Política

Movimentos repudiam o golpe militar

Comitê e manifestantes foram às ruas ontem protestar contra anistia dos crimes e por reparação à memória das vítimas da ditadura

Por Emanuelle Vanderlei - colaboradora / Tribuna Independente 02/04/2024 08h23
Movimentos repudiam o golpe militar
Mobilização ontem contou com a presença de figuras políticas, históricas e sindicais, em defesa da democracia - Foto: Adailson Calheiros

Militantes políticos foram às ruas, ontem (1°), e realizaram um ato de repúdio à impunidade, devido aos 60 anos do golpe militar sofrido pelo Brasil, no dia 31 de março de 1964. “Ditadura nunca mais: Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça” foi o mote da convocação, que reuniu lideranças políticas, sindicais e históricas, em frente à antiga da sede da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas, no Centro.

Thyago Miranda, do Comitê Alagoas Memória Verdade, Justiça, Reparação e Democracia, explica que o objetivo é cobrar punição aos crimes e respeitar a memória das vítimas.
“A gente está descomemorando os 60 anos do golpe militar. Esse comitê suprapartidário surgiu após a finalização da comissão nacional da verdade em 2014, onde foi entregue o relatório para a Presidente da República Dilma Rousseff, onde lá estão elencados todos os agentes que participaram dos diversos crimes de estupro, tortura assassinato, ocultação de cadáver na época da ditadura militar. Bem como, tem-se o número total de pessoas que foram atingidas. Foram 434 assassinatos, destes 144 ainda hoje figuram como desaparecidos políticos. E aqui em Alagoas nós temos nove pessoas que foram assassinadas, entre elas três encontram-se ainda como desaparecidos políticos”.

Dez anos depois, ainda não foram encaminhadas as demandas. “A comissão nacional da verdade encerra esse relatório e apresenta 29 recomendações que o Estado deveria adotar para sanar um pouco essa questão da ditadura militar. Como o poder público não deu andamento a essas demandas, o comitê se uniu para encaminhar essas resoluções. Uma delas é a questão do restabelecimento simbólico dos mandatos dos parlamentares que foram cassados em 64”.

Em Alagoas, a comissão tem buscado o Poder Legislativo. “Recentemente, através do deputado Ronaldo Medeiros (PT), essa demanda virou um Projeto de Lei restabelecendo de forma simbólica os mandatos dos deputados cassados aqui em Alagoas. Nós procuramos também a Câmara Municipal alguns vereadores e até agora não conseguimos encaminhar, mas vamos encaminhar isso também”.

Outra pauta que eles estão reivindicando, é pela revisão da Lei da Anistia. Thyago, que é neto de um dos alagoanos mortos pela ditadura, fala sobre os problemas enfrentados. “A lei da anistia impede a punição desses agentes. Inclusive no caso Jayme Miranda, em 2019 o Ministério Público Federal chegou a indiciar duas pessoas pelo assassinato dele, mas com base na Lei da Anistia, a justiça arquivou o processo. Então é uma das principais resoluções”.

A luta também é por homenagem para os mortos e desaparecidos, e faz referência ao 8 de janeiro de 2023. “Para que essa história não seja esquecida, para a gente não vivenciar o que a gente vivenciou após a eleição de Lula, as pessoas voltando para a porta dos quartéis pedindo o retorno de uma intervenção militar, e a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, tudo isso é oriundo da falta de punição. Nós no Brasil não tivemos uma justiça de transição do período da ditadura para a democracia”.

O historiador Geraldo Majella reforça essa preocupação. “Não é uma questão, como alguns entendem, de revanchismo. Mas a partir do momento que nós pontuamos, lembramos o que a ditadura fez, os mortos, os desaparecidos, os presos, os perseguidos, os demitidos, inclusive os militares, porque o contingente dos militares são mais de 6 mil militares das três forças armadas, exército, marinha, aeronáutico e policiais militares, que foram perseguidos, foram afastados das suas tropas. Essas sequelas, elas não vão fechar enquanto o Estado brasileiro não assumir efetivamente que houve um golpe de Estado e que essas pessoas foram, muitas delas, foram mortas e torturadas em dependências do Estado, ou da Polícia Federal, ou da Marinha, ou do Exército da Aeronáutica, de polícias militares, de polícias civis do Brasil inteiro”.

A democracia depende disso, na visão de Majella. “Então, essa luta é a luta que reafirma que nós defendemos a democracia permanentemente. A luta pela democracia é uma luta que não tem fim. E tanto isso é verdade que, há menos de um ano e quatro meses, o Brasil, por pouco não passou por mais uma tragédia na sua história, com a tentativa de golpe dirigida e comandada pelo Bolsonaro e pelos militares que o acompanhavam. Então essa data, o 1º de abril, é uma data simbólica e importante para os militantes de direitos humanos, para as famílias das vítimas e para a democracia”.

Alexandre Lino lembrou que jornalistas também foram penalizados no governo militar (Foto: Adailson Calheiros)

Na ditadura, jornalistas foram perseguidos, torturados e mortos

Jornalistas também foram uma das categorias mais diretamente afetadas pela censura imposta pelo regime, como relembra Alexandre Lino, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas.

“Nós perdemos colegas. Jornalistas foram perseguidos, torturados, assassinados. Nossa entidade sofreu intervenção por parte da ditadura militar. Então, nos nossos 65 anos de história do sindicato, 21 deles foram dentro de uma ditadura militar, sofrendo perseguições, censura. A nossa categoria foi provavelmente a mais censurada, porque existia dentro das redações censores, oficiais de governo, dizendo o que podia sair e o que não podia sair. Nós fomos vítimas. Mas o Brasil perdeu com essa ditadura, não apenas o jornalista, o Brasil inteiro perdeu com a existência de um grupo que perseguia, torturava, matava todos aqueles que se colocava ao contrário de suas ideias. Então, a gente é defensor da democracia, jornalista defende a cidadania, a democracia, a emancipação de cada um. Então, a gente não pode concordar nunca, jamais com a ditadura. Então, a gente vem relembrar esses 60 anos horríveis para a história do povo brasileiro e para dizer que existe um caminho de esperança, existe um caminho mais para frente, que é o caminho da cidadania, da democracia, da participação popular”, contextualizou o presidente do Sindicato dos Jornalistas.

Dirigente da Central Única dos Trabalhadores de Alagoas (CUT), Lenilda Lima, ressalta que é preciso que a população tenha memórias para evitar golpes.

“É uma tarefa fundamental, a bandeira da democracia, porque para que nenhum trabalhador do campo da cidade, estudante, ninguém mais possa tombar por conta desses golpes traçados contra a população brasileira. Hoje, mais do que nunca, precisamos trazer essa memória para evitar golpes como o que ia ser realizado no dia 8 de janeiro. Que esse germe seja extirpado, que é o germe da ditadura, que é o germe daqueles que, através de golpes, querem conduzir um governo autoritário para esse país. Hoje é o dia de honrar aqueles que tombaram, como os alagoanos aqui colocados, viva Gastone Beltrão, viva Jayme Miranda e tantos outros nomes daqui e de todo esse país”, disse.