Política

Plano Diretor precisa focar na reorganização de Maceió

Bairros afetados pela mineração causaram problemas gigantescos na capital e necessitam de prioridade

Por Texto: Carlos Victor Costa com Tribuna Independente 26/02/2022 10h11
Plano Diretor precisa focar na reorganização de Maceió
Com os bairros afetados pela mineração, a dinâmica da capital alagoana sofreu com profundas mudanças - Foto: Edilson Omena

Praticamente estacionado há quase 17 anos, o atual Plano Diretor Municipal de Maceió (PDMM), criado em 2005, e que deveria ter sido revisado e aprovado em 2015, começa a ganhar força novamente já que recentemente a Câmara de Vereadores realizou uma audiência pública sobre o assunto. A Tribuna repercutiu o tema com setores, políticos, especialistas e eles destacam que o plano precisa ter um direcionamento fundamental em atenção aos bairros que sofreram os danos da mineração causados pela empresa Braskem.

Nesse meio tempo que o projeto ficou parado a cidade se expandiu para a parte alta, enfrentou os efeitos danosos da mineração feita pela Braskem nos bairros de Bebedouro, Mutange, Pinheiro e Bom Parto, além do aumento da população.

O presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), Fernando Cavalcanti, defende que o plano deve inserir mecanismos de organização da cidade depois do fenômeno ocorrido nos bairros atingidos pela irresponsabilidade da Braskem.

“Esta legislação, de acordo com o entendimento do CAU/AL, deverá passar por mais uma consulta pública, principalmente diante dos fatos ocorridos após 2018, com o processo de ‘afundamento’ dos bairros às margens da Lagoa Mundaú, como Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Pinheiro. Esse processo afetou toda a dinâmica da cidade e com isto, a cidade tem se expandido sem o planejamento adequado e poderá gerar impactos a curto, médio e longo prazo”.

Fernando destaca ainda como o Plano Diretor trará direcionamentos para combater o déficit habitacional provocado pelo fenômeno.

“Ao planejar a expansão da cidade, é necessário inserir a discussão sobre o déficit habitacional gerado por este fenômeno na cidade, além de estabelecer diretrizes de uso e ocupação da área afetada, demarcando edificações históricas que deverão ser preservadas, áreas para preservação ambiental e áreas edificáveis, claro considerando as particularidades da instabilidade do solo da região”.

Ele defende que a cidade precisa repensar o seu perímetro urbano, pois Maceió possui diversas áreas sem infraestrutura urbana adequada e áreas com instalações e subutilizadas, como é o caso da região central, investimentos em saneamento básico, abastecimento de água e energia devem ser otimizados e para isto deve-se repensar o crescimento espacial das cidades, incluindo Maceió.

“Uma grande área está passando por transformações espaciais e nesta área encontram-se regiões que devem ser preservadas, como a margem da lagoa, encostas e mirantes naturais, com grande potencial ambiental, além da expansão para o litoral norte que deve contemplar a preservação do patrimônio ambiental e turístico que a cidade oferece nesta região”.

Para a presidente do Conselho de Engenharia e Agronomia de Alagoas (Crea/AL), Rosa Tenório, o momento atual deve ser aproveitado para posicionar o Conselho com presença atuante neste debate.

“É uma discussão de suma importância para nossa cidade, e o Crea/AL, como um dos maiores conselhos de classe do país e com o princípio máximo de defender a sociedade, não pode jamais ficar de fora de discussões técnicas como esta. Temos percebido algumas intervenções importantes na cidade que têm impactado diretamente na mobilidade e acessibilidade, e queremos conversar, sobretudo ouvir, para entender os planos dos órgãos municipais e fazer essa referência direta com o Plano Diretor”.

Vereadores aguardam posicionamento da prefeitura


Em contato com a reportagem da Tribuna, o vereador e propositor da audiência pública na Câmara, Dr. Valmir (PT), destacou que o Plano Diretor é uma demanda do Ministério das Cidades que precisa ser revisto a cada 10 anos.

Valmir explicou que durante a audiência saíram alguns encaminhamentos e que o debate também deve ser feito junto aos moradores da capital alagoana.

“Esse projeto visa construir caminhos para um crescimento da cidade, de forma saudável. Vai haver questionamentos, mas vamos propor levar o plano para uma discussão democrática com a população”.

Segundo o líder do governo na Câmara, vereador Siderlane Mendonça (PSB), o conteúdo do Plano Diretor está sendo avaliado, pois a discussão é muito ampla e é possível que emendas sejam apresentadas pelos vereadores.

“Vamos trabalhar, também, para esclarecer aos vereadores a importância e a necessidade do Plano Diretor para a urbanização e o desenvolvimento de Maceió. Levando em conta, claro, os aspectos econômicos e sociais, para beneficiar a população”.

A vereadora Teca Nelma (PSDB), lembra que existe em Maceió uma secretaria que é responsável pela elaboração, avaliação e publicação do Plano Diretor. Mas, mesmo assim, a última publicação desta secretaria foi um plano formulado em 2005, totalmente desatualizado com a realidade do município.

“Durante a discussão na audiência pública, não houve deliberação e nem um posicionamento da gestão sobre o andamento da produção e publicação, porque a secretária não se fez presente- não sei o motivo ao certo. Mas os representantes do Conselho Municipal do Plano Diretor informaram que o processo de publicação foi desacelerado pelo executivo e ainda está parado”.

Teca pontuou que uma das primeiras indicações que fez no seu mandato foi pedir a atualização do Plano Diretor. Demorou cerca de três meses para que ela recebesse uma resposta, de que o plano estava aos cuidados da prefeitura.

“Inclusive, esse foi tema de uma audiência pública que realizei aqui na casa, na época das chuvas do ano passado. E, a secretaria responsável, também não se fez presente. Sem esse plano, é como se não pudéssemos pensar para onde devem ser direcionadas as políticas públicas do município, já que não sabemos as principais necessidades das áreas de Maceió. Como podemos deliberar no escuro, se temos como base um plano que não condiz com nossa realidade no momento? Este documento precisa ser planejado de forma conjunta e conectado com todas as secretarias de Maceió”.

Segundo a vereadora, todo o Legislativo está no aguardo desse Plano. Ela acredita que o projeto pode sim encontrar resistências devido ao contexto territorial da cidade.

“Estamos lidando com quatro bairros que estão afundando e temos consequências disso: deslocamento populacional, posse de território - essa acredito que a mais complexa de todas. Eu realmente espero que ele seja aprovado e que seja entregue para a população de forma a superar nossas expectativas devido ao tempo que segue em planejamento. Digo isso, principalmente, porque na nossa Lei Orçamentária existem recursos próprios para a criação desse plano”.

A Prefeitura de Maceió foi procurada pela reportagem, mas até o fechamento desta edição não respondeu aos questionamentos.

MP/AL instaurou inquérito buscando apurar responsabilidades


Em janeiro, o promotor de Justiça, Jorge Dórea, baseando-se na Lei 10.257/ 2001, do Estatuto da Cidade, instaurou inquérito civil público demandando ao Poder Público a revisão do Plano Diretor de Maceió, elaborado há 15 anos e, portanto, totalmente desatualizado, fato que impede o progresso e o desenvolvimento urbano de Maceió.

Neste caso, o Ministério Público vai apurar as causas e as responsabilidades pelas supostas omissões e suas consequências para a ordem urbanística municipal.

A reportagem da Tribuna conversou também com a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Débora Fonseca. Ela é líder do grupo de pesquisa e extensão Núcleo de Estudos do Estatuto da Cidade (Nest) e colabora com pesquisas nacionais e internacionais sobre gestão das cidades, planejamento do espaço urbano, habitação de interesse social, além de acompanhar as idas e vindas da elaboração do Plano Diretor de Maceió desde a tentativa de revisão, que deveria ter sido apresentada em 2015, atualizando o Plano apresentado em 2005.

A professora destacou ainda que a discussão do Plano Diretor não acontece por causa dos prefeitos que, muitas vezes, aliados ao setor imobiliário, não permitem uma ampla discussão do tema, envolvendo de forma transparente a sociedade civil.

“No caso de Maceió a discussão está nitidamente empacada por causa destes interesses. Defendo esse projeto que está para ser discutido na Câmara, pois houve participação em parte, devendo ser discutida mais a questão do crime da Braskem e outros ajustes no documento final. O que levaria um ou dois meses para finalizar se houvesse interesse da Prefeitura. Há aspectos do novo plano diretor que não interessam ao setor empresarial, mas não é possível que uma capital não tenha um plano diretor atualizado. O que está aí já tem 16 anos”.

A Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Alagoas (Ademi/AL) foi procurada para comentar sobre o assunto. A Ademi/AL informou que aguarda a apresentação do Plano Diretor para que possa se posicionar sobre o tema.