Política

Justiça condena parceira da Braskem por crime ambiental

MPF obtém da Justiça Federal cancelamento definitivo de licenças por mineração ilegal em Marechal

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 24/10/2024 08h26 - Atualizado em 24/10/2024 09h10
Justiça condena parceira da Braskem por crime ambiental
Sentença vem um ano e 9 meses após a primeira denúncia publicada pela Tribuna Independente sobre a extração ilegal de areia no Francês - Foto: Edilson Omena / Arquivo

Um ano e nove meses depois da primeira denúncia publicada pela Tribuna Independente - sobre a extração ilegal de areia na Praia do Francês para abastecer a Braskem, que vinha usando o material para tamponar as minas desativadas de sal-gema -, a Justiça Federal decidiu condenar por crime ambiental a empresa de Sérgio Chueque, dono do Sítio Accyoli, que explorava a atividade mineral na área conhecida como Dunas do Cavalo Russo, em Marechal Deodoro, Litoral Sul de Alagoas.

A sentença do juiz federal Raimundo Campos Júnior, da 13ª Vara da Justiça Federal de Alagoas, foi divulgada ontem (23), pela assessoria de comunicação do Ministério Público Federal (MPF), responsável pela ação civil pública contra a empresa que cometeu o crime ambiental no Francês. Na decisão, o magistrado mandou que a empresa apresente, ao Ibama, num prazo de 60 dias, um plano de recuperação da área degrada, como forma de mitigar os impactos causados ao meio ambiente.

“O MPF obteve a condenação judicial da mineradora e do empresário que operavam ilegalmente na extração de areia na região das Dunas do Cavalo Russo, em Marechal Deodoro, Alagoas. A sentença, emitida em 14 de outubro pela 13ª Vara Federal, resultou no cancelamento definitivo das licenças de operação emitidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e pelo Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA)”, informou a assessoria do MPF.

“Além disso, a decisão impõe medidas de recuperação ambiental para restaurar a área degradada. A empresa e seu proprietário foram responsabilizados por extrapolar os limites das licenças ambientais a eles concedidas para extrair areia, infringindo a legislação ambiental e minerária”, acrescentou o órgão ministerial.

A extração de areia para atender a Braskem terminou se revelando numa atividade ilegal, conforme constatou o MPF, “causando danos materiais ao meio ambiente e danos morais coletivos à comunidade, porque atingiram áreas de preservação permanente e de especial interesse ambiental”, levando o órgão fiscalizador a agir judicialmente.

A assessoria do MPF lembrou que a Ação Civil Pública foi movida em 2023 e também mirou a ANM e o IMA, que foram condenados pela Justiça a cancelar definitivamente e a se abster de renovar as licenças vigentes, sob pena de multa diária de R$ 500,00 a ser paga pelos gestores públicos que descumprirem essa ordem.

A deslumbrante Praia do Francês é conhecida por seu potencial turístico e sofreu impacto em suas dunas (Foto: Prefeitura de Marechal Deodoro)

Empresa terá até 60 dias para apresentar plano de recuperação ambiental

Além da suspensão das atividades de extração, a mineradora e seu sócio-administrador deverão apresentar ao Ibama, em até 60 dias, um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) para restaurar as funções ambientais da região afetada. Caso a recuperação ambiental não seja viável, deverão ser implementadas medidas de compensação ambiental.

“A empresa e seu proprietário também foram condenados a indenizar a União pelo valor correspondente à areia ilegalmente extraída, bem como a pagar R$ 100 mil por danos morais coletivos, quantia que será destinada ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD)”, informou a assessoria ministerial.

Na ação, “o MPF demonstrou que a extração irregular de areia nas Dunas do Cavalo Russo, em Marechal Deodoro, causou impactos severos a uma área contínua de restinga, com vegetação fixadora de dunas, caracterizada como área de preservação permanente”.

Ainda de acordo com o MPF, “a degradação dessa região não afeta apenas as espécies locais, mas também compromete a fertilidade do solo, aumentando a suscetibilidade a processos erosivos e contribuindo para o assoreamento de corpos hídricos locais. A exploração inadequada desestruturou habitats naturais, colocando em risco a fauna e a flora locais, além de ter causado risco potencial de poluição do solo por efluentes de veículos e de máquinas, poluição do ar e sonora”.

AFUNDAMENTO

A extração de areia na Praia do Francês, mesmo denunciada, só foi suspensa no começo deste ano por determinação judicial. Até então, a Braskem já havia confirmado que só comprava areia de fornecedores legalizados, com todas as licenças de extração mineral, fornecida pelo IMA e pela ANM, em dia. No entanto, a mineradora comprava areia da empresa de Sérgio Chueque, que foi condenado por crime ambiental.

A Braskem diz ainda que a areia é usada na operação de tamponamento das minas e que esse trabalho estariam sendo acompanhamento pelos órgãos de fiscalização e controle, principalmente do IMA e da ANM. Mas a fiscalização é falha, conforme constatou o MPF na denúncia que fez à Justiça Federal.

O órgão ministerial explica que “em razão do afundamento do solo em Maceió, causado pela exploração de sal-gema pela Braskem, a empresa assumiu a responsabilidade de adotar medidas para estabilizar o solo, incluindo o preenchimento de cavidades com areia licenciada, conforme acordo em ação civil pública ajuizada pelo MPF”.

Em janeiro de 2023, surgiram as primeiras suspeitas de extração irregular de areia na área de proteção ambiental Dunas do Cavalo Russo, em Marechal Deodoro. MPF iniciou investigações, expedindo recomendações e ofícios, além de requisitar uma perícia da Polícia Federal. Embora a Braskem tenha interrompido a compra de areia dos fornecedores investigados, antes mesmo da apuração pelo MPF, os órgãos de fiscalização (IMA e ANM) reativaram as licenças de extração, gerando contradições.

“Em dezembro de 2023, o MPF ajuizou a ação e, em janeiro de 2024, obteve a liminar que determinou a imediata suspensão de quaisquer licenças e/ou autorizações ainda vigentes em favor de empresa mineradora de areia e seu proprietário por extração irregular no município de Marechal Deodoro”, concluiu a assessoria de comunicação social da Procuradoria da República em Alagoas.

MUVB acusa deficiência da fiscalização do Ministério Público Federal

Para o procurador do Trabalho Cássio Araújo, coordenador do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), a sentença “é uma importante decisão em defesa do nosso meio ambiente e mostra a deficiência do acompanhamento das medidas adotadas pela Braskem no sentido de minimizar os danos causados nos bairros afetados pela exploração ambiciosa das minas de sal-gema”.

“Se o MPF tivesse tomados medidas preventivas teria o acompanhamento de perto de onde a Braskem estava tirando a areia para tapar as minas, como não houve, teve que ingressar com uma ação judicial para corrigir os erros cometidos pela empresa Braskem. Que o MPF tenha uma atuação mais assertiva e preventiva para não ter que correr para corrigir erros futuros cometidos pela empresa causadora do maior desastre socioambiental urbano em curso do mundo”, acrescentou Cássio Araújo.

Segundo ele, o MPF deveria ser mais diligente também em relação a outras jazidas de areia, localizadas do Litoral Sul, em Coruripe (Povoado Poxim) e em Feliz Deserto, e na Zona da Mata, em Satuba, nas terras da Usina Utinga Leão, pela empresa MTSul, com sede em Cuiabá (MT).

Todas essas jazidas são exploradas por empresas, com autorização dos órgãos ambientais, para fornecer a areia à Braskem. A areia de praia é usada para tamponar as minas de sal-gema, que colocaram em risco a estabilidade do solo de pelo menos cinco bairros de Maceió.

Por isso, o coordenador do MUVB alerta: o que aconteceu no Francês está acontecendo em Feliz Deserto, no Poxim e em Satuba. “Cadê o acompanhamento para essas áreas?”, questionou Cássio Araújo.

Ele lembrou que “o geólogo Thales Sampaio, da CPRM, quando falou na CPI da Braskem, sobre a operação tamponamento, disse que seriam precisos 700 mil caminhões de areia, uma atividade de grande impacto ambiental. Que medidas preventivas foram e estão sendo tomadas pelo MPF?”

FELIZ DESERTO

Para a bióloga Neirevane Nunes, integrante do Movimento Nacional Contra a Mineração Predatória (MAM), o MPF deveria denunciar também a empresa que explora a extração de areia na Praia de Feliz Deserto, para abastecer a Braskem.

“Nos preocupa bastante a situação de Feliz Deserto porque o nível da cidade é baixo, com a extração estão se formando grandes lagos e quando tivermos chuva aí que vem o risco de inundações. Além de todo prejuízo à biodiversidade local, já a área é de preservação permanente”, completou a bióloga.

“Espero que o MPF consiga fazer o mesmo que fez na Praia do Francês com os outros locais onde estão sendo extraída areia como em Feliz Deserto”, observou.

“Outro agravante é que a Braskem pretende importar areia de outros Estados para tamponar as minas. Como a Braskem recebeu autorização da Antaq pra se tornar empresa de Navegação a EBN - Empresa de Navegação Nacional, esse transporte de areia será facilitado. E seus lucros irão aumentar já que poderá transportar seus produtos e de outras empresas”.