Política

“Marco do saneamento favorece a iniciativa privada”

Presidente da Casal, Clécio Falcão, diz que aprovação da lei do saneamento tende a acabar com contratos entre municípios e estado

Por Texto: Carlos Amaral com Tribuna Independente 27/06/2020 09h46
“Marco do saneamento favorece a iniciativa privada”
Reprodução - Foto: Assessoria
O Senado Federal aprovou na última semana o Projeto de Lei (PL) 4162/19, do novo marco legal do saneamento básico por 65 votos a favor e 13 contra. Para o presidente da Companhia e Saneamento do Estado de Alagoas (Casal), Clécio Falcão, a lei aprovada no Senado é desnecessária. “Eu acho que essa nova Lei do Saneamento veio, na verdade, na esteira de um movimento do Liberalismo Econômico, que não é só no Brasil, é no mundo inteiro, que é a busca por maiores mercados para a iniciativa privada. Então, enxergaram no saneamento essa oportunidade. Essa lei veio para acabar com os contratos de programa, acabar com a possibilidade dos municípios, que são os detentores das concessões, contratarem as empresas estaduais de saneamento diretamente sem licitação”, afirma. Ainda de acordo com ele, o novo marco legal direcionará os investimentos para os locais onde for mais favorável ao setor privado. “Com esse objetivo, com a obrigação de licitação, o privado vai naquilo que tiver interesse, vai entrar com uma condição mais favorável de êxito nessas licitações e provavelmente vai conseguir alcançar grandes fatias nesse mercado do saneamento. Então eu acho que essa lei veio para defender os interesses do capital privado, que é entrar numa área que é essencial à população, que é o saneamento, e que é um viés da saúde pública. Por isso, eu acho que deveria sempre estar na mão do Estado”, completa Clécio Falcão. Atualmente, a Casal atua em 77 dos 102 municípios alagoanos. À edição de 7 de março da Tribuna, Clécio defendeu a concessão da distribuição de água. Questionado após ressaltar bons resultados financeiros da empresa, ele respondeu que se “levaria 100 anos para universalizar o serviço em Alagoas”. Agora, o presidente da Casal volta a defender o projeto local. “Não está havendo uma privatização da Casal, mas uma redução do escopo do serviço prestado pela Companhia. Essa redução ocorre justamente na distribuição e comercialização da água e serviços de esgotamento sanitário na região metropolitana de Maceió. A concessão desses serviços está sendo feita diretamente pelo Estado para a iniciativa privada. A Casal vai participar desse processo com a captação e tratamento da água. Então, a Companhia não sai por inteiro da região metropolitana, ela vai ter esse papel novo, mas vai ficar com todo o restante do Estado para fazer a gestão completa dos serviços”, explica Clécio Falcão. O novo marco legal do saneamento não obriga aos gestores a privatização dos serviços de água e esgoto, mas há a indução por causa do volume, prometido de recursos. A reportagem procurou a Secretaria de Estado da Infraestrutura (Seinfra) para saber se há algum tipo de planejamento para pôr em prática as novas regras do marco do saneamento, mas não houve resposta. VOTAÇÃO POSTERIOR Entre as possibilidades contidas na nova norma, está a prorrogação do prazo para instalação de aterros sanitários e a divisão de blocos regionais e priorização de recursos. Para a Associação dos Municípios Alagoanos (AMA), apesar de pontos positivos no texto recém-aprovado, o PL poderia ter sido votado mais adiante. A assessoria de comunicação da entidade ressalta que sua posição sobre o marco do saneamento é a mesma da Confederação Nacional dos Municípios que, em seu site, ponderou a questão da votação. “Na avaliação da CNM, o PL 4162/2019 tem pontos positivos, mas alguns trechos, como o que trata dos blocos regionais e da prioridade de recursos, exigiam aperfeiçoamento e mais diálogo. Como a prioridade, no momento, é o enfrentamento ao novo coronavírus, a entidade ressaltou, em diversos eventos e reuniões, que a votação do PL poderia ser adiada - inclusive porque os efeitos virão a médio e longo prazo”, disse a CNM. Para o deputado estadual e presidente da Comissão de Meio Ambiente, Davi Maia (DEM), a aprovação do novo marco legal do saneamento representa uma grande ajuda. “Viramos agora a chave de como o Brasil vem tratando o setor de saneamento ao longo de vários anos. Isto vai ajudar muito na saúde da população. São 100 milhões de brasileiros sem acesso ao saneamento básico e 34 milhões sem água tratada. Tenho certeza que isto também vai ajudar no combate à pandemia e na retomada da economia brasileira”, disse o parlamentar. Municípios celebram acordos e setor público cobra menos pelos serviços Atualmente as cidades firmam acordos com as empresas estaduais de água e esgoto pelo chamado contrato de programa, que contêm regras de prestação e tarifação, mas permitem que as estatais assumam os serviços sem concorrência. O novo marco extingue esse modelo, transformando-o em contratos de concessão com a empresa privada que vier a assumir a estatal, e torna obrigatória a abertura de licitação, envolvendo empresas públicas e privadas. Os atuais contratos serão mantidos até o fim do prazo pactuado, mas também poderão ser renovados pelas partes, por mais 30 anos, até 30 de março de 2022. A mesma possibilidade se aplica às situações precárias, às quais os contratos terminaram, mas o serviço continuou a ser prestado. Os novos contratos deverão conter a comprovação da capacidade econômico-financeira da empresa contratada, com recursos próprios ou por contratação de dívida. Essa capacidade será exigida para viabilizar a universalização dos serviços até 31 de dezembro de 2033. Outra mudança se dará no atendimento aos pequenos municípios do interior, com poucos recursos e sem cobertura de saneamento. Terão de ser constituídos grupos ou blocos de municípios, que contratarão os serviços de forma coletiva. Municípios de um mesmo bloco não precisam ser vizinhos. O bloco será uma autarquia intermunicipal e não poderá fazer contrato de programa com estatais nem subdelegar o serviço sem licitação. A adesão é voluntária e uma cidade pode optar por licitar sozinha. O projeto estende os prazos da Política Nacional de Resíduos Sólidos para que as cidades encerrem os lixões a céu aberto. O prazo agora vai do ano de 2021 para municípios com menos de 50 mil habitantes. Para as capitais e suas regiões metropolitanas, até 2024. Em relação às tarifas, os municípios e o Distrito Federal deverão passar a cobrar sobre outros serviços de asseio urbano, como poda de árvores, varrição de ruas e limpeza de estruturas de drenagem de água da chuva. Se isso não ocorrer depois de um ano da aprovação da lei, será considerado renúncia de receita e o impacto orçamentário deverá ser demonstrado. Esses serviços também poderão integrar as concessões. SETOR PÚBLICO Em 2018, havia no Brasil, 101 milhões pessoas sem esgoto e 39,4 milhões sem acesso à água. O mesmo sistema aponta disparidade de investimento per capita entre setor público e privado, sendo R$ 405 para o público; e R$ 377 para o privado. Porém, o valor médio da tarifa cobrado pelo setor privado é de R$ 4,72 contra R$ 3,78. Ou seja, o setor privado, ao assumir estes serviços, investe menos e cobra mais que o setor público. Os dados são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. Em relação à perda de água no serviço de saneamento, o setor público tem se demonstrado mais eficientes que o privado no Brasil. Ainda de acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, enquanto o serviço público perde 39% de água, o privado perde 48,7%. No final de 2019, empresas de investimento com sede nos Estados Unidos e Hong Kong anunciaram a criação de um fundo de US$ 1 bilhão para financiar projetos de saneamento básico no Brasil. A participação privada nos serviços de água e esgoto não é tema recente. Ainda nos anos 1990, centenas de cidades e países permitiram a entrada de empresas privadas nesse ramo, a exemplo da China, que até 2007 recebeu mais de US$ 3 bilhões apenas do Banco Mundial para financiar 22 projetos relacionados a sistemas de gerenciamento de água potável e coleta de esgoto.