Política

Caso Mariana Ferrer: 'Julgamento foi show de horrores'

Maria Silva, titular da Semudh, critica tratamento dado à influencer durante o caso em Santa Catarina

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 05/11/2020 08h06
Caso Mariana Ferrer: 'Julgamento foi show de horrores'
Reprodução - Foto: Assessoria
Ganhou enorme repercussão nas redes sociais o resultado do julgamento do caso da influencer Mariana Ferrer, que seria vítima de estupro praticado pelo empresário André de Camargo Aranha, numa festa em 2018, em Santa Catarina. A sentença absolveu o acusado sob o argumento de que ele não teria como saber se a moça estava inconsciente no momento do ato sexual, o que gerou a expressão – não usada nos autos do processo – “estupro culposo”. Para Maria Silva, titular da Secretaria da Mulher e dos Direitos Humanos do Estado de Alagoas (Semudh), o julgamento foi um “show de horrores”. “Não podemos nos calar. Será a voz uníssona, de mulheres e homens de bem, que não deixaremos essa barbaridade ficar para a história como sendo normalidade de um julgamento. Queremos justiça e devemos agir com sororidade para que possamos mudar essa mentalidade, essa cultura machista que ‘tudo pode’, que continua a achar que a mulher está na sociedade à serviço de sua vontade”, afirma. “Todas somos violentadas quando a justiça falha, quando a justiça manda como mensagem a vantagem da impunidade e a humilhação pública como prerrogativa para as mulheres que têm a coragem de denunciar. Esperamos que as instâncias superiores revertam essa injustiça e essa série de violações cometidas contra a jovem, vítima de estupro”, completa Maria Silva. Além da sentença, o julgamento virtual – revelado pelo The Intercept – foi uma sessão de tortura à Mariana Ferrer. O advogado de defesa de André de Camargo Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, mostrava fotos da influencer de biquíni – produzidas antes do fato quando a jovem era modelo profissional – para afirmar que a mesma teve relações sexuais consensuais com seu cliente. Em momento algum houve questionamento do juiz do caso, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Santa Catarina, ou do promotor de Justiça Thiago Carriço. Enquanto mostrava as de Mariana Ferrer no julgamento, o advogado a atacava dizendo que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana e quando ela começou a chorar, Cláudio Gastão da Rosa Filho afirmou que “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”. Tanto o juiz Rudson Marcos quanto o promotor Thiago Carriço deixaram o “circo pegar fogo”. Ambos passaram a ser alvo de investigação de seus respectivos conselhos, o Nacional de Justiça (CNJ) e o Nacional do Ministério Público (CNMP) pela omissão. OAB/AL Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Alagoas, através da Comissão da Especial da Mulher e da Comissão da Mulher Advogada, manifestou repúdio ao ocorrido no julgamento do caso e que “a palavra da advogada e do advogado é sagrado, mas, segundo as matérias e vídeos veiculados, o que se percebe na audiência foi típica prática de misoginia, a ser devidamente apurada”. Influencer não conseguiu provar vulnerabilidade   O termo “estupro culposo” não foi usado pelo juiz Rudson Marcos em sua sentença no caso Mariana Ferrer. À Tribuna, o advogado e professor do curso de Direito da Ufal, Welton Roberto explica como o magistrado chegou ao veredicto. [caption id="attachment_409243" align="alignleft" width="259"] Welton Roberto comentou, ainda, que advogado fez um papel absurdo (Foto: Edilson Omena/arquivo)[/caption] “A sentença está bem fundamentada, analisada em base comprobatória muito profunda. Inclusive, seguindo o parecer do próprio Ministério Público que, em 91 páginas, disse não haver certeza da ocorrência de estupro. A ideia de ‘estupro culposo’ não foi cunhada na sentença, o juiz não diz isso. O juiz cita uma passagem doutrinária para explicar que não existe estupro culposo, o que é bem lógico. Mas ele não faz a assertiva de que o réu teria cometido estupro culposo”, explica. “O caso é o que chamamos de erro de tipo, que é quando não tem condições de fazer a percepção elementar do núcleo do crime. O empresário foi acusado por estupro de vulnerável, e está no artigo 217, letra A, do Código Penal, a vulnerabilidade não pode ser presumida, tem de ser provada. O que se colocou foi que o réu não tinha como saber se ela estava em estado de vulnerabilidade porque ela não demonstrava isso de maneira clara. As próprias amigas da influencer depuseram contra ela, dizendo que ela não estava em estado de vulnerabilidade, que estava ‘alegre’, mas não bêbada a ponto de não saber o que estava fazendo”, comenta o professor da Ufal. “No relato, consta que ela saiu de lá e caminhou por 15 minutos de salto alto numa rua paralelepípedo, o que seria impossível para uma pessoa embriagada, a ponto de estar às quedas, não cair no chão numa situação assim”, completa. AUDIÊNCIA Já sobre a audiência realizada virtualmente pela 3ª Vara Criminal de Santa Catarina, Welton Roberto diz que “foi um papel absurdo que fez o advogado de defesa, e nem precisava daquilo, já que a tese dele não tinha nada a ver com a questão da vida privada dela. Houve erros demais na condução daquele julgamento e o e o juiz e o Ministério Público foram omissos”.