Política

“Política nacional tenta inibir ações de magistrados”

Novo presidente da Almagis, juiz Sóstenes Andrade avalia atual cenário para magistratura e dificuldades enfrentadas no interior

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 25/01/2020 08h50
“Política nacional tenta inibir ações de magistrados”
Reprodução - Foto: Assessoria
Empossado no último dia 11 como presidente da Associação Alagoana de Magistrados (Almagis), o juiz de Direito Sóstenes Andrade fala à Tribuna dos desafios que ele entende ter a magistratura pela frente. Em sua avaliação, há um movimento político para inibir a atuação de juízes no país. Em Alagoas, segundo ele, o grande gargalo é a quantidade de juízes por comarca. Sóstenes Andrade também entende que a magistratura precisa estar mais perto da sociedade. “Precisamos tê-la do nosso lado”. Tribuna Independente – No ato de sua posse frente à Almagis, o senhor falou em dificuldades da magistratura e, inclusive, em “problemas em nível nacional”. Que dificuldades e problemas são esses e que papel a Associação pode ter diante deles? Sóstenes Andrade – A magistratura nacional, hoje, passa por uma quadra bastante difícil. Isso é fruto, exatamente, do que vem ocorrendo na nossa política nacional, em especial, após a Operação Lava Jato. Houve, em meu sentir, uma movimentação no Congresso Nacional para, talvez, inibir a atuação dos magistrados. É tão verdade que alguns projetos que estavam no Senado ou na Câmara dos Deputados foram retirados sem qualquer discussão com a sociedade ou com as entidades e nos deparamos com a Lei de Abuso de Autoridade. Agora tem a questão do juiz de garantias. Estão querendo mexer na questão do extrateto, reduzir as férias de 60 para 30 dias. Enfim, são situações que verificamos, em nível nacional, no entendimento da magistratura, visa enfraquecê-la no país. Tribuna Independente – E aqui em Alagoas, o que o senhor entende como dificuldades? Sóstenes Andrade – Em Alagoas, e é inclusive uma de nossas propostas, é levantar in loco com visitas às comarcas do interior e verificar a quantidade de servidores, a estrutura dos prédios em que funcionam, a manutenção deles, saber se há demora do Tribunal de Justiça em atender aos pedidos dos juízes. Enfim, vamos ver de perto cada situação para que os juízes não se sintam sós. Depois dessa inspeção, vamos entregar um relatório ao Tribunal e apontar o que pode ser melhorado, objetivando não só a comodidade e o bem-estar do juiz, mas também o do Ministério Público, da Defensoria Pública, os advogados e, principalmente, da sociedade. Ela, para ser bem atendida, tem de estar num local adequado. Mas também há outros problemas. Por exemplo, temos quase 30 comarcas sem juiz titular. Há juízes que acumulam duas ou três comarcas. Isso é uma dificuldade grande. Temos um concurso público que está em andamento, para um provimento inicial de 20 juízes, mas ele foi suspenso por um conselheiro do CNJ [Conselho Nacional de Justiça]. E mesmo assim não supre a demanda, ainda teríamos déficit. Fora que com a reforma da Previdência, há também a preocupação que alguns juízes antecipem ou peçam sua aposentadoria. São situação que nos preocupam, em nível nacional, inclusive. Tribuna Independente – Ainda em sua posse, o presidente do Tribunal de Justiça Tutmés Airan falou na importância de ter “juízes socialmente referenciados”, algo que ele sempre coloca, de os magistrados estarem mais perto da sociedade. Como o senhor avalia essa relação do Judiciário com a população, é, de fato, o Poder mais distante das pessoas? Sóstenes Andrade – Em meu discurso de posse, eu concordo com o desembargador Tutmés no sentido de que precisamos ter a sociedade do nosso lado. O que acontece? Imagine uma pessoa no interior de Alagoas, que tem até dificuldade de acesso aos meios de comunicação, e não sabe a importância de um juiz de Direito na cidade, de uma comarca. A presença do juiz, às vezes, inibe muita coisa. Eu, quando era juiz de Direito no interior, costumava anteder à população. Eu tirava, todos os dias, 10 a 30 minutos para fazer isso. Às vezes iam falar de processos porque não tinham advogado ou não havia defensor na cidade. Isso naquela época. Mas hoje isso ocorre também, nem todos os dias há defensor na comarca. Eu entendo que o juiz tem de estar perto da sociedade e abrir as portas de seu gabinete. Evidentemente, que sabemos que o juiz, às vezes – devido às suas tarefas que não são poucas –, não têm tempo para atender à população. Acho que o Tribunal, primeiro, teria de completar o número de juízes nas comarcas. Eu entendo que o que podemos fazer para que a sociedade entenda o papel do juiz no Estado Democrático de Direito e quais são suas obrigações. Além de decidir, o juiz tem de atender bem às partes, julgar de forma imparcial e dar celeridade aos processos. Esse é o objetivo principal do magistrado em sua função Tribuna Independente – De uns anos para cá, tem tido muita visibilidade o discurso punitivista de que juiz bom é aquele que prende. Como o senhor vê esse tipo de visão sobre o papel do magistrado? Sóstenes Andrade – Esse discurso está ultrapassado. Juiz bom é que garante o direito ao cidadão, seja ele que qualquer classe. Temos de analisar o processo. Por exemplo, eu sou juiz criminal, do Tribunal do Júri, e tenho muito cuidado quando chega um pedido de autoridade policial para medidas cautelares de prisão preventiva ou temporária. Tribuna Independente – O senhor assume agora o comando da Almagis e no quê, em seu entendimento, ela pode melhorar? Sóstenes Andrade – Estou sucedendo o doutor Ney Alcantara que foi um excelente presidente da Almagis. Era muito articulado e tem o mesmo tempo que eu na magistratura. Eu quero, na verdade, dar continuidade ao trabalho desenvolvido pela direção anterior. Agora, precisamos aprimorar algumas coisas, como estar mais perto dos aposentados. Eles foram aqueles que no ajudaram muito dentro do Poder Judiciário. Precisamos criar comissões de apoio aos juízes do interior, para que sirva de intercâmbio entre a Almagis e o colega que está no interior. Também precisamos ver a questão da segurança nos fóruns. E aí quero parabenizar o doutor Tutmés porque ele implantou algo que se buscava desde 2013, que é a Guarda Judicial, que devolveu policiais militares para as ruas.