Política

Moção ao PCdoB causa polêmica vazia na Assembleia Legislativa

Parlamentares querem evitar aprovação e usam discursos que ignoram história política do país e do mundo

Por Editoria de Política com Tribuna Independente 14/04/2021 08h16
Moção ao PCdoB causa polêmica vazia na Assembleia Legislativa
Reprodução - Foto: Assessoria
Uma simples moção de congratulações, em virtude do 99º aniversário do PCdoB, expôs como o desconhecimento da história política do país atinge até quem dela vive. Proposta pelo deputado estadual Ronaldo Medeiros (MDB), a moção gerou discussão nas redes sociais e no plenário da Assembleia Legislativa Estadual (ALE) num tom de anticomunismo como nos anos da Guerra Fria. A proposta deve ser votada nesta quarta-feira (14). Antes mesmo da sessão da ALE, a deputada estadual Cibele Moura (PSDB), divulgou em suas redes sociais que votaria contra à moção porque “todo e qualquer regime antidemocrático tem meu repúdio. O comunismo não deve ser enaltecido”. Na sessão desta terça (13), ela afirmou que “O que me espanta é ver como alguém não enxerga quanto o comunismo matou e perseguiu pessoas e quanto este regime impediu a liberdade de muita gente em toda a história da humanidade. O comunismo matou aproximadamente 100 milhões de pessoas. Na União soviética, entre 1917 e 1991, foram 30 milhões de pessoas. Na Nicarágua, em Cuba e no Peru aproximadamente 150 mil pessoas morreram. É um regime que traz a pobreza extrema e não respeita as liberdades individuais”. Em Alagoas, no sistema capitalista, por muito tempo se pagou R$ 2 por uma tonelada de cana-de-açúcar corta a um trabalhador rural. Segundo dados do IBGE, 15% dos alagoanos vive em extrema-pobreza, cuja renda é de até R$ 151; e 47,2% vive em situação de pobreza, com renda mensal de R$ 437. Os dados das milhões de mortes citadas pela parlamentar são da obra “O Livro Negro do Comunismo”. Contudo, há uma paródia chamada “O Livro Negro do Capitalismo” na qual seus autores fizeram o tipo de levantamento do primeiro livro, só que com o sistema capitalista. Segundo eles, o “sistema da liberdade” matou 106 milhões de pessoas no século 20. Um “detalhe” ignorado por muitos anticomunistas é que no comunismo não há Estado. Logo, nunca houve um regime comunista no planeta. Houve, sim, governos geridos por membros de partidos comunistas. E, sim, muitos deles autoritários. “O moderno poder de Estado é apenas uma comissão que administra os negócios comunitários de toda a classe burguesa”, assim Karl Marx classificou o Estado no “Manifesto do Partido Comunista”, de 1848. “Para o lugar da velha sociedade burguesa com as suas classes e oposições de classes entra uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”, completa. Além disso, o bisavô de Cibele Moura, Abrahão Fidelis de Moura – deputado casado pela ditadura de 1964 – defendeu que o Brasil reatasse relações com a extinta União Soviética e com Cuba, segundo verbete da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “[Abrahão Fidelis de Moura] Foi a favor da instituição da cédula única em todos os pleitos, da extensão do direito de voto aos analfabetos e praças de pré, da elegibilidade dos sargentos, além de medidas que eliminassem a influência do poder econômico nas eleições. No setor das relações internacionais, defendeu o reatamento das relações diplomáticas do Brasil com a União Soviética e o apoio do governo brasileiro ao regime cubano de Fidel Castro, mesmo depois da proclamação da República Socialista de Cuba (1959)”, relata o verbete da FGV. Durante a sessão quem também se manifestou contra a moção foram os deputados Davi Maia (DEM) e Antonio Albuquerque (PTB). O primeiro usou argumentos semelhantes ao de Cibele. O segundo chegou a sugerir que Ronaldo Medeiros retirasse a proposta. “A pluralidade do parlamento é a essência de um povo e quando ele se manifesta traduz de maneira cristalina estes maiores e melhores sentimentos. Quero adiantar que durante o processo de votação vou pedir o adiamento deste requerimento na esperança que o autor da matéria possa pedir a sua retirada de pauta para que a gente não tenha que deliberar sobre um assunto totalmente indesejável a esta Casa”, disse Antonio Albuquerque. Deputado acredita em aprovação de proposta   Autor da proposta de moção de congratulações ao PCdoB, Ronaldo Medeiros acredita que mesmo diante da polêmica, ela será aprovada por seus pares. “Não vejo motivo para não aprovar”, resume o parlamentar que classificou a divergência como infantil. [caption id="attachment_293030" align="alignleft" width="281"] Ronaldo Medeiros (Foto: Sandro Lima/arquivo)[/caption] “Polêmica infantil. Veja, em Brasília, o presidente do partido da deputada, ele gravou vídeo em homenagem ao PCdoB. Desejar feliz aniversário é urbanidade, é saber conviver com os contrários. Isso é democracia”, diz o emedebista. O presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, enviou mensagem de congratulação ao PCdoB pelos seus 99 anos de existência. Na sessão desta terça, Ronaldo Medeiros ressaltou que o PCdoB sempre atuou contra as ditaduras instauradas no país e que na América Latina, a direita é o campo político dos ditadores. “Mas é bom estas pessoas saberem que o Nazismo é de direita. Isso está no Museu do Holocausto. General Pinochet é de direita. O PCdoB foi contra a várias ditaduras no país. Atualmente a China é comunista é mantêm com o Brasil uma grande parceria econômica, inclusive com as vacinas que estão salvando vidas de vários brasileiros. Essas discussões nos dias atuais são irracionais porque existem erros da direita como na esquerda. O importante é não repetir esses erros é para isso que serve a História”, argumentou o parlamentar. Quem também defendeu a moção foram os deputados Francisco Tenório (PMN) e Inácio Loiola (PDT). “Ele tem na sua história a oposição ao maltrato do ser humano e que fez oposição a escravidão indígena. É um partido que se opõe ao capitalismo selvagem. Não tem porque a gente não reconhecer seus méritos. Quero dizer que sou favorável a moção de apoio ora discutida neste plenário e que nós que vivemos num país democrático e defendemos a democracia não podemos deixar de reconhecer a importância de um partido histórico no país”, disse Francisco Tenório. Já Inácio Loiola enfatizou nomes destacados da legenda. “Na história da humanidade o ser humano sempre andou nos caminhos das discórdias e das guerras, independentemente de ser de direita, centro ou de esquerda. Quero aqui pedir respeito a um grande alagoano, Aldo Rebelo, uma das estrelas do Partido Comunista do Brasil e um dos homens mais ilibados e competentes deste país. Eu comungo com a aprovação do requerimento ora discutido”, disse o parlamentar do PDT. Dirigentes do PCdoB repudiam deputada tucana   Ainda na manhã desta terça, dirigentes locais do PCdoB se manifestaram nas redes sociais por conta da postagem de Cibele Moura. Lindinaldo Freitas, presidente estadual do PCdoB foi o primeiro. “Caso a deputada não saiba, o PCdoB fará 100 anos de história no próximo ano. Uma história de luta por liberdade no Brasil, enfrentando duas ditaduras. Trata-se do partido que participou ativamente da luta pela redemocratização, assinou e defende a Constituição de 88. Quem pisa na Constituição e flerta com o autoritarismo são outros, contra os quais devemos unir todos os brasileiros comprometidos com a democracia e a justiça social, sem preconceitos e intolerância”, postou o dirigente estadual do partido. Em seguida, Cícero Filho, presidente municipal de Maceió do PCdoB, elencou a participação do partido em momentos importantes da história política do país, com destaque para a lei que garante a liberdade religiosa no Brasil, aprovada pela constituinte de 1946. “Não costumo perder tempo com bobagens, mas abrirei uma exceção. Em relação a fala da deputada Cibele Moura, um dos grandes problemas de se conferir mandato político a quem não possui preparo suficiente para tal é o desperdício de energia com posicionamentos vazios”, pontua. “O PCdoB, partido mais antigo do país, lutou incondicionalmente a favor da democracia enfrentando a ditadura militar. Defendeu e ajudou a escrever as constituições democráticas de 46 e 88, foi autor da Lei da Liberdade Religiosa, relatou as Leis Maria da Penha e Aldir Blanc, além de inúmeras outras contribuições ao Estado Democrático de Direito. É, meu povo, cada vez mais chego à conclusão que dinheiro pode até proporcionar, dentre outras coisas, mandato político, mas jamais, por si só, proporcionará conhecimento”, completa Cicero Filho. NOTA Mesmo com dirigentes se manifestando de forma individual, o diretório estadual do PCdoB divulgou nota sobre o caso. “Pode-se medir o quão democrático foram determinados períodos do país, ao analisar o quanto de legalidade podia desfrutar o Partido Comunista, pois, sempre que vivemos momentos de autoritarismos, foram os comunistas quem primeiro sofreram, sendo inclusive o PCdoB a organização que mais perdeu vidas no enfrentamento ao regime ditatorial inaugurado em 1964”, diz a nota. “O PCdoB esteve presente nas mais importantes lutas políticas do país, ajudou a escrever e assinou as Constituições de 46 e 88, sendo responsável pela inclusão, dentre outras garantias, da liberdade religiosa no Brasil. Defende fervorosamente a Carta de 1988, especialmente contra aqueles que no presente querem rasgá-la e trilhar novamente um caminho autoritário em nosso país. Rechaça o anticomunismo, vazio de ideias e baseado em mentiras difundidas com o objetivo de criminalizar os comunistas”, completa o PCdoB.