Política

União entra na briga pela massa falida da Usina Laginha

Procuradoria da Fazenda defende saída do caso do TJ/AL e pede ao STF ingresso da Fazenda Nacional como assistente no processo

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 28/06/2024 10h10
União entra na briga pela massa falida da Usina Laginha
A União é um dos maiores credores da massa falida da Usina Laginha e teria R$ 2 bilhões em impostos a receber - Foto: Divulgação

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional pediu ao STF para entrar na briga pela transferência do processo da falência do Grupo João Lira para Brasília. Na justificativa, informam que a União é um dos maiores credores da massa falida, mas nunca receberam nada, apesar dos ativos disponíveis. A União teria a receber mais de R$ 2 bilhões em impostos não recolhidos, além de R$ 160 milhões de FGTS devido.

Na semana passada, Solange Queiroz, primeira esposa do usineiro e mãe de seus seis filhos, entrou com uma reclamação no Supremo apontando falhas na tramitação do processo na Corte local e pedido a retirada ele do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), para que o caso seja julgado em outra instância ou sejam dissipadas todas as dúvidas quanto a isenção dos julgadores.

Na representação, encaminhada ao ministro Nunes Marques, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional solicitou, na quarta-feira (27/6), o ingresso da Fazenda Nacional como assistente litisconsorcial na reclamação feita pela ex-mulher de João Lyra, com poderes para o contraditório e a ampla defesa.

O processo, registrado no STF, como reclamação de número 69.126/2024, tem como reclamante Solange Queiroz Ramiro Costa e reclamado o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (TJ/AL). Ela pediu ao Supremo que o processo em tramitação no TJ/AL seja transferido para uma instância superior, alegando a suspeição da maioria dos desembargadores da Corte de Justiça alagoana.

Além disso, os advogados de Solange Queiroz alegam uma série de incidentes envolvendo magistrados que teriam atuado no caso e praticado irregularidades, corrupção e favorecimento. Com base nas argumentações da banca de advogados que defende a ex-mulher de João Lyra, o ministro relator decidiu, de forma liminar, suspender a tramitação do processo no TJ/AL até o julgamento do mérito.

REPRESENTAÇÃO

A representação da União, pelo menos três procuradores da Fazenda Nacional pedem ao ministro Nunes Marques a participação nos autos da presente reclamação, ajuizada por Solange Queiroz, contra a decisão do TJ/AL de continuar à frente do caso. “Com o objetivo do exercício do direito ao contraditório e de manifestação nos autos, expondo e requerendo o que se segue”.

Representando os interesses da União, que é credora em mais de R$ 2 bilhões, cuja maior parte se encontra inscrita em dívida ativa, além do FGTS (credor em cerca de R$ 160 milhões), eles alegam que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já atua no processo original da falência do Grupo João Lyra, quando da recuperação judicial da Laginha Agroindustrial.

“Embora a massa falida possua ativos multibilionários (parte dele consistente em dinheiro em conta, fruto de pagamento da União em ação indenizatória sucroalcooleira), nunca houve qualquer pagamento à Fazenda Nacional, sequer dos créditos superprioritários (extraconcursais), como os compensáveis, os restituíveis em dinheiro e os com fato gerador pós falência”, alegaram os procuradores da União.

“Na qualidade de maior credora das massas falidas, a Fazenda Nacional já interpôs diversos recursos, estando alguns deles pendentes de julgamento, a exemplo de pelos menos quatro Agravos de Instrumento”, acrescentaram eles, na representação.

“Foi no âmbito do processo original, que o desembargador relator, Carlos Cavalcanti, integrante da Corte local, provocou o plenário do TJAL, acerca da caracterização da competência do Supremo Tribunal Federal (com base no artigo 102 da Constituição Federal) para julgamento dos recursos oriundos da falência e dos seus incidentes, tendo em vista a suspeição, ou impedimento de mais da metade dos atuais 17 desembargadores integrantes do TJ/AL”.

“Em face da deliberação do plenário do TJ/AL, foi ajuizada a presente reclamação, cuja peça exordial faz diversas menções à atuação da Fazenda Nacional, no mesmo sentido defendido pelo Desembargador Relator e pela Reclamante. Portanto, não há dúvidas quanto à existência de interesse jurídico da Fazenda Nacional na presente reclamação”, acrescentaram os procuradores da União.

Por isso, “diante do exposto, e evitando repetições desnecessárias, a Fazenda Nacional requer a sua habilitação como assistente litisconsorcial da reclamante, nos termos dos artigos 124 e 990 do Código de Processo Civil e artigo 159 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, manifestando a sua adesão aos pedidos por esta formulados”.

Procuradores consideraram suspeição do presidente do TJ e peculiaridades

Os procuradores da União levaram em consideração a suspeição do presidente do TJ/AL, desembargador Fernando Tourinho Filho, e as demais peculiaridades que cercam o caso. Por isso, solicitaram que as informações do reclamado (TJ/AL) sejam colhidas junto ao vice-presidente do Tribunal, desembargador Orlando Rocha Filho, e ao desembargador relator do caso em Alagoas, desembargador Carlos Cavalcanti.

Segundo os representantes da União, “o elucidativo voto do relator, no plenário do TJ/AL, além de demonstrar, de forma inequívoca, a ocorrência (atual e passada) da situação prevista no artigo 102 da Constituição Federal, apresentou importante histórico acerca das mudanças do órgão fracionário (e da sua composição), que vinha sendo responsável pelos julgamentos dos recursos no TJ/AL, em flagrante prejuízo ao princípio do juiz natural”.

Com base nesses argumentos e fatos, os procuradores da Fazenda Nacional pediram o deferimento da representação, encaminhada ao ministro Nunes Marques, na quarta-feira, 26 de junho de 2024. Até a última quinta-feira (27/6), ainda não havia resposta.

A representação da União é assinada por Thiago Luís Eiras da Silveira, procurador da Fazenda Nacional e integrante da Coordenação-Geral da Atuação da Fazenda Nacional Junto ao Supremo Tribunal Federal (CASTF); Filipe Aguiar de Barros, procurador da Fazenda Nacional e coordenador nacional de Falência e Recuperação Judicial da PGFN; e Paulo Mendes de Oliveira, procurador da Fazenda Nacional e coordenador-geral da atuação da Fazenda Nacional Junto ao Supremo Tribunal Federal (CASTF).

Herdeiros

Aparentemente, parece que o pedido de desaforamento feito pela ex-mulher de João Lira teria se transformado num tiro no pé, mas Solange Queiroz é quem sai ganhando com isso, a exemplo dos demais herdeiros do patrimônio deixado pelo usineiro, falecido em 2021.

Advogados dizem que os pequenos credores são os mais prejudicados, porque não têm como contratar uma boa banca de advocacia para “pressionar” a Justiça. Enquanto isso, herdeiros continuam usufruindo do patrimônio, sem ter que pagar a ninguém, a não ser aos credores ricos com influência no Judiciário estadual.

Estratégia dos herdeiros é procrastinar, pois isso os beneficia

De acordo com o advogado Olavo Bastos, “a estratégia dos herdeiros é embolar, é empurrar o processo com a barriga e ganhar tempo com isso. Quanto mais empurra para frente, melhor para família. Isso dificulta ainda mais o julgamento da maior falência do Brasil”.

Questionado se essa demora toda não retardaria também a partilha dos bens entre eles os herdeiros direto do usineiro João Lyra, o advogado disse que não, alegando que o Grupo João Lyra deve muito e que faliu justamente por isso, por esse passivo astronômico. O conflito de competência, segundo ele, vem desde o início da tramitação do processo, já que os maiores credores estariam fora de Alagoas.

“O espolio é praticamente vazio se pagar todos os credores”, disse, lembrando que só com a União a dívida passa dos R$ 2 bilhões. “Por isso, a viúva entrou com pedido de desaforamento do processo. Enquanto a justiça não bate o martelo, ela e os filhos mantêm a posse e eles ganham folgo para negociar com os credores”, comentou Bastos.

Além disso, enquanto o processo não é julgado e os credores pagos, a família mantém o direito ao uso fruto do patrimônio. “Os herdeiros não podem vender, não podem se desfazer de nada contido no inventário da massa falida, mas podem desfrutar da prerrogativa do uso fruto”.

Sobre o destino do processo, o advogado disse que quando há conflito de competência que decide o impasse é o STJ, não é o STF, mas como no Judiciário brasileiro a Constituição é gigante, sempre há espaço para criar uma tese, dizendo que no processo tem matéria de conceito constitucional. Por isso, se o ministro relator tiver esse entendimento, possivelmente ele vai atender ao pedido”, concluiu.