Política

'Juiz de garantias pode ser cilada'

Para Welton Roberto, magistrado acabará por cumprir papel de extensão do Estado policial e não o de garantir direitos

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 31/12/2019 09h57
'Juiz de garantias pode ser cilada'
Reprodução - Foto: Assessoria
Personagem recém-criado no rito jurídico brasileiro, após a aprovação do pacote anticrime em Brasília, o juiz de garantias tem dividido opiniões. O ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro critica constantemente a criação desta função. Já para muitos especialistas da área, esta inclusão no pacote anticrime é benéfica porque “põe freio em possíveis excessos”. Para o advogado Welton Roberto, é preciso ressalvas em relação ao papel que este novo ator no processo jurídico pode desempenhar. “Tem muita gente comemorando isso, principalmente alguns advogados e doutrinadores mais progressistas. Todavia, acho que eles cairão numa grande cilada porque, embora o nome seja ‘juiz das garantias’, essas garantias serão de quem? Na verdade, acho que este juiz será mais ligado à esfera policial porque vai decretar prisão preventiva, temporária, quebra de sigilo telefônico e telemático, vai decretar busca e apreensão e condução coercitiva. Ou seja, é um juiz que estará mais próximo da polícia que do indivíduo, como garantia de não quebrar essas liberdades individuais”, avalia Welton Roberto. De acordo com a lei, o juiz de garantias irá atuar “pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais” e “recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento”. Entretanto, o texto não deixa claro o local da lotação destes magistrados. “O juiz de garantias é uma cópia mal feita do sistema italiano. O de lá tanto serve para a acusação quanto para o réu porque o advogado de defesa tem prerrogativas de investigação defensiva. Aqui no Brasil, se tem o juiz das garantias, mas não se estabeleceu, por exemplo, as prerrogativas de a defesa também investigar. Então, a pergunta é, esse juiz será das garantias de quem? Da polícia, não tenho dúvida alguma”, comenta Welton Roberto. “Há algum tempo tivemos o NCCO, que era o Núcleo de Combate ao Crime Organizado, onde os juízes eram, praticamente, uma extensão do Estado policial. Tudo que a polícia queria, esse núcleo fazia para eles”, completa. Para ele, o ponto positivo – único – na criação do juiz de garantias é o fato de que ele não julgará os réus. “Então, não formará juízo de culpabilidade antecipada, como ocorre hoje”, diz Welton Roberto. Presidente do TJAL avalia novo magistrado como “saudável” Com posição diferente ao do advogado Welton Roberto, o presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), desembargador Tutmés Airan, vê a criação do juiz de garantias como algo positivo e que deverá “descontaminar” o processo jurídico. [caption id="attachment_347829" align="alignleft" width="269"] Tutmés Airan ressalta que o magistrado terá um melhor controle do comportamento das investigações (Foto: Edilson Omena/arquivo)[/caption] “A medida do juiz de garantias, eu acho ser muito saudável. A ideia é você dividir o juízo em duas etapas, um juiz cuida da fase do inquérito – onde produz provas, por exemplo –, que atua até o recebimento da denúncia. Após isso, se inicia o processo penal e, a partir daí, atua o outro juiz”, explica. “Quais as vantagens dessa divisão de tarefas? Primeiro, controlar melhor a legalidade do comportamento da investigação policial. Acho importantíssimo isso. O juiz mais presente no momento inicial da investigação, mais atento, com olhar voltado para isso. E quando se separa o juiz responsável por atuar na investigação do responsável pelo julgamento, propriamente dito, se faz com que o julgador não se contagie pela investigação à qual participou. Essa ausência de contágio é muito importante para garantir a imparcialidade do juiz. O juiz é humano, ele se contamina, toma determinadas providências na investigação que o fazem, de alguma forma, se comprometer com determinada linha investigativa”, completa o presidente do TJ-AL. A Tribuna contatou o juiz Ney Alcantara, presidente da Associação Alagoana de Magistrados (Almagis), mas até o fechamento desta edição não houve resposta. CNJ O Conselho Nacional de Justiça lançou, nesta segunda-feira (30), uma consulta sobre a estruturação e a implementação do juiz de garantias e do julgamento colegiado de primeiro grau, conforme previsto na Lei 13.964/2019, o pacote anticrime. O objetivo do CNJ é ouvir tribunais, associações de juízes e de magistrados a respeito do assunto. As sugestões devem ser enviadas até o dia 10 de janeiro, por meio de questionário no site do órgão.