Política

Mudança de modelo de governo pode ser ilegal

Othoniel Pinheiro, professor de Direito Constitucional, analisa que troca de presidencialismo para semipresidencialismo sem plebiscito não está em acordo com a lei

Por Carlos Amaral 21/07/2021 08h28
Mudança de modelo de governo pode ser ilegal
Reprodução - Foto: Assessoria
Mesmo em recesso, a Câmara dos Deputados segue em voga no noticiário político. Agora, com a discussão sobre mudar o modelo do Poder Executivo nacional do presidencialismo para o semipresidencialismo. Há nesse debate uma linha tênue entre a manutenção do atual modelo e a troca para o parlamentarismo que, segundo avaliação do defensor público e professor de Direito Constitucional, Othoniel Pinheiro, sem plebiscito seria ilegal. “Se você for abrir lá no artigo segundo no ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal tem lá que o povo brasileiro no dia 7 de setembro de 1993 vai escolher entre Monarquia ou República; parlamentarismo e presidencialismo, para definir regime a ser adotado no Brasil. Aí, fica a pergunta: pode o Congresso Nacional por uma Emenda Constitucional mudar o regime para o parlamentarismo? Eu entendo que não pode. Só poderia com outro plebiscito”, argumenta. “Se não for uma espécie de parlamentarismo se for uma espécie de presidencialismo, aí sim, eu acho é discutível [alteração pelo Congresso Nacional]”, completa. O professor de Direito Constitucional reforça que o tema ainda está muito em aberto para poder identificar as nuances da proposta, mas ele ressalta que caso isso se concretize, não há maiores impedimentos para passar a valer já para o mandato presidencial eleito em 2022. “O que não pode é mudar para esse mandato porque o povo já votou no presidente da República neste modelo, mas para o próximo pode”, comenta Othoniel Pinheiro. Em linhas gerais, a ideia é que passe a existir a figura do primeiro-ministro, como ocorre na França e em Portugal, por exemplo. Contudo, sua escolha, em princípio, se daria pelo presidente e não pelo parlamento, como ocorre no parlamentarismo, modelo dos países citados. Othoniel Pinheiro ressalta que o tema, “com certeza”, chegará ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Estão querendo uma espécie de parlamentarismo, mas isso só pode se for por plebiscito. Esta será a grande questão a ser discutida e é óbvio que os caras vão levar isso para o Supremo e lá vão debater a respeito disso”, diz o professor de Direito Constitucional. Deputados federais afirmam que proposta é “golpe”   Tanto o deputado federal Paulão (PT) quanto a deputada federal Tereza Nelma (PSDB) entendem que a proposta tem como objetivo diminuir os poderes do ex-presidente Lula (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto para 2022, num eventual terceiro governo do petista. [caption id="attachment_367229" align="aligncenter" width="640"] Deputado federal Paulão (Foto: Sandro Lima / Arquivo)[/caption] “Essa proposta do semipresidencialismo que está sendo apresentado pelo presidente da Câmara é mais um golpe para ser implantado no sentido de querer fragilizar a candidatura do presidente Lula. Quem diz isso não sou eu, e sim ministros do Supremo Tribunal Federal, que tem uma visão, eu diria, mais tradicional que os partidos de esquerda. A sociedade brasileira votou, depois da Constituição de 1988, um plebiscito e definiu que o nosso modelo é o presidencialista. Então, qualquer caminho de mudança terá que ser através de plebiscito. Fazer essa discussão somente na Câmara dos Deputados, eu considero um golpe para evitar a candidatura do presidente Lula”, afirma Paulão. Já para a deputada Tereza Nelma, o semipresidencialismo é “é a última novidade da sacola de maldades políticas para tentar inviabilizar eleições limpas”. Para ela, assim como para Paulão, a proposta visa inviabilizar um provável terceiro governo Lula. [caption id="attachment_449626" align="aligncenter" width="640"] Tereza Nelma (Foto: Câmara dos Deputados/arquivo)[/caption] “É tão grotesco que um ministro do STF já definiu a proposta com uma palavra: ‘golpe’. Na eleição passada, prenderam o Lula para que não pudesse ser candidato a presidente da República. Agora, como toda a trama passada foi desmontada, não é possível repetir seu afastamento, inclusive pela repercussão internacional negativa do governo Bolsonaro, querem retirar o poder que ele poderia ter, antecipadamente, se ele for eleito. Mesmo a proposta para que vigore a partir de 2026, seria um ataque à Constituição”, afirma. “Não se pode tomar medida dessa magnitude nas madrugadas, em sessões escondidas, como está acontecendo com vários assuntos importantes. Esse é um assunto complexo, não pode ser uma jabuticaba infiltrada em um projeto qualquer. O povo tem que participar. Além disso, os defensores dessa proposta acabam promovendo ainda mais o Lula. Porque não se dedicam a fortalecer a terceira via, em vez de estar imaginando golpes de Estado, parlamentares ou não. Precisamos agora é de uma democracia sólida, agilizar a vacinação de toda a população, gerar empregos, e projetos para matar a fome. Mostrem que podem fazer mais e melhor do que o Lula. Onde estão os projetos para melhorar a vida dos trabalhadores e recuperar a economia?”, completa Tereza Nelma. À reportagem, a assessoria de Severino Pessôa disse que o parlamentar ainda discute o tema com seu partido, o Republicanos. Já a assessoria de Marx Beltrão (PSD) disse que ele “está se recuperando de um procedimento cirúrgico e está sem atender o telefone”. ARTHUR LIRA O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), usou suas redes sociais para se manifestar favorável à troca. Contudo, ele destacou que ela só valeria para os eleitos em 2026. “Podemos, sim, discutir o semipresidencialismo, que só valeria para as eleições de 2026, como qualquer outro projeto ou ideia que diminua a instabilidade crônica que o Brasil vive há muito tempo”, postou o parlamentar de Alagoas. “Modelo é melhor, mas debate atual é de ocasião”   O modelo semipresidencialista – ou até mesmo o parlamentarista – é melhor que o presidencialista que está em vigor no Brasil. Contudo, a forma como o tema está sendo discutido está errada. A avaliação é do cientista político Ranulfo Paranhos. “No geral, não um modelo [semipresidencialista] ruim, muito pelo contrário, se a gente colocar na balança, dá até para dizer que ele tem vantagens sobre o sistema presidencialista. Agora, não pode se fazer uma alteração do presidencialismo para o semipresidencialismo como sendo uma discussão de ocasião. Ah, o presidente é ruim, está fraco, o presidente do Congresso Nacional vai lá e cria um projeto de lei e muda todo o sistema, assim de repente, se tem primeiro-ministro. Aí depois o primeiro-ministro é ruim, aí a gente volta com o presidente. Não, não é assim, não pode ser de ocasião. Tem que ser tem que ir para o debate popular”, argumenta Ranulfo Paranhos. O cientista político reforça a necessidade de discussão popular sobre o tema e a realização de um plebiscito para que a população escolha qual modelo de governança ela quer. “Isso tem que ganhar força no debate popular, tem que ir para um plebiscito. Prós e contras têm de ser apresentados à população, o que cada modelo tem de vantagem e desvantagem. Daí, tem de haver uma previsão para implementação e as regras do modelo de escolha também têm que ser claras: o primeiro-ministro será escolhido por maioria simples no Congresso, por coalizão de partidos ou indicado pelo presidente eleito, por exemplo?”, questiona. “Então, no geral, não é um modelo ruim, ruim é a escolha de ocasião”, completa Ranulfo Paranhos. CARACTERÍSTICAS O cientista político Ranulfo Paranhos explica algumas diferenças entre os modelos semipresidencialista e o presidencialista. “O semipresidencialismo é a junção do presidencialismo e do parlamentarismo. O presidente, nesse caso, é eleito para ocupar a função de chefe de Estado, mas com alguns poderes, mesmo que simbólicos. O Poder Executivo no semipresidencialismo é formado por duas figuras: o presidente e o primeiro-ministro. Uma eleita pelo povo e outra eleita pelo voto indireto”, explica. “Um presidente, no presidencialismo, acumula muitos poderes como, por exemplo, emissão de medida provisória, a possibilidade de editar tarifas alfandegarias. Essa discussão sobre orçamento do orçamento das Forças Armadas, isso passa pelo parlamento de forma muito tímida, às vezes o parlamento não consegue fazer interferência. O presidente nomeia ministros à revelia de qualquer coisa; cria e extingue ministérios. A grande vantagem dos modelos semi ou parlamentaristas puros é que quando o primeiro-ministro não atua, não funciona, não é responsivo quando se envolve em escândalos, ele pode cair a qualquer momento e isso não tem custos maiores, nem para o modelo democrático, nem para sistema político como um todo”, completa.