Política

Negros ainda estão fora do parlamento

Para sociólogo, representatividade é baixa, mesmo com alto percentual de vereadores autodeclarados pretos e pardos em Alagoas

Por Carlos Victor Costa 05/09/2020 09h23
Negros ainda estão fora do parlamento
Reprodução - Foto: Assessoria
A recente morte do ator estadunidense Chadwick Boseman, estrela do filme Pantera Negra, assim como também as recentes manifestações ao redor do planeta “Vidas Negras Importam”, em protesto à constante violência policial contra a população negra, mostraram a importância da representatividade nos espaços públicos, seja nas artes, na vida cotidiana e na representação política. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 74,72%% dos vereadores eleitos em 2016 em Alagoas se declararam negros, mas isso, necessariamente, não quer dizer que essa parcela da população está, de fato, representada politicamente. Em números, dos 1076 vereadores em Alagoas, 760 se declaram pardos e 44 pretos. No país, os negros (pretos e pardos) representam 42,1% dos vereadores eleitos em 2016. A soma de pretos e pardos é o que configura a população negra no Brasil. Para o sociólogo Carlos Martins, é importante que se tenha hoje uma representação da população negra nos parlamentos. No entanto, para ele, a população negra é minoritária nesses espaços e destaca que ao negro historicamente foi negado esse papel, e que pelo contrário, ao negro no Brasil se pensou em eliminá-lo. “Como se acreditava na raça humana, se pensou que o gene do branco era forte, determinante, o do negro era fraco, no processo de mistura, de miscigenação esse sujeito desapareceria e paralelo a isso o poder público implementaria a política de eliminação das expressões de origem africana. Por aí você tem a proibição da capoeira, proibição das demais religiões, com exceção do catolicismo que era oficial, o protestantismo que era permitido. Então você vê aí ao longo do tempo um projeto de eliminação, tanto é que em 2012 a projeção era que você não teria 1% de negro na sociedade brasileira”, relata. “Então como consequência disso é que como raça não existe, a população miscigenou e predominou o sujeito negro e compõe hoje a maioria da população brasileira, com mais de 50%. Só que essa representação não está no Congresso Nacional, não está nas representações legislativas e executivas. Veja quantos prefeitos negros nós temos em Alagoas, visivelmente só o de Palmeira dos Índios”, completa Carlos Martins à Tribuna Independente. Para o sociólogo, o ideal seria que os espaços de representação política fossem proporcionais, a ponto de contemplar a totalidade da diversidade existente. “Imagine, em nosso parlamento e em outros espaços de representação, com muito mais mulheres, muito mais negros, muito mais população LGBT. Isso refletiria a representação de como a sociedade se representa, de como a sociedade é configurada de verdade”, comenta Carlos Martins. Única vereadora preta em Maceió, Fátima Santiago relata racismo Na Câmara Municipal de Maceió, que atualmente conta com 21 vereadores, a única autodeclarada preta é a vereadora Fátima Santiago (PP). Para ela, que está como parlamentar desde 2003, não foi nada fácil seu início na política. À Tribuna Independente, a parlamentar relata que, por muitas vezes, sofreu racismo velado. “Inclusive, em um dos episódios, eu precisei recorrer à Comissão de Ética da Câmara e ao MPE [Ministério Público Estadual], que transformou em um processo criminal”, lembra a vereadora. Fátima Santiago ressalta que optou por investir em sua formação para superar as barreiras do preconceito. “Na minha vida, agarrei todas as oportunidades de estudar e me qualificar, e na ocasião, tomei esta medida, não por me sentir diminuída, mas para que servisse de exemplo do respeito e equidade que deve existir em todas as instâncias de convívio humano, incluindo o poder público”, diz. “Sigo lutando diariamente contra todas as formas de preconceito, que não atinge apenas aos negros, mas a sociedade como um todo”, completa a parlamentar da Casa de Mário Guimarães. Em relação à ocupação dos espaços políticos pela  população negra e das mulheres no Brasil, Fátima Santiago afirma que, independentemente de cor, a representatividade da mulher na política ainda é tímida e, consequentemente, a da mulher negra, segundo ela, mais ainda. “Enxergo que com uma participação maior das mulheres negras na política, estaríamos promovendo mais democracia e pluralidade de vozes nos espaços de tomada de decisões. Além de fortalecermos a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres”, avalia a vereadora. IBGE Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, mulheres negras representam apenas 2% do Congresso Nacional. TSE Em agosto, o TSE estabeleceu uma cota de financiamento eleitoral para as candidaturas negras a partir de 2022 para estimular o aumento da representação negra nos espaços políticos.