Política

Maceió completa 208 anos em meio à tragédia da Braskem

Capital alagoana ganha destaque negativo por causa do afundamento do solo e população vive dias de temor

Por Emanuelle Vanderlei - colaboradora / Tribuna Independente 05/12/2023 09h16
Maceió completa 208 anos em meio à  tragédia da Braskem
Em cinco bairros, moradores deixaram as suas casas e enfrentam resistência da Braskem por reparação aos danos - Foto: Edilson Omena

Maceió completa hoje 208 anos de sua emancipação. A data passa quase despercebida, pois a capital alagoana vive atualmente uma crise ambiental de grandes proporções devido ao afundamento do solo em cinco bairros – Pinheiro, Mutange, Bom Parto, Bebedouro e Farol –, causados pela extração de sal-gema durante longos anos pela empresa Braskem. O prefeito JHC (PL), que vinha estabilizado com grande popularidade e aparente favoritismo para as eleições de 2024, começa a ver críticas e insatisfação em seu principal reduto, as redes sociais.
Na última semana, a população vive mais uma onda de insegurança com novos tremores e a informação de que a mina 18, localizada no bairro do Mutange, pode entrar em colapso e ampliar o tamanho da tragédia que já assombra Maceió há pelo menos seis anos.

Moradores dos Flexais, que há anos vinham reivindicando realocação e alertando que não se sentiam seguros na região, foram ignorados. Eles questionavam que ficaram ilhados, mas não foram incluídos no programa de compensação financeira. Fizeram inúmeros protestos mesmo quando o assunto já estava quase esquecido por maior parte da população. De uma hora para a outra, foram expulsos de suas casas quase sem oportunidade de retirar os pertences, e colocados em abrigos improvisados pela prefeitura.

Além disso, vários moradores e empresários de todos os bairros afetados seguem ao longo desses anos sem fechar acordo e aguardando uma proposta que compense os danos sofridos. A empresa Braskem, apesar de ter feito acordo judicial, nunca admitiu diretamente a responsabilidade pelos danos causados, investindo pesado em propagandas com explicações e mostrando benefícios que tem feito pela população.

Na avaliação do oceanógrafo e biólogo Gabriel Campion, Maceió já viveu outras tragédias ambientais, mas nenhuma foi tão diretamente impactante para a população quando essa.

“Se você olhar sobre o ponto de vista da população humana, diretamente ligada a isso, esse é o maior impacto mais recente que ocorreu na questão ambiental, com certeza. E é o mais chocante deles. Agora, se você olhar ao longo do tempo, você vai ver que existiram outros impactos tão importantes quanto em relação ao ambiente, ao meio ambiente, como é a destruição da floresta Atlântica, que tinha uma grande área no estado de Alagoas, hoje ela está resumida a grotas e aos corpos d’água, principalmente as lagunas, Mundaú e Manguaba”.

Ele cita alguns exemplos anteriores. “Antes da localização da Salgema [empresa que depois se tornou Braskem], os maiores impactos vinham da expansão canavieira, que destruiu a floresta atlântica. Para você ter uma ideia, em janeiro de 1970 se desmatou o equivalente a toda a década de 1960, isso em um mês, e aí os desmatamentos foram aumentando. Isso comprometeu muito os nossos rios e também as nossas lagoas, que estão assoreadas por consequência desses desmatamentos”. O biólogo relembra que desde os anos 70 participou de movimentos contra a instalação da empresa aqui em Maceió.

Publicações da prefeitura geram desgaste à imagem de JHC

A situação da mina 18 ganhou repercussão em todo o país nos últimos dias. Veículos de imprensa nacionais, influenciadores e celebridades se posicionaram, denunciando a situação vivida aqui. Com isso começa a surgir o risco de afetar o turismo, uma das principais fontes de arrecadação da cidade aniversariante.

Na visão da cientista política Luciana Santana, é a primeira vez que se vê um fato com impacto significativamente negativo na imagem do prefeito JHC, que estava bem confortável até aqui.

“É uma situação bem complicada para o prefeito, que vinha no cenário de muita perspectiva positiva em relação à sua reeleição. Tudo era dado como que ele seria um candidato imbatível, ele vinha trabalhando muito bem com as redes sociais no sentido de vender uma imagem positiva da prefeitura, se utilizando aí da realização de muitos shows, muitos eventos, colocando monumentos pela cidade que pudessem potencializar o turismo. Enfim, a gente tem essas situações todas. Inclusive, desde que ele foi eleito essa situação dos bairros que afundaram já estava acontecendo. Até então, isso não vinha impactando negativamente sobre ele, porque ele sempre conseguiu lidar bem”, argumenta.

Nos últimos meses, porém, as decisões do gestor acabaram o colocando como aliado da empresa conhecida por afundar vários bairros de Maceió. “O cenário começa a mudar quando efetivamente há o fechamento desse acordo, a compra do Hospital do Coração, e agora de forma mais impactante mesmo com essa questão da mina 18 lá no Mutange. Fica evidente que o prefeito está com uma imagem muito desgastada em relação ao que a gente vinha apresentando. Eu não tenho como te dizer efetivamente o quanto isso foi impactado, mas basta a gente olhar as redes sociais e tem uma proliferação de comentários negativos, de posts negativos em relação ao prefeito. E isso, quer queira ou quer não, é um indicador que mostra esse desgaste”.

A população não gostou da reação da prefeitura às primeiras informações sobre uma provável tragédia se aproximando. “A resposta dada inicialmente foi muito aquém. A prefeitura tentou lidar de uma maneira muito descontraída da situação, mas viu que a população não aceitou muito, mudou depois um pouco o discurso e vem tentando melhorar essa situação”.

Sobre as eleições, ela acredita que pode enfraquecer, mas depende do que vier do lado adversário. “De qualquer forma enfraquece, fragiliza essa capacidade eleitoral, mas não sei se ao ponto de comprometer o favoritismo eleitoral. Eu digo isso porque para a gente falar isso a gente precisaria ter nomes que sejam efetivamente competitivos que ‘batam de frente’ com essa situação, e isso não aconteceu. Pelo menos a gente não tem ainda esses nomes, então precisaria ter esses nomes para a gente dizer se esse favoritismo está comprometido. Agora que ele está muito mais fragilizado do que alguns meses atrás, isso está muito claro”.