Política

‘Brasil precisa de união e diálogo’, diz Lula em entrevista exclusiva à Tribuna

Pré-candidato à Presidência, petista estará em Alagoas nesta sexta-feira para dialogar com setores políticos e fortalecer parcerias

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 16/06/2022 08h31 - Atualizado em 16/06/2022 11h07
‘Brasil precisa de união e diálogo’, diz Lula em entrevista exclusiva à Tribuna
Ex-presidente Lula garante que está satisfeito com apoio recebido em Alagoas do senador Renan Calheiros, do ex-governador Renan Filho e do atual governador, Paulo Dantas - Foto: Ricardo Stuckert / Assessoria

Cinco anos depois, o ex-presidente Lula (PT) retorna a Alagoas. Na última vez, o petista realizava sua “Caravana pelo Nordeste” também, assim como agora, na condição de pré-candidato à Presidência da República. Mas agora, diferente de 2017, sem a Lava Jato em sua cola, uma vez que todos os processos contra ele foram anulados e o ex-juiz Sergio Moro – que mais tarde viria a ser ministro de Jair Bolsonaro – julgado incompetente e parcial pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, mais duas diferenças marcam as visitas de Lula a Alagoas. A primeira é que, agora, a proximidade com a eleição é maior, uma vez que faltam quatro meses até o pleito, quando em 2017 ainda faltava mais de um ano para a eleição de 2018; a segunda é a possibilidade real de Lula vencer no primeiro turno da eleição presidencial deste ano, segundo as pesquisas de intenção de votos.

Nesta entrevista exclusiva à Tribuna, realizada ainda antes de ele pisar em solo alagoano, Lula trata dos efeitos do impeachment contra Dilma Rousseff (PT) até o governo Bolsonaro (PL); sobre a importância do combate à fome; arco de alianças – o mais amplo a apoiá-lo numa eleição –; a relação com o MDB e o pedido de ajuda de Bolsonaro a Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, para vencer as eleições deste ano.



Tribuna Independente – O senhor tem reforçado que deseja voltar à Presidência da República para “fazer mais” que seus mandatos anteriores. Desde o impeachment de Dilma Rousseff, diversas ações implementadas nos governos do PT foram enfraquecidas ou mesmo extintas, a exemplo do Bolsa Família. Além da venda da Eletrobras, por exemplo. Apesar do que foi feito no governo Bolsonaro, é possível mesmo fazer mais que o senhor já fez em seus governos? Como?


Lula
– É realmente muito grande a destruição promovida após o golpe contra a presidenta Dilma e, em seguida, pelo Bolsonaro. Qualquer pessoa que olhe as ruas desse país vê o tamanho da destruição: as pessoas andando tristes, muita gente desempregada, cada vez mais gente pedindo comida e morando nas ruas. Então, fazer mais do que já fiz não é uma promessa, é uma urgência. A gente conhece o caminho para fazer o Brasil crescer e distribuir o resultado deste crescimento. Dinheiro para investir na educação, na saúde, no saneamento, nas estradas, na cultura continua existindo, só que hoje está sendo desviado para o tal de Orçamento Secreto. Então, a gente tem que começar a colocar de novo os pobres como prioridade, inclusive para fazer a roda do consumo e a economia girar. E dialogar, planejar os investimentos e trabalhar junto com os estados e os municípios. Eu vou me reunir com cada governador, sem perguntar de que partido são, além de recriar os conselhos participativos para ouvir a sociedade. E vou trabalhar todos os minutos do dia para recuperar a credibilidade da economia brasileira, para que os empresários, do pequeno ao grande, os brasileiros e também os estrangeiros, possam fazer investimentos produtivos que gerem bons empregos. União, diálogo e trabalho é o que o Brasil precisa para o nosso povo voltar a ter comida no prato, emprego de qualidade e poder voltar a sorrir e pensar no futuro.

Tribuna Independente – O Brasil voltou ao Mapa da Fome e já há mais de 30 milhões de brasileiros nessa situação. Essa é a principal marca do período Bolsonaro e como o senhor pretende tirar o país – mais uma vez – dessa situação?


Lula
– É quase inacreditável que, num tempo tão curto, o Brasil tenha passado de exemplo mundial de combate à desigualdade, manchete internacional por sair do Mapa da Fome da ONU em 2014, para ser de novo o país onde 33 milhões de pessoas sofrem com a fome. Isso me deixa indignado. Porque, para mim, garantir que toda brasileira e todo brasileiro faça pelo menos três refeições por dia não é um compromisso eleitoral, é uma missão de vida. Tenho muito orgulho de ter feito parte dessa revolução pacífica que tirou 36 milhões de brasileiros da pobreza extrema. Isso só foi possível porque a gente tinha uma política de distribuição de renda que combinava o dinheiro direto na mão de quem mais precisa, com o Bolsa Família, e o aumento do salário-mínimo. A coisa começa por aí. Só que precisa também ter o alimento disponível onde a pessoa mora por preço que ela pode pagar. E o que a gente viu acontecer nos últimos anos foi a destruição das políticas que regulam os estoques de alimentos e que incentivam o agricultor familiar, que é quem produz o feijão, a macaxeira, o leite, o inhame que a gente bota na mesa. Vamos retomar o trabalho da Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] e os programas que garantem a compra dos produtos da agricultura local, como eram o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar, para reforçar as merendas das escolas. Aliás, não só da agricultura, mas também da pesca. Onde já se viu, um país com o litoral imenso, muitos rios, muitas represas, que a gente tem sem uma política que volte a apoiar os pescadores e bota aquele peixe fresquinho na mesa da família brasileira?

Tribuna Independente – Quando o senhor esteve em Alagoas pela última vez, em 2017 durante sua caravana pelo Nordeste, o senhor falou à Tribuna em convocar um plebiscito revogatório para desfazer medidas adotadas por Michel Temer. Pretende fazer isso, em sendo eleito este ano?


Lula
– As eleições deste ano serão elas próprias um grande plebiscito sobre qual Brasil a gente quer. E eu tenho fé que o povo brasileiro vai dizer não ao fascismo caótico que o Bolsonaro representa e escolher o caminho da inclusão social e da democracia. Feita esta escolha pelo povo brasileiro, a gente vai ter que trabalhar muito, ouvir muito, conversar com todos os setores da economia, com os sindicatos, com as universidades para revisar tudo aquilo que foi desconfigurado na legislação brasileira pelo Temer e pelo Bolsonaro e que tiram direitos do trabalhador. Porque mexeram na legislação trabalhista prometendo mais emprego e o que a gente tem é mais desemprego e mais gente vivendo de bico, com renda cada vez menor. Por isso precisamos promover uma revisão da legislação para dar conta da realidade do trabalho no século XXI, gerando empregos, sem pesar em especial para o pequeno empresário. Mas empregos de qualidade, colocando o Brasil de novo no rumo do pleno emprego.

Tribuna Independente – Nesta eleição, o senhor tem o arco de alianças mais amplo de todos os pleitos que disputou. Qual a importância dessa amplitude, que é criticada por alguns porque isso significaria – aos críticos – um recuo programático?


Lula
– Primeiro, não existe política democrática sem diálogo, sem diversidade e sem respeito. Segundo, eu nunca achei que a tarefa de consertar o Brasil fosse para uma pessoa só, nem para um partido só. Nós sempre buscamos construir alianças que respondessem aos desafios de cada momento histórico. Neste momento, o desafio é reconstruir o Brasil e defender a democracia. E queremos uma democracia em que as oportunidades sejam amplas para todos, em que haja trabalho digno para toda mãe e todo pai poder sustentar sua família, em que toda criança possa sonhar em entrar na universidade. Esta é a verdadeira democracia e quem quer que esteja comprometido com esta democracia tem de estar unido neste momento da história do Brasil. Agora, a gente tem 7 partidos participando do Movimento Vamos Juntos Pelo Brasil, mais o apoio de tantas lideranças importantes país afora. E isso é extraordinário não para o Lula ou para o PT, mas para o Brasil. Porque o Brasil precisa da união das pessoas que têm espírito público, que sabem da importância de conversar e superar divergências para trabalhar pelo país e encerrarmos esse governo da destruição que existe hoje.

Tribuna Independente – O atual governo é marcado pela relação umbilical com o chamado “centrão”. Voltando a Presidência da República, como o senhor pretende lidar com o Congresso Nacional e qual o peso político de ter uma bancada, além de grande, alinhada politicamente ao – no caso – seu governo?


Lula
– Quando uma pessoa ocupa a cadeira de presidente, ela tem de saber que vai precisar conversar com todo mundo e, no Congresso Nacional, com todas as forças políticas que tiverem representação na Câmara e no Senado. Isso faz parte da democracia. Isso que a gente chama de Centrão não é uma novidade. Eles não são um grupo unitário, mas um conjunto de lideranças e interesses. Temos que conversar com as lideranças eleitas para a gente conversar e convencer da importância dos projetos que nós estamos propondo. E eu espero, e farei campanha, para eleger mais deputados e senadores comprometido com um projeto do povo. Ter mais trabalhadores, mais professores, mais pequenos agricultores, mais sindicalistas, mais pescadores, mais mulheres, mais negros, mais indígenas.

Tribuna Independente – Iniciou-se a discussão no Congresso Nacional sobre a instituição do semipresidencialismo. Mas, notadamente, isso é defendido pelo atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Qual a sua opinião sobre essa proposta e o momento em que ela surge no parlamento brasileiro?


Lula
– O Brasil já decidiu, da maneira mais democrática e participativa possível, que regime de governo quer. O plebiscito de 1993 mostrou que o brasileiro prefere o presidencialismo. O povo elege um presidente, que monta uma equipe de governo e trabalha dentro das leis aprovadas pelo Congresso. Assim foi definido pela Constituição e pelo povo.

Tribuna Independente – A agência de notícias Bloomberg revelou que Jair Bolsonaro teria pedido ajuda ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ajuda para vencer as eleições deste ano. Segundo a agência estadunidense, Bolsonaro teria dito que o senhor é contra os interesses daquele país no Brasil. Como o senhor recebeu essa informação? Acredita em interferência dos Estados Unidos na eleição deste ano?


Lula
– Eu não consigo acreditar que Bolsonaro tenha se humilhado em pedir ajuda ao [Joe] Biden para me enfrentar nas eleições. É tão ridículo, até para ele, que eu prefiro não acreditar. O que eu acho que o povo brasileiro vai fazer nas eleições é restabelecer a soberania do Brasil. O Brasil vai voltar a ser respeitado internacionalmente, sentar na mesa dos adultos entre os países do mundo e não ficar de castigo, como tem sido hoje, um país que ninguém leva a sério. Eu quero que o Brasil volte a ter um papel de destaque nos espaços de debate internacional e que possa inclusive liderar um processo de renovação das instituições multilaterais, para que todos os países, do menor ao maior, do mais pobre ao mais rico, possam ser ouvidos. Vou trabalhar, como sempre fiz, pela integração da América Latina e por uma relação mais próxima e ativa com as nações africanas. Isso não quer dizer virar as costas para ninguém, nem para os EUA, a Europa ou a China. O Brasil não pode virar de costas para nenhum país, e também não pode baixar a cabeça para ninguém.

Tribuna Independente – O MDB lançou a pré-candidatura da senadora Simone Tebet, mas muitas lideranças do partido, a exemplo do senador Renan Calheiros, do ex-governador Renan Filho e do governador de Alagoas, Paulo Dantas, defendem apoio a sua candidatura. Acredita que o MDB, na convenção partidária, vai fechar apoio ao senhor e qual a importância de lideranças emedebistas?


Lula
– Todos os partidos políticos têm o direito de apresentar suas propostas e seus candidatos, então o MDB vai fazer o seu debate interno e decidir aquilo que acha melhor. Porém, tem sido uma tradição do MDB, que reúne lideranças regionais muito fortes, não ter candidaturas presidenciais fortes, foi assim com Ulisses, Quércia e Meirelles. Em 2018, o senador e o governador já apoiaram o PT, e recebo agora com satisfação o apoio do Renan Calheiros e do Renan Filho, e do governador Paulo Dantas, que tiveram gestões muito bem avaliadas pelo povo alagoano e que, diante deste caos implementado pelo bolsonarismo, foram vozes fortes e atuantes contra desmandos, contra o negacionismo que matou milhares de pessoas na pandemia e em defesa da democracia.