Política

Informalidade ocasiona abandono da sindicalização

Desemprego entre 2016 e 2018 e medidas do governo diminuem filiação em sindicatos

Por Texto: Jairo Silva – Colaborador com Tribuna Independente 11/01/2020 12h25
Informalidade ocasiona abandono da sindicalização
Reprodução - Foto: Assessoria
No final do ano passado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou um relatório intitulado ‘Características Adicionais do Mercado de Trabalho’, baseado na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicilio Contínua (PNAD), apontando certa estabilidade na quantidade de trabalhadores ocupados: em 2015 eram de 92,2 milhões e em 2018 chegou a 92,3 milhões de trabalhadores ocupados. Junto a estes números apresentou também a diminuição dos trabalhadores sindicalizados em 12,5%. Ao decompor o relatório, fica evidente que mantendo praticamente o mesmo índice de ocupação, entre os anos de 2015 e 2018, o perfil do trabalhador ocupado é bem diferente. Um exemplo é a taxa de trabalhadores com carteira assinada que diminuiu de 38,4% (2012) para 35,6% (2018); outro índice aponta que os trabalhadores que trabalham ‘por conta própria’ saltaram de 22,8% (2012) para 25,4% (2018). Segundo este mesmo relatório, 12,5% das pessoas ocupadas estavam sindicalizadas em 2018, o menor nível desde 2012 no início da pesquisa. Isso quer dizer que o país tinha 11,518 milhões de pessoas sindicalizadas, 11,9% abaixo do ano anterior, correspondente a uma redução de 1,5 milhão de filiados. Com base neste contexto de pesquisa, a Tribuna repercutiu o tema com cientistas sociais, sindicalistas e trabalhadores que apontaram o desemprego, as reformas trabalhistas e o trabalho informal como as principais causas da diminuição da sindicalização entre os trabalhadores alagoanos. “Obviamente essa redução de sindicalizados de forma expressiva foi atenuada depois da aprovação da reforma trabalhista. Essa movimentação pode ser percebida com a inserção de pessoas em atividades mais informais, como por exemplo, dos aplicativos. A conjuntura política se tornou muito mais perversa para partidos, movimentos sociais e sindicatos. Já com relação à reforma trabalhista e a informalidade no mercado de trabalho, este é um caminho sem volta. O processo de globalização do mercado de trabalho faz com que esta tendência, do trabalho por aplicativo, se amplie cada vez mais”, analisa. País vivencia baixa no setor industrial Para a economista e professora doutora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Luciana Caetano, dois elementos influenciaram esta diminuição no número de sindicalizados. “O primeiro é o aumento do desemprego, que faz com que quem estava empregado e vinculado ao sindicato deixe de estar e o aumento da taxa de desemprego faz aumentar também a taxa de pessoas não-sindicalizadas. A outra questão é uma forte campanha e mudança de legislação, que descompromissou as categorias junto ao sindicato, que tem sido feita pelo governo federal”, aponta a economista, em contato com a Tribuna. Segundo o professor e presidente da Associação dos Docentes da Ufal (Adufal) Jailton Lira, a baixa industrialização, se comparado com os anos 80, por exemplo, também é fator que contribui para as perdas sindicais. “Nos últimos anos algumas categorias, principalmente do setor privado, construção civil e serviços, com o processo de terceirização, precarização do trabalho e desemprego, vem diminuindo seus contingentes de trabalhadores com carteira assinada, diminuindo a vinculação sindical. Também leve-se em conta que o Brasil passa também por um período de baixa industrialização, se comparado com os anos 80, por exemplo, nestas áreas clássicas de grande sindicalização, houve uma diminuição considerável do movimento operário”. Sindicatos precisam oferecer mais serviços Para o bancário Paulo Jorge Carvalho de Sousa, funcionário do banco Safra, o fato de ser sindicalizado lhe dá mais garantias e segurança no desenvolvimento do trabalho diário. Segundo ele, “o sindicato disponibiliza um advogado para lhe acompanhar após a demissão [assessoria jurídica]. Acho que a gente poderia ter mais, porém me sinto seguro estando sindicalizado. Sei que boa parte dos direitos que temos foram conquistados pelos sindicatos. A gente vê os bancários na rua lutando por melhorias para os trabalhadores.” De acordo com Paulo Jorge, “antes a gente era obrigado a pagar o sindicato [desconto anual]. Talvez esta desobrigação tenha impactado para que as pessoas não mantenham sua filiação. A falta da contribuição não é algo que impacte mais ou menos no meu orçamento”, finaliza o bancário. PODER DE CAPTAÇÃO Em entrevista à Tribuna, o professor e cientista político, Ranulfo Paranhos defende que para atrair mais filiados, os sindicatos necessitam de uma carta de serviços ainda maior que a existente atualmente. Paranhos destaca também que sem a obrigação do pagamento da taxa sindical, o poder de mobilização, um dos pilares dos sindicatos, acaba sendo retirado. “Quanto mais serviços o sindicato oferece, maior a possibilidade de ele captar e manter os sindicalizados. A ausência da obrigatoriedade da cobrança da taxa sindical afetou os sindicatos, pois agora o trabalhador não se sente mais obrigado a pagar e consequentemente, estar sindicalizado. Quando se retira a obrigatoriedade da cobrança se retira também um dos pilares do sindicato que são as finanças”, avalia Ranulfo Paranhos. A análise do cientista político reforça que os sindicatos precisam de um novo planejamento organizacional para evitar que seus filiados optem ou deixem de contribuir com as entidades. Trabalho via “app” sem segurança da lei Dados do relatório anual ‘Características Adicionais do Mercado de Trabalho’ ainda mostram que a maior taxa de sindicalização em 2018 estava no setor público (25,7%), seguido por trabalhadores do setor privado com carteira assinada (16%). Os trabalhadores sem carteira no setor privado apresentaram uma das menores taxas, de 4,5%. Neste sentido, uma das tendências é trabalhar, informalmente, via aplicativos. A prática tem crescido, entretanto não oferece segurança, tampouco direitos aos trabalhadores. O trabalhador identificado como “José”, que preferiu conceder esta entrevista em sigilo, atua como motoboy numa empresa terceirizada, que presta serviço a um aplicativo de entrega de alimentos da capital. Ele afirma já ter trabalhado com carteira assinada, mas hoje opta pelos aplicativos. “Já trabalhei de carteira assinada. Nunca fui sindicalizado. Foi em 2013 no Atacarejo [Via Frios Distribuidora]. Não busquei recolocação no mercado de trabalho, pois ganho melhor no App [aplicativo]”. Ciente da condição precária de trabalho, o motoboy deseja uma segurança laboral, quando diz que o correto é o aplicativo começar a assinar a carteira. “Possuímos um vínculo trabalhista, pois temos escala e horário para cumprir. Quando rodo só à noite, trabalho seis horas diárias. Agora se eu rodar pela manhã e noite, chega a 10 horas de trabalho. Temos uma escala definida, com turnos de quatro horas. Os horários são manhã de 11h às 15h; tarde, 15h às 18H; e noite de 18h às 00h”, expõe o motoboy. MPT LEVANTA PREOCUPAÇÃO O procurador do Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT-AL), Cassio Araújo, ressalta que existe um impacto da diminuição dos trabalhadores assalariados. “O impacto do encolhimento dos sindicatos e da diminuição de trabalhadores sindicalizados é a piora dos seus salários, ter jornadas de trabalho mais alongadas e com condições de trabalho mais precárias, pois o ente, que é o sindicato, que naturalmente poderia se contrapor a essa situação, estão mais enfraquecidos”, sustenta o procurador. Ainda segundo Cássio Araújo, as entidades sindicais continuam organizadas da mesma forma que tempos passados, o que não atende ao presente. “Hoje, há necessidade de os sindicatos atuarem conjuntamente, na forma de coalizações sindicais, nas empresas que terceirizaram em muito seu sistema produtivo. Também há necessidade de superar a organização por categoria para passar a se organizarem por ramos de atividade, diminuindo o número de entidades sindicais, ao passo que forma sindicatos maiores e mais fortes”, analisa o procurador. Quem atua na zona rural tem ainda mais dificuldades Para as centrais sindicais, o desemprego e a reforma trabalhista foram os principais fatores para a diminuição do número de trabalhadores sindicalizados. Com a estagnação da economia e a precarização do trabalho formal, mais trabalhadores tem optado por não se sindicalizar, apontam as principais centrais sindicais de Alagoas. Segundo as centrais sindicais consultadas, a questão do desemprego não é apenas uma crise sazonal, e sim, um projeto de governo. O presidente da Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais de Alagoas (Fetar/AL), Antônio Torres Guedes, o sindicato tem a maior dificuldade para manter o trabalhador rural sindicalizado por causa do desemprego. “Por isso tem diminuição. Se houvesse o emprego, nós poderíamos conseguir manter o número de associados e não teria diminuição. Além disso, ainda tem a questão das safras, que ora o trabalhador está aqui, ora está em outro estado”, afirma o dirigente. COMERCIÁRIOS EM CRESCENTE Para o secretário de Organização Sindical da Central Única dos Trabalhadores em Alagoas (CUT-AL), Izac Jackson, que também assessora o Sindicato dos Comerciários de Alagoas – Secea, “o quadro do Secea é bem diferente”. Segundo o dirigente, “temos um quadro diferenciado no Secea, onde não tínhamos nenhum sindicalizado e agora temos quase 300”. Segundo Izac Jackson, após a nova diretoria assumir a direção do sindicato a situação mudou. “Graças à decisão da junta governativa e depois, as eleições e mobilizações passamos a ter os 22 diretores filiados ao sindicato e um tivemos um crescimento de 400%”. Reformas e MPs também são graves complicadores Do lado da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB/AL), Sinval de Melo Costa, comenta que as reformas aprovadas pelos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (sem partido) prejudicaram tanto o trabalhador quanto os sindicatos. “As reformas trabalhistas e as MP [Medidas Provisórias] do governo Bolsonaro estão desmontando o movimento sindical brasileiro. Recebemos informações que alguns sindicatos estão fechando as portas. Há informações que algumas grandes centrais podem alugar ou vender grandes sedes”, explica Sinval em entrevista à reportagem da Tribuna. De acordo com Sinval, os trabalhadores estão sendo pressionados para que não participem dos sindicatos, o seu instrumento principal de luta. “Os índices de emprego e desenvolvimento vêm diminuindo a cada dia. Uma saída apontada é a questão de fusão de centrais sindicais para poder enfrentar este momento de crise e de desemprego. A direita junto com Bolsonaro aprova reformas que são um verdadeiro retrocesso e sucateamento da nação”, desabafa o sindicalista. MUDANÇA ESTRUTURAL Já a cientista política Luciana Santana acredita que se não houver uma mudança em termos de conscientização política sobre a importância dos partidos, dos sindicatos e das organizações sociais, a tendência é ter uma maior fragilização destas instâncias. “Os partidos e sindicatos perderam porque se distanciaram de suas bases. É preciso repensar este vínculo às pessoas, já que no Brasil temos, historicamente, uma baixa adesão aos partidos e sindicatos”, finaliza a cientista política ao avaliar o contexto atual da baixa sindicalização que ocorre tanto em Alagoas quanto nacionalmente.