Política

“Braskem já sabia do afundamento de solo antes mesmo do tremor em 2018”, diz Alfredo Gaspar

Deputado relata denúncia de que a indústria renovava licença para explorar poços com “fiscalização de araque”

Por Ricardo Rodrigues / Colaborador com Tribuna Independente 26/09/2023 09h03 - Atualizado em 26/09/2023 13h48
“Braskem já sabia do afundamento de  solo antes mesmo  do tremor em 2018”, diz Alfredo Gaspar
Seminário promovido pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados contou com as participações de ex-moradores dos bairros afetados e entidades civis - Foto: Divulgação

A Comissão Externa da Câmara dos Deputados, que acompanha o colapso do solo em pelo menos cinco bairros de Maceió, realizou ontem (25/9) um Seminário Regional com o Tema: “Acompanhamento dos danos sociais, ambientais e econômicos causados pelo afundamento do solo na capital alagoana”.

O evento, que reuniu ex-moradores e entidades que defendem as vítimas da Braskem, lotou o auditório do Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal), no bairro do Pinheiro.

De acordo deputado federal Alfredo Gaspar, o evento foi um sucesso e serviu para dar voz aos prejudicados pela mineração, bem como aos órgãos ambientais e de fiscalização e controle, a exemplo do Instituto do Meio Ambiente (IMA), Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual.

Na parte da manhã, quando as vítimas tiveram direito à voz, o deputado Alfredo Gaspar, que coordena o colegiado, disse que “surgiram revelações surpreendentes”. Dentre elas, que “a Braskem tinha conhecimento da subsidência do solo antes do desastre vir à tona, em março de 2018”.

“Outra denúncia que surgiu durante o Seminário, a Braskem estava renovando as licenças de exploração das minas de sal-gema sem apresentar os estudos de impacto ambiental”, acrescentou o deputado.

Segundo ele, tudo leva a crê que “havia uma fiscalização de araque nos poços de mineração”. Tudo isso, garantiu Gaspar, todas essas denúncias serão checadas e incluídas no relatório final.

Na parte da tarde, o deputado e os demais integrantes da Comissão ouviram as autoridades, para saber delas quais as medidas reparadoras tomadas quanto aos danos ambientais causados e os prejuízos causados aos moradores das áreas afetadas.

“Vamos ouvir todos os lados da questão, para poder fazer um relatório o mais fiel possível, independentemente das questões políticas e dos holofotes da mídia”, acrescentou Gaspar.

Questionado se o relatório da Câmara poderia servir de base à CPI da Braskem que está para ser aberta no Senado, o deputado afirmou que sim e que o trabalho dele e dos demais integrante do colegiado não tem partidarismo e nem ideologia.

“Estamos trabalho em defesa das vítimas e do meio ambiente, por indenizações justas e medidas reparadoras. Portanto, quem estiver desse lado e contra a Braskem, tem o nosso apoio”, finalizou.

PRESENTES

Além de Gaspar e do deputado federal Fábio Costa (PP), que são membros Comissão, outras autoridades compareceram ao evento, que reuniu cerca de 300 pessoas, a maioria vítimas do desastre ambiental.

Pelo menos duas entidades não participaram do evento, por não ter sido convidada ou por discordar do formato do Seminário: o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) e a Associação dos Empreendedores dos bairros atingidos pelo desastre ambiental.Eles não concordaram com o formado do evento, que ouviu primeiro as vítimas e as autoridades depois.

Comissão ouviu relatos dramáticos das vítimas da mineração em Maceió

Durante o evento, os deputados falaram sobre o andamento dos trabalhos da Comissão, ouviram as vítimas e órgãos envolvidos na apuração do afundamento dos bairros de Maceió. “Os relatos expostos durante o seminário serão utilizados na confecção do relatório, apresentado no final dos trabalhos da Comissão”, afirmou Alfredo Gaspar.

Além dos dois deputados federais de Alagoas, participaram do evento o ex-prefeito de Maceió e atual secretário estadual de infraestrutura, Rui Palmeira; os vereadores de Maceió Leonardo Dias, Rodolfo Barros e Oliveira Lima; o deputado estadual Leonam Pinheiro; representando o prefeito de Maceió, o secretário do Gabinete Civil de Maceió, Felipe Lins; Mourinha, coordenador executivo institucional do gabinete do prefeito JHC; Eduardo Marinho, secretário de Convívio Social de Maceió; e o presidente do Cremal, Fernando Pedrosa.

Pela manhã, foram ouvidos: Marcelo Alves, presidente do Instituto Associativo dos Pais e Amigos do Farol (IAPAF); Yves Maia, advogado do Cremal; Da Paz, presidente da Comissão Maceió Comunidades Afetadas; Maria Rejane Santana, presidente da Comissão SOS pelos Nossos Direitos; Ednete Alves, Comissão SOS Pelos Nossos Direitos; Adilson Araújo, advogado de moradores das regiões afetadas; Fernando Lima, presidente da Associação de Moradores do Bom Parto; Augusto Cícero da Silva, presidente da Associação Comunitária dos Moradores de Bebedouro; José Ricardo Batista, presidente da Associação de Moradores da Gruta do Padre e Adjacências; Rogério Rodrigues, representante dos mutuários da Caixa; Rubens Fidelis, morador do Mutange; e Abelardo Pedro Nobre Júnior, coordenador-geral da Secretaria Adjunta Especial de Defesa Civil de Maceió.

SEDE DE JUSTIÇA

Durante todo o evento, as vítimas relataram suas histórias, em busca de Justiça, como foi o caso da dona Sônia Ferreira. “São cinco anos vivendo com medo. Cinco anos que minha vida e da minha família mudou. Apesar de morar no Bom Parto, de estar com a casa toda rachada, por causa de apenas três casas ficamos fora da área de risco. Mas minha casa está caindo e nada é efeito. Vivo de remédio controlado, e com receio de morrer. É preciso que olhem pela gente”.

Outro depoimento emocionante foi da presidente da Comissão SOS pelos Nossos Direitos, Ednete Alves. “Estamos afundando em lágrimas junto com o solo dos bairros de Maceió. Desde que tudo começou não paramos de lutar por nossos direitos e não vamos parar. A nossa população pede socorro, estamos sofrendo há cinco anos e hoje, estamos tendo a chance de ser ouvidos”, afirmou a ex-moradora vítima da Braskem.

Juiz “censura” reportagem e Movimento divulga nota de repúdio

O juiz Henrique Gomes de Barros Teixeira, plantonista do Fórum de Maceió, atendendo ao pedido do empresário Marcelo José Martins Santos Filho, conhecido por Marcelo Cabeção, determinou a retirada do ar e da internet, da reportagem da jornalista Heloisa Vilela, repórter do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), sobre o Caso Braskem e um suposto esquema de corrupção, envolvendo o pagamento das indenizações às vítimas da mineração.

A decisão do magistrado foi tomada no sábado e provocou a reação das entidades em defesa das vítimas do desastre. Segue a íntegra da Nota do MUVB:

“O Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), em defesa fervorosa da liberdade de informação e da imprensa, manifesta veementemente seu repúdio à ação de censura que atingiu as reportagens de Heloísa Vilela do ICL Notícias, relacionadas ao crime da Braskem em Maceió, como também a censura a Folha de Alagoas.

É com indignação que denunciamos que um Juiz plantonista de Alagoas, a pedido de um dos denunciados nas reportagens, determinou a remoção das matérias, acompanhada de uma multa diária de mil reais em caso de não cumprimento.

Estamos ao lado da imprensa independente e comprometida com a verdade, condenando qualquer tentativa de silenciar a liberdade de expressão e a busca pela justiça. A sociedade tem o direito de ser informada, e não permitiremos que a censura prevaleça sobre os princípios fundamentais de uma sociedade democrática.

Reforçamos, assim, nosso compromisso inabalável com a defesa da liberdade de imprensa e informação, e permaneceremos vigilantes na luta contra a censura, em prol de uma sociedade justa e transparente”.

BOICOTE

O Movimento confirmou o boicote ao evento da Câmara Federal: “Com muita estranheza o MUVB constatou a sua ausência no Seminário convocado pelo presidente da Comissão Externa da Câmara, logo o movimento, ao lado de outros, que mais tem lutado pela participação das pessoas atingidas e pela centralidade das vítimas na busca de soluções para o maior desastre socioambiental urbano do mundo, causado pela Braskem. A ausência faz sentir que essa Comissão, talvez, não tenha o real interesse de apontar os verdadeiros problemas e nem propor as reais soluções, às vítimas já contempladas no mapa da Defesa Civil”.