Política

Constituintes endossam apoio à democracia no país

Evento em Maceió debateu os quarenta anos do estado democrático no Brasil

Por Thayanne Magalhães - repórter / Tribuna Independente 02/08/2025 08h50
Constituintes endossam apoio à democracia no país
Lideranças políticas como José Thomaz Nonô e Ronaldo Lessa resgataram memórias e defenderam os valores democráticos e a necessidade de manter o debate atualizado - Foto: Sandro Lima

Quarenta anos se passaram desde que o Brasil deu início à reconstrução democrática após o longo e sombrio período da ditadura militar. Foram 21 anos de repressão, censura, prisões arbitrárias, tortura e exílio. Foi também o tempo do silêncio imposto, da ausência de liberdade e da política feita nos bastidores dos quartéis. Mas foi, sobretudo, o tempo da resistência. Dos estudantes, das mulheres, dos sindicalistas, dos jornalistas e dos parlamentares que, aos poucos, forçaram a abertura política. Foi o tempo da anistia, das Diretas Já, dos grandes comícios e, finalmente, da instalação da Assembleia Nacional Constituinte que, em 1988, deu à luz a Constituição Cidadã — símbolo maior do pacto nacional por justiça, liberdade e dignidade.

Para marcar essas quatro décadas de redemocratização, lideranças políticas e ex-parlamentares constituintes se reuniram na última sexta-feira (1º) em Maceió, em um evento que resgatou memórias, reafirmou valores democráticos e lançou um alerta sobre os riscos atuais de retrocessos institucionais, no auditório do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), no Centro da capital. Participaram do ato nomes como o vice-governador Ronaldo Lessa (PDT) e os ex-deputados federais José Thomaz Nonô e José Costa, todos representantes alagoanos no processo constituinte.

“Hoje é um dia para marcar, comemorar e transmitir para as novas gerações o sacrifício que outras gerações sofreram para que a gente hoje gozasse dessa democracia, que ainda é capenga e precisa ser aperfeiçoada. Mas é importante dizer: a ditadura é um horror”, afirmou Ronaldo Lessa à Tribuna Independente. “Foi a terra da tortura, do assassinato, do exílio. Um retrocesso enorme. A gente pegou um país e um estado mergulhados em desigualdade, com mortalidade infantil absurda, ausência de políticas públicas e sem nenhuma participação popular.”

Lessa destacou que o período democrático iniciado na década de 1980 permitiu avanços importantes, mesmo que não tenha resolvido todas as mazelas do país. Para ele, o evento não se resume a uma celebração, mas é um ato de resistência. “Não se trata apenas de lembrar, mas de homenagear todos os deputados e senadores constituintes que construíram essa conquista. E é também uma forma de combater essa tentativa de reescrever o passado. Tem gente que viveu a ditadura e hoje a defende, como se não soubesse o que aconteceu. Isso é inaceitável”.

Ao longo do evento, foram lembrados episódios cruciais da história recente do país, como a campanha das Diretas Já — o primeiro grande movimento popular após o AI-5 —, que mobilizou milhões de brasileiros nas ruas exigindo o direito ao voto direto para presidente. Embora derrotada no Congresso em 1984, a emenda Dante de Oliveira abriu o caminho para a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral e para o governo de transição liderado por José Sarney, já com forte pressão social por mudanças estruturais.

Coube a Sarney sancionar a convocação da Constituinte e liderar o país até as primeiras eleições diretas em 1989, quando Fernando Collor de Mello se tornou o primeiro presidente eleito pelo voto direto após o regime militar. “Foi o início de uma nova fase”, relembrou Thomaz Nonô, também ex-deputado federal constituinte. “A Constituinte teve um papel central nesse processo. Eu tive a honra de presidir uma das comissões e de integrar a Comissão de Sistematização, que foi responsável por organizar o texto final da Constituição. Isso foi fundamental para estabelecer uma base democrática sólida”.

Nonô destacou ainda que a democracia brasileira é marcada por avanços e tropeços. “Tivemos espasmos autoritários, autoridades que não leem ou descumprem a Constituição, mas também tivemos quatro décadas de relativa estabilidade democrática. Vivemos os governos de Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer, Jair Bolsonaro e novamente Lula. Alguns desses períodos trouxeram avanços importantes, outros marcaram rupturas ou ameaças à institucionalidade. Mas o fato é que continuamos sob uma ordem democrática, e isso é resultado direto da Constituição de 1988”.

Advogado José Costa destacou as contribuições para os direitos fundamentais (Foto: Sandro Lima)

Abalos à política institucional foram citados no evento

Para o advogado e jornalista José Costa, também constituinte por Alagoas, o ato em Maceió foi um gesto de gratidão e de reafirmação de compromisso.

“Sou muito agradecido ao povo brasileiro, especialmente aos alagoanos, que me deram a honra de representá-los na Constituinte. Contribuímos com os direitos fundamentais do povo brasileiro, com instrumentos que hoje fazem parte do cotidiano da cidadania. É um momento de reconhecimento, mas também de preocupação com os rumos do país”.

A preocupação dos constituintes com os rumos da democracia não é infundada. A última década foi marcada por uma série de abalos institucionais, que vão do impeachment de Dilma Rousseff em 2016, passando pelas disputas judiciais em torno da operação Lava Jato, até o enfraquecimento de instituições de controle e ataques sistemáticos às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral, promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro. A tentativa de ruptura institucional em 8 de janeiro de 2023, com a invasão às sedes dos Três Poderes, evidenciou que a democracia brasileira ainda é frágil e precisa ser defendida diariamente.

“Não podemos tratar a democracia como algo dado. Ela precisa ser construída, exercida e protegida. Não podemos aceitar o discurso do ódio, do preconceito, do racismo, da homofobia. Esses retrocessos sociais e políticos andam juntos, e precisamos enfrentá-los com firmeza”, defendeu Ronaldo Lessa.

O evento, organizado a partir de um convite de Lessa aos ex-colegas de parlamento, contou ainda com falas emocionadas e memórias pouco conhecidas da Constituinte. “Se tiver oportunidade, vou contar como Fernando de Noronha ficou com Pernambuco”, brincou Thomaz Nonô, ao mencionar episódios pitorescos dos bastidores da redação da Carta Magna.

Mais do que nostalgia, os discursos dos ex-constituintes foram um chamado à responsabilidade coletiva. “A Constituição, por si só, não opera milagres”, lembrou Nonô. “Ela oferece o caminho. Cabe a nós, sociedade, insistir em trilhá-lo”.

Ao completar 40 anos, a redemocratização brasileira continua sendo uma obra em permanente construção. E se a Constituição de 1988 foi o alicerce jurídico e político desse novo tempo, a consciência histórica e o compromisso ético da sociedade brasileira são os tijolos que manterão de pé — ou não — esse edifício democrático. A lembrança é clara: o horror da ditadura existiu, custou caro e não pode ser romantizado. O que está em jogo, sempre, é a liberdade de todos.