Política

Manifestos contra direitos humanos potencializam crimes

Vice-presidente da CDH da OAB-AL, Daniel Gueiros afirma que discursos de autoridades contribuem para a disseminação do ódio

Por Tribuna Independente com Thayanne Magalhães 29/02/2020 10h58
Manifestos contra direitos humanos potencializam crimes
Reprodução - Foto: Assessoria
O grupo de homens que estariam se passando por policiais para “aterrorizar” moradores de rua em Maceió foram denunciados pela Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas (OAB-AL), por meio da Comissão de Direitos Humanos. O caso foi registrado em um Boletim de Ocorrência (B.O.) no dia 12 de fevereiro, em conjunto com o representante do Movimento Nacional da População de rua. Na denúncia estão anexados vídeos que flagram as ações criminosas. O vice-presidente da CDH da OAB-AL, Daniel Gueiros, conversou com a Tribuna Independente sobre o assunto. Ele ressalta que a OAB Alagoas seguirá acompanhando o caso para que os indivíduos sejam identificados e sofram as penalidades cabíveis. Tribuna Independente – É preocupante, em 2020, o retorno dos assassinatos e agressões à população em situação de rua? Como esses casos estão chegando à Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas e como estão sendo tratados? Daniel Gueiros – Os casos de agressão sempre despertam um alerta na proteção e promoção dos direitos humanos, e isso se intensifica quando as vítimas vivem em situação de ampla vulnerabilidade social. Os casos costumam chegar à Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas [OAB-AL] por meio de ciência espontânea através da imprensa ou por comunicação direta do Movimento Nacional da população em Situação de Rua, que tem lutado para dar visibilidade a essas pessoas. Tribuna Independente – Esses crimes costumam passar despercebidos pela população e até mesmo pela Justiça por causa da situação dos moradores? Ou a justiça está sendo feita, punindo agressores e assassinos? Daniel Gueiros – A justiça e as forças de segurança pública têm se empenhado em identificar e punir os agressores, principalmente quando há um contato institucional frequente. A dificuldade se revela na identificação de alguns autores de crimes, notadamente quando o fato ilícito ocorre em locais ermos ou durante a madrugada, sem testemunhas localizadas. Tribuna Independente – A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas, acredita que esses crimes ocorrem ou são incentivados, por exemplo, este ano, por causa dos discursos de parlamentares, governos e até mesmo a presidência contra a aplicação dos direitos humanos? Daniel Gueiros – Todo e qualquer discurso destinado a fragilizar ou causar descrédito às ferramentas de proteção da dignidade humana contribui para a disseminação do ódio e para a intensificação de preconceitos contra minorias, fato que toma proporções absurdas quando advém de autoridades públicas. Tribuna Independente – Esses discursos contrários aos direitos humanos tendem a potencializar os ataques à população em situação de rua? Daniel Gueiros – Sem dúvidas. As manifestações públicas contra os direitos humanos potencializam a execução de atos criminosos, dando a falsa sensação de impunidade. Tribuna Independente – Como está o contato com o Movimento Nacional da População de Rua? Recentemente, o Movimento denunciou agressões de supostos policiais. Caso se comprove que policiais causaram traumas à população em situação de rua, isso representa o quê para a OAB-AL? Daniel Gueiros – O contato com o Movimento Nacional da População de Rua é constante, inclusive em reuniões mensais em âmbito municipal, na busca pelo pleno cumprimento das políticas públicas voltadas à população em situação de rua. No caso de comprovação do envolvimento de agentes de segurança pública em episódios de abuso de autoridade, a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas notificará as autoridades competentes, com o objetivo de que sejam adotadas as medidas cabíveis. Tribuna Independente - A OAB Alagoas seguirá acompanhando o caso para que os indivíduos sejam identificados e sofram as penalidades cabíveis? Daniel Gueiros – Sim. Nesse e em eventuais novos casos. É fundamental permanecer monitorando os números de violência contra a população em situação de rua, algo que já tem sido realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas. Além disso, o acompanhamento das políticas públicas se mostra um meio eficaz na concretização dos direitos fundamentais dessas pessoas. Tribuna Independente – Em fevereiro deste ano, a Comissão de Direitos Humanos da OAB-AL informou à nossa reportagem que muitos dados são subnotificados por falta de denúncias. É uma situação que ainda persiste? Daniel Gueiros – A gente monitora o aumento e decréscimo do número de mortes violentas da população de rua. Quando tem um aumento substancial, repentino a OAB também oficia as autoridades para ver o que está acontecendo. Nos últimos dois anos temos tido redução. Em relação às agressões nós não temos número oficial, recebemos as denúncias quando acontecem e tomamos as providências, mas números de violência sem ser resultantes em morte não temos. A contagem de violência sem morte não é feita. Só com os homicídios. Na verdade é um ponto negativo não ter esses dados, mas os dados não chegam porque as vítimas não denunciam, tanto que esse do vídeo as vítimas não denunciaram, eles não procuram a polícia. Muitas pessoas em situação de rua  tem receio de procurar a Justiça em primeiro lugar porque não têm confiança e também porque podem ter algum procedimento criminal em aberto. Isto não seria uma deficiência do poder público, mais uma questão de vínculo fragilizado entre as instituições.