Política

“Reforma trabalhista pode gerar retrocesso social”

Geraldo Carvalho, novo presidente da AATAL, avalia alterações na legislação e os desafios à advocacia trabalhista no país

Por Texto: Carlos Victor Costa com Tribuna Independente 28/09/2019 09h53
“Reforma trabalhista pode gerar retrocesso social”
Reprodução - Foto: Assessoria
Recém-empossado presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de Alagoas (AATAL), Geraldo Carvalho conversou com a reportagem da Tribuna Independente sobre a redução das ações trabalhistas no país e se esse fator tem relação com a reforma trabalhista aprovada em 2017. Ele falou também sobre os desafios à frente da AATAL.   Tribuna Independente – Quais os desafios à frente da AATAL? Geraldo Carvalho – Fomos eleitos com alguns desafios pontuais no dia a dia da advocacia. No entanto, tem algumas potencialidades que decorrem das alterações legislativas recentes, como as alterações na CLT, um instrumento normativo que tinha mais de 70 anos. Há uma política do Executivo federal que visa efetivamente precarizar as relações de trabalho em efetiva ameaça à jurisdição trabalhista. O próprio presidente da República já disse, em várias oportunidades, achar a Justiça do Trabalho deficitária. Na concepção dele, sem dados quaisquer, é prejudicial, seja à economia, seja ao empresariado ou ao erário. Isso não passa de falácia. Cerca de 80 % dos casos que são levados à Justiça são de empregados dispensados, comprovadamente sem recebimento de verbas rescisórias que serviriam para ele comprar o pão da sua casa, a carne e o feijão. Esse momento de ameaça traz uma necessidade para que nós, sobretudo, possamos nos unir em torno de fortalecer a advocacia trabalhista. Ela tem uma responsabilidade não apenas com os seus pares, mas também com a sociedade. A gente, enquanto advogado, exerce uma função pública importante e deve ser sempre aos olhos da função social do Estado e da proteção da dignidade da pessoa humana. Sem contar com os desafios que acontecem e aparecem diariamente em decorrência da nossa relação com a magistratura, que tem uma fragilidade pontual. Alguns magistrados trabalhistas têm uma relação relativamente hostil com a advocacia, no sentido de indeferir contratos advocatícios. É muito difícil você considerar a possibilidade de viver num país em que juízes revogam procurações de advogados que defendem o interesse de seus clientes. Então, surge daí, esse e outros problemas na defesa das nossas prerrogativas. E perceba, prerrogativas da advocacia não são da advocacia, são da sociedade. Tribuna Independente – Qual a sua avaliação sobre a redução das ações trabalhistas após a aprovação da reforma trabalhista? Segundo dados do CNJ, em Alagoas, os casos novos em 2018 reduziram quase 20% entre 2017 e 2018. Geraldo Carvalho – Aqui no meu escritório e observando o dia a dia, com os colegas, conseguimos observar uma redução drástica do ajuizamento, tendo em vista a própria forma ostensiva que a reforma trabalhista foi divulgada. A reforma trazia muito mais que leis, trazia uma coação à ajuização. Isso traz para nós advogados a necessidade de advertir o trabalhador quando vai entrar com uma ação. Geralmente, quem tem poder econômico maior está protegido. Agora, você processar um patrão, uma empresa irresponsável porque não cuidou do ambiente de trabalho, dos bens ou não forneceu os EPIs adequados, ficou bem mais difícil. A reforma trouxe distorções absurdas. Por exemplo, a precificação. Isso é o tabelamento da dignidade da pessoa humana. Não existe em lugar nenhum da legislação brasileira. Não existe tabelamento para dano moral em canto nenhum. No entanto, na Justiça do Trabalho você sofre um dano moral no ambiente de trabalho, organizacional ou sexual, o juiz vai ter que ter trabalho é de enquadrar se ele acha que é de natureza leve, média ou grave e, a partir daí, a legislação traz uma tabela. Onde é que a dignidade agora é objeto de uma tabela? Isso é inconstitucional e reflete no interesse e na coragem do trabalhador acionar a Justiça em defesa de seus direitos que há 70 anos ele tem assegurado. Tribuna Independente – Então, em sua avaliação, a reforma trabalhista, e essa minirreforma recente, aprovada este ano, podem implicar em retrocesso social? Geraldo Carvalho – Elas são resultado de uma pauta pela precarização das relações de trabalho. A reforma trabalhista é invalida em vários pontos de flagrante inconstitucionalidade material. Ela atendeu ao critério de processo legislativo, mas trouxe afronta à aplicabilidade e à garantia de direitos de ordem constitucional. Direito à dignidade da pessoa humana e à proteção social do trabalho. Ela não mexeu na garantia de diretos constitucionais, como a jornada de trabalho, prejudicou o trabalhador processualmente. Estamos num país cuja desigualdade reflete em todos os pontos: economia, educação, ambiente, moradia, saneamento e saúde. Isso também reflete na paridade de armas da Justiça do Trabalho. É por isso que a Justiça do Trabalho sempre trouxe um contexto probatório relativizando a atuação do trabalhador para o empregador. O trabalhador tem a possibilidade de comprovação muito menor que o empregador, até porque se trabalhou num ambiente do empregador, o que já define, por si só, possibilidade de aptidão de prova. Antes aquele que não comprovava suas alegações, eventualmente, pelas naturais dificuldades de um processo, não tinha uma punição grave, exceto em comprovação de má fé. A reforma trouxe o medo da punição. Essa minirreforma foi ainda mais cruel porque a reforma trabalhista não mexeu a diferença da jornada: oito horas por dia e 44 semanais. Aí essa MP traz a possibilidade de ponto por exceção e agora o empregador, que tinha 48 horas para assinar a carteira do trabalhador, terá cinco dias. A carteira de trabalho preferencialmente eletrônica estimula a informalização e prejudica a arrecadação à previdência, e às economias locais. Tem um termo que acho engraçado, contrabando legislativo. Agora é contrabando de direitos.