Política

“Querem impedir o STF de decidir sobre o Escola Livre”

Lei aprovada em Alagoas está suspensa no Supremo Tribunal Federal por decisão do ministro Barroso e pode perder o objeto

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 02/11/2019 08h56
“Querem impedir o STF de decidir sobre o Escola Livre”
Reprodução - Foto: Assessoria
Após intensas polêmicas para a aprovação do Escola Livre na Assembleia Legislativa Estadual (ALE) em 2016, com direito ao governador Renan Filho (MDB) rejeitar o texto e os deputados derrubarem seu veto, seus defensores agora querem sua revogação pela Casa de Tavares Bastos. Porém, ao contrário do que pode parecer uma vitória dos opositores ao Escola Livre, a iniciativa visa encerrar o trâmite de ações no Supremo Tribunal Federal (STF) por perda de objeto. Hoje a lei aprovada há três anos está suspensa por decisão do ministro Luís Barroso. Quem explica os desdobramentos possíveis caso a lei seja revogada na ALE é o defensor público e professor de Direito Constitucional Othoniel Pinheiro. Tribuna Independente – Há uma proposta na Assembleia Legislativa do Estado para revogar a lei do Escola Livre, que está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, que impede que leis semelhantes sejam aprovadas em parlamentos locais pelo país. Se revogada, a ação no STF perde objeto e tudo fica liberado, digamos assim. É isso mesmo? Othoniel Pinheiro – Perfeito. Veja, a primeira coisa que estranha nessa propositura, de revogar a lei, é que ela foi buscada por defensores do Escola Livre, que lutaram com unhas e dentes pela sua aprovação. Eu alertei muito sobre a inconstitucionalidade da matéria e fui muito atacado por esses conservadores que propuseram e defendiam o contrário. Para surpresa, esse mesmo grupo agora quer revogar o Escola Livre aqui em Alagoas. Isso é uma estratégia, em nível nacional, para impedir que o Supremo julgue a Ação Direta de Inconstitucionalidade [ADI] oriunda daqui. São duas, na verdade, a 5537 e a 5580. Ambas propostas pelos confederações nacionais de educação, tanto no âmbito privado quando do público, e oriundas dos sindicatos locais de Alagoas. Esse projeto, Escola Sem Partido, tramita no Brasil todo em várias assembleias legislativas e câmaras municipais. Inclusive, foi rejeitado agora no Paraná, mas aprovado na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Tem gerado polêmica e enfrentamento com setores reacionários da sociedade brasileira por parte de quem defende uma educação crítica e racional. Tribuna Independente – Revogando a lei aqui, se perde o objeto da ação no STF? Othoniel Pinheiro – Revogando a Escola Livre em Alagoas, a consequência é a perda de objeto da ADI que está no Supremo e que já está muito adiantada em seu processo. Já estava pronta no final de novembro de 2018 e já estava pronta para ser julgada, mas o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, tirou de pauta. Ele fez uma jogada lá e colocou outros processos na frente desse. E não há previsão de julgamento e acredito que o Dias Toffoli não coloque esse caso na pauta porque seu gabinete é comandado por militares conservadores e é ele quem controla a pauta. Ele sabe que é impossível que algum jurista – que ao menos queira preservar seu nome com alguém que entende o mínimo de Direito – dar um parecer favorável a algo absurdo com é esse Escola Sem Partido, que em Alagoas se chama Escola Livre. Essa lei, veja, foi aprovada após muita polêmica aqui em Alagoas. O governador chegou a vetar, mas a ALE derruba o veto, mesmo com manifestação em sua porta. Naquele mesmo ano as ADIs foram ajuizadas no STF e, por incrível que pareça, o advogado-geral da União – do Michel Temer [MDB] – deu parecer contrário ao Escola Livre. Por que falo ‘por incrível que pareça’? Por que a função do Advogado da União é o de defender o texto impugnado, mas esse é tão absurdo que ele não teve coragem de defender. Depois o Ministério Público também deu parecer contrário, na época o Rodrigo Janot, de tão esdrúxulo que era o texto. Já em 2017, o ministro Luís Barroso suspendeu a lei e ela assim está desde então. O processo estava pautado par ao final de 2018, mas houve julgamento porque o Dias Toffoli tirou de pauta. Se colocar, abre jurisprudência favorável à democracia e à racionalidade na educação e se torna instrumento para combater as leis semelhantes nos parlamentos locais no país. Por isso, querem revogar a lei aqui. Querem impedir que o plenário do STF declare inconstitucional um projeto tão esdrúxulo, tão arbitrário e agressivo à educação brasileira. Esse movimento na ALE é algo que considero muito perigoso para a educação nacional. Tribuna Independente – Caso a ALE revogue a lei, há alguma forma de derrubar esse ato judicialmente? Othoniel Pinheiro – Há. O Escola Livre é inconstitucional em muitos sentidos. Seja a competência, que é da União, pois só ela pode legislar sobre normas gerias para a educação; seja do ponto de vista material, porque ela emprega termos amplos, abertos e indeterminados para cercear as atividades dos professores em sala de aula e coloca em todos uma espada na cabeça devido à ameaça de processo constante. Veja, ‘o professor não pode doutrinar’. Mas o que é doutrinação? Vai ficar a critério de o denunciante definir se o professor está ou não fazendo isso. Sem neutralidade, mas ninguém é neutro. Coloca a todos os professores uma espada na cabeça, inclusive os professores conservadores. Todo mundo. É um perigo. Põe a todos sob suspeita e sob ameaça de processo. Além disso, há o vício de iniciativa, uma vez que isto deveria ter origem do chefe do Poder Executivo. Por quê? Por que normas gerais da educação, que tratam do ambiente do professor e do funcionalismo público, são de iniciativa do Poder Executivo. A lei do Escola Livre ou a do Escola Sem Partido que tramita no Congresso é para ser da iniciativa do Executivo e não de um deputado. Criar meios para punir professor em sala de aula ou em pesquisa, mexe com a estrutura do Poder Executivo. Por isso não pode. Então, no momento que um deputado propõe revogar uma norma inerente ao Poder Executivo, também incide em inconstitucionalidade formal. Esse projeto, que tramita na ALE, foi proposto por um deputado e não poderia por desrespeito a ingerências na Secretaria de Educação. Até mesmo a revogação deveria ser de iniciativa do Poder Executivo.