias comprovam isso. É disso que falamos: as pesquisas sobre a ditadura em Alagoas são como uma fonte inesgotável de petróleo, preparada para ser descoberta e aproveitada.
Você poderia comentar sobre as formas de resistência e repressão política em Alagoas durante o regime militar? Houve particularidades regionais que chamaram sua atenção?
O governador Luiz Cavalcante cita uma guerra com tiros de água que a gestão dele empreendeu contra os comunistas. No Teatro Santa Isabel, em Recife, ele contou — e está registrado — que comunistas se mexiam para tomar conta do poder em Alagoas. O grande final, porém, foi num protesto segundo o governador: jatos de água ao invés de tiros. Há, porém, outros elementos e personagens estratégicos montados num pós-golpe que contamos os detalhes no livro.
Na sua opinião, qual é a importância de estudar e divulgar a história da ditadura militar em Alagoas hoje? Que lições podemos extrair para a sociedade contemporânea?
Toda importância. A ditadura precisa ser compreendida como de fato foi. Há muitas camadas sobrepostas para serem descobertas, muitos caminhos para ainda entender motivos e razões. Creio que estamos preparados e, sem medo, também ver quem foi quem neste processo.
Como a produção cultural e artística em Alagoas foi afetada pelo regime? Houve formas de resistência por meio da arte?
Não aprofundamos este ponto.
Você utilizou depoimentos de pessoas que viveram o período. Como essas memórias ajudam a compreender melhor o impacto da ditadura no estado?
Depoimentos e documentos se completam. Porque os testemunhos dão o tom daquele exato momento e naquele exato ponto. Os documentos vão além. Exploramos muitos, e a memória é farta. Até os cupins que roíam a madeira histórica do Palácio Floriano Peixoto carregam seus interesses. Quem estava abaixo do teto tinha poder e podia muito mesmo. Porém, a constelação de interesses, passando pelos americanos e o governo militar, mostram que há sim muito a se desvendar. Nem todos fizeram questão de resistir. Muitos só queriam ganhar. E ganharam.
De que forma os eventos da ditadura ainda repercutem na política e na sociedade de Alagoas hoje? Há reflexos que devemos compreender para o debate contemporâneo?
Podemos situar alguns personagens. A queda de Divaldo Suruagy, 10 anos após a redemocratização, representava o último bastião da ditadura e suas mazelas entranhadas na corrupção. Depois veio a derrota de Guilherme Palmeira na disputa ao Senado, outro bastião da ditadura. São dois homens que detiveram o poder de Alagoas por duas décadas, e construídos no pós-golpe. Não à toa ambos silenciaram sobre casos de violência na ditadura e depois, ambos tinham o coronel Amaral como advogado da tese “bandido bom bandido morto”, escolhendo a dedo os bandidos protegidos pelo poder. O banco Produban também era a herança da ditadura, mas falo das práticas descabidas cometidas para a falência de um banco com milhares de empregos e a dívida do setor privado ser transformada em dívida pública, já quitada. Tudo em silêncio, mas ao mesmo tempo escancarado, assim como a nossa violência e o desejo de morte aos inferiores. A ditadura produziu entulhos que dificilmente saberemos o que fazer com eles, por muito tempo.
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