Política

Relatório da Comissão terá uso político em 2022

Cientista política comenta os impactos políticos da CPI do Senado que apontou nove crimes ao presidente Jair Bolsonaro

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 23/10/2021 12h57
Relatório da Comissão terá uso político em 2022
Reprodução - Foto: Assessoria

O último dia 20 de outubro foi marcado pela leitura do relatório, de autoria do senador Renan Calheiros (MDB), da CPI da Covid-19 no Senado. O documento, com mais de mil páginas, sugere o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por nove crimes: de epidemia com resultado de morte; de infração a medidas sanitárias preventivas; de emprego irregular de verba pública; de incitação ao crime; de falsificação de documentos particulares; de charlatanismo; de prevaricação; contra a humanidade; e crime de responsabilidade. Para a cientista política Luciana Santana, os impactos políticos do documento ainda são incertos, mas a CPI gerou mudanças desde sua instauração.

“Os impactos políticos da CPI já ocorrem desde que ela foi instaurada. A gente já teve alguns danos à popularidade do presidente e certo constrangimento em relação a suas ações, muitas delas acabaram mudando um pouco, como a vacinação. Isso não deixa de ser impacto político”, pontua. “Agora, o que se terá de desdobramento após relatório, isso é incerto”, completa a cientista política.

“Agora, teremos um uso amplo deste documento, seja no âmbito institucional, com pressão para que os órgãos responsáveis investiguem o que se apresentou – especialmente a PGR [Procuradoria Geral da República]. Também haverá certa pressão sobre o Poder Legislativo, mas, a meu ver, com pouca eficácia. Teremos o uso político desse relatório ao longo do ano eleitoral e isso deve impactar a reeleição do presidente”, completa a cientista política à Tribuna.

As conclusões do relatório da CPI da Covid-19 serão enviadas a órgãos, como o Supremo Tribunal Federal (STF), a PGR, e o Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda.

PRÓS E CONTRAS

Para o deputado Paulão (PT), o Senado mostrou independência em relação ao Poder Executivo e a CPI provou os crimes cometidos durante a pandemia.

“O Senado fez um processo corajoso, trazendo personalidades, tanto institucionais quanto da iniciativa privada e seu relatório mostrou que parcela considerável do ministério da saúde virou uma quadrilha, com relação ao filho Bolsonaro, o senador Flávio, e vários militares. A atuação do Senado foi positiva, diante do genocídio que atinge mais de 600 mil pessoas no país e a ação genocida do presidente Bolsonaro”, comenta.

Já a deputada federal Tereza Nelma (PSDB), ressalta que o relatório da CPI é “a mais contundente investigação já feita pelo parlamento do Brasil e comprovou, com toda transparência, na frente das câmaras de tevê, respeitando testemunhas e investigados que se recusavam a cooperar, inclusive com a chuva de habeas corpus concedidos pelo STF, os crimes mais hediondos praticados nos subterrâneos dos traficantes da saúde. Assim, suas conclusões cuidadosas e responsáveis, se tornam um inquestionável documento histórico”, afirma a deputada federal.

Leonardo Dias (PSD), vereador em Maceió, possui posição oposta dos deputados federais ouvidos pela reportagem.

“O relatório da CPI é a mais pura obra de ficção, na qual um acumulador de inquéritos se encanta com o papel de perseguidor. Mas, não tem envergadura moral para atribuir crime a ninguém. O relatório é o roteiro daquilo que esta CPI sempre foi: um circo”, afirma o vereador bolsonarista.

A reportagem buscou saber a opinião do deputado estadual Cabo Bebeto (PTC), mas até o fechamento desta edição não houve resposta.

Possibilidades de arquivamento são reais, argumenta Welton Roberto

A CPI não tem poder para instaurar ações penais, por isso, seu relatório é encaminhado ao Ministério Público. No caso do presidente da República, diretamente à PGR, comandada por Augusto Aras. Para o advogado e professor universitário Welton Roberto, o procurador-geral da República arquivará o relatório dos senadores.

“A gente sabe que o Augusto Aras não irá denunciar o Bolsonaro por nenhum crime, por questões políticas. E ele tem essa prerrogativa de não denunciar”, crava o advogado.

Welton Roberto explica o motivo de o relatório da CPI não se tornar uma ação judicial de pronto.

“A CPI se equipara a um inquérito policial. Isso é uma das formas que a legislação permite que outras autoridades, além da policial, a realizar investigações. Uma CPI produz indícios de autoria e provas de materialidade delitiva, onde aponta, segundo seu relatório, todos os indícios que envolvam autores e crimes. Mas a CPI não tem competência alguma e poder vinculativo acerca da ação penal a ser desenvolvida e tem de encaminhar tudo a quem tem o poder de processar, que é o Ministério Público [MP}”, diz.

O advogado e professor universitário destaca três hipóteses para o relatório da CPI.

“Se o MP entender que falta elementos de convicção, ele pode requisitar novas diligências e não oferecer a denúncia. Se ele entender que os elementos são insuficientes, o MP simplesmente promove o arquivamento da CPI”, explica. “A terceira hipótese é oferecer a denúncia de ação penal e pode também não querer vincular, por exemplo, a questão do delito. Por isso, se discutiu muito a questão do genocídio que, para mim, foi uma discussão tanto quanto inútil porque só quem vai dizer se houve genocídio, homicídio, se o Bolsonaro teve alguma ação dolosa, porque não existe elemento culposo para esse tipo de crime, é o próprio Ministério Público”, completa Welton Roberto.

Ele ainda destaca que Augusto Aras pode, se não denunciar o presidente, responder a processo interno no MP.

“Se há denúncia tendo os elementos de prova, o Colégio de Procuradores pode abrir processo por prevaricação. Aí, é uma situação muito atípica, nunca ocorreu no Brasil e acredito que não acontecerá”, diz.

SEM PRERROGATIVA

Aos que não têm prerrogativa de função, ou que ela não seja no STF, Welton Roberto ressalta que o trâmite é o mesmo da situação PGR/presidente da República.

“As promotorias de cada estado também terão a competência de também fazer essa análise”, explica.