Política

Ditadura: governo reativa comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos

Grupo havia sido encerrado no governo Bolsonaro; medida é vista em AL como resgate histórico

Por Ricardo Rodrigues* - colaborador / Tribuna Independente 05/07/2024 10h17
Ditadura: governo reativa comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos
Em Alagoas, já houve ato que lembrou as atrocidades da ditadura militar contra civis, políticos e à democracia - Foto: Adailson Calheiros

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reativou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, que teve suas atividades encerradas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O despacho de Lula, anulando a decisão de dezembro de 2022 que extinguia a comissão, foi publicada na edição da última quarta-feira (3), do Diário Oficial da União.

Em Alagoas, de acordo com o sindicalista Jaime Miranda Neto, a decisão do presidente Lula resgata a luta por justiça, empunhada pelos familiares dos mortos e desaparecidos. Segundo Miranda, dos 434 militantes vitimados pelo arbítrio, 140 continuam desaparecidos. Desses, três são alagoanos: Jaime Miranda, Luiz Almeida de Araújo e Túlio Quintiliano.

“Meu avô, o jornalista Jaime Miranda, desapareceu no dia 4 de fevereiro de 1975, quando morava com a família no Rio de Janeiro”, relembrou Jaime Miranda Neto, que é dirigente do Sindicato dos Bancários de Alagoas. Segundo ele, a Comissão seus dirigentes reintegrados para dar continuidade às suas atividades.

Miranda relatou, ainda, que a Comissão foi criada em 1995, com o objetivo de apurar as mortes e desaparecimentos de militantes políticos, durante a ditadura militar. A Comissão tinha essa finalidade, busca esclarecer violações e encontrar restos mortais de desaparecidos, no entanto, no governo Bolsonaro ela foi desativada.

O grupo também visa reparação financeira às vítimas e seus familiares, mas não resulta em responsabilização criminal. O ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida, já defendia a retomada dos trabalhos da comissão. Em abril de 2023, um grupo de familiares das vítimas esteve em Brasília e cobrou a reativação da Comissão.

“Finalmente, o presidente Lula, atendendo às reivindicações dos familiares das vítimas da ditadora, reativou a Comissão”, comemorou Jaime Miranda Neto. Para ele, o importante agora é recuperar o terreno perdido e dar sequência ao trabalho investigativo, com o objetivo de encontrar, pelo menos, os restos mortais dos desaparecidos.

‘GARANTIA DA MEMÓRIA’

Com essa decisão, o presidente Lula resgata o trabalho investigativo que vinha sendo realizado pela Comissão até 2022. O ato de Lula anulou um despacho tomado em 30 de dezembro de 2022, penúltimo dia da gestão Bolsonaro, que aprovou o relatório final da comissão, o que levou à extinção do grupo.

Além de anular a decisão do governo anterior, Lula determinou a continuidade dos trabalhos da comissão e trocou integrantes do grupo. A retomada do trabalho da comissão era defendida pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, porém só foi oficializada um ano e meio depois de Lula iniciar o terceiro mandato.

De acordo com integrantes do governo Lula, a decisão só não foi tomada antes porque pesava o receio de criar novos atritos com os militares. Tudo porque a apuração da comissão compromete a ditadura militar, quando o país foi governado, de 1964-1985, por cinco generais, que não foram escolhidos em votação direta.

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou que a recriação da Comissão “é um importante passo na garantia da memória, da verdade e da justiça”. Os detalhes do funcionamento e o plano de trabalho do órgão serão definidos após a posse dos novos integrantes.

GOVERNO FHC

A comissão foi criada em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A lei 9.140, que criou o órgão, reconhece: “Mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias”.

Em sua história, a comissão conseguiu apurar as circunstâncias em que dezenas de vítimas da ditadura foram mortas. Entre os casos mais emblemáticos estão a morte do ex-deputado Rubens Paiva, que foi sequestrado e torturado pelos militares, e de cinco desaparecidos políticos cujas ossadas estavam no Cemitério de Perus (SP).

Há diversas investigações ainda em andamento aguardando, por exemplo, a análise do DNA dos corpos de possíveis vítimas.

DISPENSAS

No ato do presidente Lula, houve a dispensa de quatro integrantes ligados ao ex-governo de Jair Bolsonaro da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. São eles: Marco Vinicius Pereira de Carvalho, que presidia a comissão; Paulo Fernando Melo da Costa, ligado ao senador eleito Magno Malta (PL-ES); Jorge Luiz Mendes de Assis, militar; Filipe Barros (PL-PR), deputado federal.

Para substituir os integrantes, o presidente da República designou Eugênia Augusta Gonzaga, que presidirá a comissão; Maria Cecília de Oliveira Adão, representante da sociedade civil; Rafaelo Abritta, representante do Ministério da Defesa; Natália Bonavides (PT-RN), deputada federal.

Lula optou por recolocar Eugênia à frente da comissão. Procuradora Regional da República, ela presidia o órgão em 2019, quando foi destituída do cargo por Bolsonaro. Missão prevista na Constituição Federal.

CF DE 1988

A criação da Comissão foi uma determinação das disposições transitórias da Constituição de 1988 para esclarecer violações e responsabilizar o Estado brasileiro por crimes. O objetivo principal é encontrar os restos mortais de desaparecidos, um pleito das famílias das vítimas que jamais viveram o luto pelas mortes.

A comissão também busca a reparação financeira às vítimas. A apuração das circunstâncias das mortes, no entanto, não resulta em responsabilização criminal em função da Lei da Anistia, de 1979. Ativistas dos direitos humanos alegavam que o trabalho da comissão não foi concluído, uma vez que a busca por desaparecidos ainda continua.

Bolsonaro decidiu mudar a composição da comissão, nomeando aliados, em 2019, depois que órgão reconheceu que o estado brasileiro foi responsável pelo desaparecimento de Fernando Santa Cruz. Na época, o presidente debochou do então presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz. *Com agências