Política

“Brasil perdeu protagonismo internacional”

Especialista em Relações Internacionais comenta atual situação do Brasil após a baixa diplomacia do governo Jair Bolsonaro

Por Texto: Carlos Amaral com Tribuna Independente 31/08/2019 11h33
“Brasil perdeu protagonismo internacional”
Reprodução - Foto: Assessoria
Tribuna Independente – Esse início de governo Bolsonaro tem tido mudanças na postura das relações internacionais brasileiras, desde mais centralidade aos EUA a conflitos com chefes de Estado, a exemplo de Emmanuel Macron, presidente da França, ou a postura do G7 sobre a Amazônia. Que desdobramentos essa nova realidade da diplomacia brasileira pode gerar ao país? Júlio Gomes – O Brasil sempre teve uma postura diplomática moderada, o que a gente chama de soft power – que é a boa diplomacia – e sempre se credenciou como líder regional, não se envolvendo em conflitos de países vizinhos e sempre tentando pacificar situações. Isso mudou radicalmente. O que temos hoje, basicamente, são iniciativas de política internacional, de aproximação com países extremamente vinculados à agenda norte-americana. Isso está muito claro para o mundo inteiro. O Brasil sempre teve papel protagonista nos últimos governos – e não me refiro só aos de Lula e Dilma [PT], mas mesmo nos do PSDB, do presidente Fernando Henrique. Nós evoluímos muito nesse período e mesmo nos governos militares tínhamos postura independente e afirmativa. É isso que se observa na história da diplomacia brasileira nos últimos 40 anos. O que ocorre agora é algo inédito da nossa diplomacia e com consequências agudas para as relações brasileiras e que a gente ainda não presencia, pois na diplomacia se dão de forma mais lenta. O que me chama a atenção nos últimos episódios é a perda de protagonismo do Brasil para os EUA diante da América do Sul; na última reunião do G-20, os Brics [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] se reuniram sem o Brasil e isso é grave. Junto à África nós tínhamos uma relação muito próxima, a Sul-Sul que avançou muito nos últimos 15 anos e isso foi praticamente extinto; No Mercosul, o país vem perdendo sua importância, assim como o bloco para o Brasil. A única coisa que avançamos um pouco – muito pela inércia e por tratativas anteriores – é o acordo entre Mercosul e União Europeia, que vem sendo construído há mais de 15 anos, mas ele vem no pior momento da economia brasileira, inapropriado para nós. Pelo que se sabe, é um acordo tarifário em que o país reafirma seu papel de exportador de matéria-prima, de commodities, mas isso não interessa tanto aos europeus porque eles têm importadores daquilo que o Brasil comercializa. O interesse maior no caso deles é o nosso mercado interno para industrializados e isso se choca com os interesses dos EUA diante da aproximação do atual governo com os norte-americanos. No momento em que o Brasil se aproxima mais dos EUA, com abertura completa a eles, o acordo com a União Europeia sai do papel. Não há coincidência, é proposital. Assim que se inicia o processo desse acordo, se inicia as queimadas na Amazônia e, lá trás, a questão da agenda ambiental já havia sido tocada, de que o governo Bolsonaro não teria isso como centralidade. Após as queimadas, e não posso dizer se foi proposital, parece ter havido uma escalada de provocações impressionantes. Do lado de cá, o governo gratuitamente afirmando coisas sobre as ONG’s e grupos indígenas e, do lado de lá, o Macron coloca o problema como internacional. É uma situação que vai inibir o tratado comercial do Brasil com a União Europeia. É geopolítica, entende? Tribuna Independente – Até que ponto essa animosidade com a França pode refletir nas relações com a Europa e impactar a economia brasileira? Júlio Gomes – Não posso afirmar que, deliberadamente, o governo Bolsonaro através de seus sinais em relação ao meio ambiente quer sabotar o próprio acordo que fez com a União Europeia. Não se pode afirmar isso. Mas que há um interesse maior par ao mercado norte-americano e um desinteresse ao europeu, não há a menor dúvida. Essa questão ambiental ocorre justo no momento que o acordo com a União Europeia entraria na pauta dos países da Europa e aqui, provavelmente, após a reforma da Previdência deve entrar na pauta do Congresso. Há interesses e não tenha dúvida de que o mercado europeu tem todo o interesse de entrar no mercado interno do Brasil, principalmente com a indústria nacional fragilizada como está agora. Ou seja, se tem um mercado perfeito para os produtos europeus entrarem. Agora, vamos particularizar a questão da França. Quem era o Macron? No começo de seu governo ele enfrentou a mobilizações dos ‘Coletes Amarelos’, que foi algo feito por cidadãos comuns preocupados com questões de seu dia a dia, como preço dos combustíveis e sua previdência. Preocupados coma agenda liberal do Macron. Aquilo tirou muita popularidade do governo. Outro ponto é que boa parte do gabinete do presidente francês é composto por membros do Partido Verde. No parlamento europeu, 30% das cadeiras são ocupados por membros dos partidos verdes. Isso mostra que o tema do meio ambiente é central na Europa. E numa situação de fragilização política que passa o Macron e tendo presença forte dos verdes em seu gabinete, ele gira os holofotes para problemas externos. O Macron reagiu com mais força por causa da importância interna que o tema ambiental tem na França. Para ser específico à sua pergunta, a questão do Mercosul ficou fragilizada, mas continua a ser de forte interesse econômico da Europa como um todo, continua a ser do interesse da própria França, mas, evidentemente, e diante do que está havendo, é possível que novas exigências surjam em relação à pactuação de compromissos ambientais. Tribuna Independente – E se Jair Bolsonaro quiser esticar a corda e não ceder em nada? Júlio Gomes – Acho difícil esse esticar de corda. Mas em sua agenda, o ponto central é os EUA. Mas veja, nossos principais produtos de exportação para a Europa são carne e soja, para o rebanho deles. A gente tem de entender que o que ocorre na Amazônia atende aos produtores de carne daquela região, mas o Brasil possui nas demais regiões produtores que já exportam há muito tempo. Toda essa gente, esse setor, prestou apoio à candidatura Bolsonaro e formam uma base de apoio a seu governo. Evidentemente, que aqueles grandes produtores que já fazem exportação de carne não vão querer entrar nessa briga e condenar um acordo que lhes pode ser extremamente lucrativo, em função de um desmatamento na Amazônia, que não dá grandes vantagens à produção de carne. Naquele solo, o plantio de pasto para o gado dura poucos anos. Não acredito que o Bolsonaro tenha preocupação com diplomacia, mas ele tem com relação interna e isso demanda boa relação com a Europa, ainda mais com um acordo desse tamanho na mesa.