Política

PL da Devastação pode fragilizar mecanismos de controle

Promotoria de Meio Ambiente do MP/AL considera que o texto aprovado na Câmara é um dos maiores retrocessos ambientais da história

Por Thayanne Magalhães - repórter / Tribuna Independente 20/07/2025 09h20
PL da Devastação pode fragilizar mecanismos  de controle
Alberto Fonseca destaca que o país deveria ampliar a proteção ao meio ambiente e não fragilizar a legislação - Foto: Assessoria

Aprovado em votação realizada na Câmara dos Deputados na última semana, o Projeto de Lei 2.159/2021, que flexibiliza regras do licenciamento ambiental no Brasil, tem sido duramente criticado por membros do Ministério Público, ambientalistas e parlamentares. As críticas se concentram na possibilidade de enfraquecimento dos mecanismos de controle, justamente em um momento em que o país enfrenta os impactos das mudanças climáticas e de tragédias ambientais recentes.

Para o promotor de Defesa do Meio Ambiente, Alberto Fonseca, do Ministério Público de Alagoas (MP/AL), o texto representa “um dos maiores retrocessos ambientais da história”, ao permitir práticas como o autolicenciamento e desobrigar análise prévia de órgãos competentes.
“O país deveria estar ampliando seu compromisso com a preservação do meio ambiente e da vida. Em vez disso, fragiliza o licenciamento exatamente quando mais precisamos dele”, afirmou à Tribuna Independente.

A crítica é compartilhada pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), que divulgou nota pública condenando o projeto. Segundo a entidade, o PL impede que o Estado brasileiro atue de forma preventiva e viola princípios como o da precaução e o da prevenção ambiental. “É uma desregulação geral que pode colocar muitas coisas em risco”, alerta Luciano Loubet, presidente da Abrampa e promotor de Justiça do Mato Grosso do Sul.

Entre as mudanças mais polêmicas está o chamado Autolicenciamento Ambiental (Licença por Adesão e Compromisso - LAC), que autoriza o empreendedor a obter licenças por meio de simples formulário eletrônico, sem análise técnica prévia. Além disso, atividades como agricultura e pecuária poderão ser dispensadas do processo, e a exigência de outorga de uso de recursos hídricos poderá ser retirada.

O advogado Alder Flores, especialista em Direito Ambiental, reforça que o licenciamento é essencial para garantir o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental. “O processo permite identificar riscos e impor medidas de mitigação. Com a nova proposta, muitos empreendimentos de médio e grande porte poderão escapar desse controle, o que é extremamente preocupante”, complementa.

O PL também prevê a renovação automática de licenças vencidas sem nova análise técnica, reduz a participação de comunidades afetadas no processo decisório e transfere aos estados e municípios a responsabilidade de definir os critérios de licenciamento — o que, para críticos, pode gerar uma “guerra de desregulação” entre unidades da federação.

“Estados podem concorrer entre si afrouxando exigências para atrair investimentos, o que resultará em perda de proteção ambiental e insegurança jurídica”, alerta Loubet.

O deputado federal alagoano Alfredo Gaspar (União) foi um dos que votaram contra a proposta. Em discurso na tribuna da Câmara, ele associou diretamente o projeto à tragédia causada pela mineração da Braskem em Maceió. “Votei não ao afrouxamento das exigências para mineradoras, em homenagem a todas as vítimas da tragédia provocada pela Braskem. Não podemos permitir que novas tragédias aconteçam”, disse.

Gaspar relembrou que a empresa destruiu bairros inteiros em Maceió, deixando milhares de famílias sem suas casas. “A Braskem deixou de ser uma empresa geradora de empregos para se tornar uma criminosa. Ela destruiu o patrimônio, a memória e o futuro de milhares de alagoanos”, declarou.

Para ele, permitir o avanço de um texto que ignora os impactos da mineração e de grandes obras sem exigência de licença ambiental rigorosa é negligenciar o sofrimento das vítimas. “Mariana, Brumadinho e Maceió são alertas claros dos riscos de se flexibilizar esse setor. Mineração de grande porte precisa de regras específicas, rígidas e fiscalização real. Não é só sobre meio ambiente. É sobre vidas”, enfatizou.

Além do temor de novas tragédias, há ainda preocupação com a imagem internacional do Brasil. A Abrampa destaca que a fragilização do licenciamento pode gerar barreiras comerciais com parceiros como a União Europeia, que exige comprovações de boas práticas ambientais para a concessão de financiamentos e importações.

Organizações da sociedade civil, como a Comissão Arns e mais de 350 entidades ambientais, também se manifestaram contrariamente ao projeto, apontando que a medida ameaça direitos de povos indígenas, comunidades tradicionais e ecossistemas frágeis como a Mata Atlântica. Um dos pontos mais polêmicos do texto aprovado é a autorização para desmatamento de áreas maduras da floresta sem análise prévia dos órgãos ambientais.

Em Alagoas, onde o passivo ambiental da mineração é realidade concreta, os riscos se multiplicam com a possibilidade de novos empreendimentos em curso se beneficiarem da legislação flexibilizada. “Temos empresas de mineração em operação e outras em fase de implantação. Com esse projeto, não há mais garantia de análise rigorosa”, alerta o advogado Alder Flores.

Segundo especialistas, a lei também poderá provocar aumento da judicialização de conflitos ambientais, já que empreendimentos autorizados de forma simplificada poderão ser questionados na Justiça por falta de estudos técnicos.

“É ilusório acreditar que desregulamentar trará investimentos. O que virá serão desastres, doenças e custos para a sociedade. Quem paga essa conta depois somos todos nós”, afirmou Loubet, da Abrampa.

A proposta segue agora para análise no Senado Federal, onde ainda pode ser modificada. No entanto, para ambientalistas e representantes do Ministério Público, o alerta está lançado: flexibilizar o licenciamento pode ter consequências irreversíveis para o meio ambiente e para a vida de milhares de brasileiros.