Política

Linha de pobreza tende a aumentar

Cenário de recessão econômica no Brasil vem desde 2014 e pautas neoliberais contribuem para crescimento das desigualdades

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 30/11/2019 08h42
Linha de pobreza tende a aumentar
Reprodução - Foto: Assessoria
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, no início deste mês, que 13,5 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza no Brasil. Isso quer dizer que vivem com até R$ 145 por mês. Este é o maior contingente desde 2012, quando se iniciou a série histórica. O cenário que, para muitos, parece ser o fundo do poço, ainda pode piorar, segundo avaliação do economista Rômulo Sales. Segundo ele, pessoas que nos últimos anos saíram da linha da pobreza estão voltando a essa condição.    Tribuna Independente – Segundo o IBGE, no início deste mês, 13,5 milhões de pessoas estão abaixo da linha da pobreza no país. Esse é o maior número da série histórica, desde 2012. Diante das ações governamentais na economia brasileira, acredita que esse número pode aumentar? Rômulo Sales – Nós estamos vindo de um cenário de recessão, de crise, desde 2014/2015. E essa é a crise que mais está demorando a se recuperar, onde se gerou o PIB negativo que o país presenciou. Junte com essas reformas neoliberais, como corte de verbas, teto dos gastos, redução do poder de compra da população – salário mínimo sem aumento real – e isso faz com que esses dados se sobressaiam. Se tinham pessoas que estavam abaixo da linha da pobreza e saíram, mas agora estão voltando. Se continuar do jeito que está, acredito que isso vai piorar. Tribuna Independente – E qual a sua avaliação sobre as recentes reformas – trabalhista e previdenciária – para a economia, elas realmente surtem efeito? Rômulo Sales – Não. Reforma de Previdência e reforma trabalhista não têm capacidade de gerar emprego. Reformas trabalhistas a gente vem tendo desde Fernando Henrique Cardoso [PSDB]. De 1994, a grande reforma trabalhista ocorreu com ele. Aí entrou o governo Lula [PT], que não mudou nada, mas não desfez o que o antecessor deixou. O que Lula fez foi dar mais poder aos sindicatos. Na reforma trabalhista do Michel Temer [MDB] se falou que a flexibilização das relações de trabalho geraria empregos. Não. Ela não tem capacidade para isso. Não se estuda na Economia nada que diga que desonerar a folha de pagamentos vai gerar emprego. Tribuna Independente – E de onde vem essa tese? Rômulo Sales – Acredito que seja a vertente de quem está no poder, com pensamento neoliberal. Eles querem, obviamente, desonerar e estimular a economia pelo lado da oferta. Ou seja, pelo lado do empresário. Não pensam em estimular pela demanda. Eles acreditam que se desregular a economia, se liberalizar tudo, a economia funciona melhor. Tribuna Independente – A questão econômica, então, não é um problema de legislação, mas de estímulo à produção? Rômulo Sales – De estímulo. Como a gente estimula a geração de emprego? Dinheiro, produto, dinheiro. Ou seja, o que estimula a economia é a demanda, é o dinheiro. É preciso dar dinheiro para o consumo da população. Por quê? Por que o que vai gerar emprego é a previsibilidade do lucro. Empresário só contrata porque vislumbra o lucro mais à frente. E só consegue realizar seu lucro quando vende o que produziu. Então, ele pega dinheiro, vende o que produziu para fazer mais dinheiro. Tribuna Independente – Mas essa previsibilidade de lucro não pode ser resultado da desoneração da folha, por exemplo? Rômulo Sales – Não. Nada garante isso. Tenho um amigo empresário que recente tivemos essa conversa. Veja, eu perguntei a ele: ‘Fulano, você acredita que se a partir de agora você pagasse zero de imposto, os empresários contratariam mais?’. Não. Só contrata se souber que terá gente para comprar o que ele está vendendo. O que o motiva é a geração de lucro. O empresário tem de ter certeza de que o consumidor tem dinheiro no bolso para consumir seu produto. Aí, sim, quando aumenta a demanda dele, ele começa a contratar. Não porque zerou impostos. Tribuna Independente – Vivemos no Brasil um período em que o poder de comprar era muito baixo. No governo Sarney, por exemplo, tinha até os “fiscais do Sarney” para controlar preços. Acha que é possível voltar a tempos como aquele? Rômulo Sales – Não. Aquele período era de superinflação. Até 1994 a gente tinha uma inflação de, salvo engano, 2.600% ao ano; 80% no mês. Então, a memória inflacionária na população é muito grande ainda. Acredito que a gente não volta mais. Tribuna Independente – Então não acredita que o poder de compra da população conquistado nos últimos 20/30 anos não vai se perder? Rômulo Sales – Do acumulado desse período, não. Mas vai ser perder algo a partir do ano que vem. Por exemplo, a reforma da Previdência vem para economizar tirando dinheiro de quem tem pouco. Então, a população que consome, mesmo os aposentados de amanhã, perderá poder de compra. O salário mínimo, ano que vem, não terá aumento real. De 2003 a 2019, o salário mínimo teve 70% de valorização. Isso é poder de compra para quem pode consumir. Quem recebe salário mínimo consome quase 100% dele, pois não tem como economizar nada, apesar da fala do ministro da Economia [Paulo Guedes] de que pobre não poupa. É óbvio, vai poupar o quê, se 100% do que ele recebe é para comprar feijão e arroz. Tribuna Independente – E Alagoas nesse quadro, como fica? Rômulo Sales – É claro que o estado depende de transferências federais e muitos falam isso de forma pejorativa. Se trata de transferências constitucionais legais e quase 100% dos municípios do país precisam delas. Alagoas se destaca nesse cenário por ser um estado pobre, com indicadores socioeconômicos entre os piores do Brasil, mas tem evoluído para melhorar. Num cenário de recessão, Alagoas se encaixa aí de maneira extremamente preocupante e é preciso políticas públicas para destravar verbas federais e daqui mesmo para garantir infraestrutura. Esse é o papel do Estado quando o setor privado, os agentes econômicos, se retraem e prefere reter moeda. Mas hoje tem se pregado o Estado mínimo e todos sentem e, claro, os mais fracos sentem mais. Mesmo assim vemos aqui obras sendo construídas e iniciativas de atrair investimentos externos. Isso ajuda a equilibrar essa balança e até se sobressair diante do cenário atual.