Política

Advogados criticam projeto do PSL

Deputada federal defende que advogados comprovem que os honorários pagos são de origem lícita; Anacrim fala em criminalização

Por Carlos Victor Costa com Tribuna Independente 23/07/2019 08h42
Advogados criticam projeto do PSL
Reprodução - Foto: Assessoria
Após o recesso parlamentar, a Câmara dos Deputados deverá analisar o Projeto de Lei  3.787/19 de autoria da deputada federal Bia Kicis (PSL/DF), que defende que os advogados, além de todas as suas responsabilidades diárias, ainda se encarreguem de buscar comprovar a origem do dinheiro dos seus clientes utilizados para pagar os honorários. O texto do projeto altera o Código Penal e o Código de Processo Penal para equiparar à receptação qualificada o recebimento de honorários advocatícios que “sabe ser proveniente de produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, os receba”. A pena proposta é de um a quatro ano de prisão. Além disso, o projeto altera também a Lei de Lavagem de Dinheiro para que advogados e escritórios de advocacia sejam subordinados a mecanismos de controle. A proposta é que os profissionais prestem informações periódicas acerca de suas atividades ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ou outro órgão regulador. A reportagem da Tribuna repercutiu o assunto com a Associação Nacional da Advocacia Criminal em Alagoas (Anacrim-AL), além da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Alagoas (OAB) e advogados criminalistas. De acordo com a vice-presidente da Anacrim, advogada Fernanda Noronha, o Projeto de Lei que traz na sua essência a criminalização dos honorários advocatícios, afronta nitidamente os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório que deve se portar sem amarras e subserviências. “Trata-se mais de um meio para enfraquecer a advocacia, de maneira especial a criminal, como se pudéssemos exercer uma fiscalização sobre os rendimentos de propensos clientes”. A advogada disse que a justificativa da deputada é totalmente desproporcional, tendo em vista que o crime de lavagem de dinheiro com a participação de advogado é passível de punição. “Ocorre que reduzir o direito de defesa e gerar obstáculos ao exercício da atividade profissional da advocacia afronta nitidamente os princípios basilares constitucionais por quem mais luta pelo respeito aos direitos e às garantias fundamentais. O advogado, assim como outros profissionais [corretores de imóveis, comerciantes, médicos, engenheiros, vendedores etc.] não estão obrigados a comprovar a origem dos seus recebimentos quando prestam serviços ou vendem seus produtos, por não dispor de condições benéficas a realizar tal fiscalização em reflexo a cláusula tributária chamada “pecunia non olet”, ou seja, o dinheiro não tem cheiro”. Ideia é classificada como retrógrada e perigosa À Tribuna, Raimundo Palmeira disse que a proposta é absurda, pois segundo ele o advogado não tem o poder investigatório. “É absolutamente impossível se saber a origem do dinheiro que você recebe. Porque o advogado não tem acesso aos dados bancários do cliente. Isso é reflexo de um estado policialesco, totalitário que o Brasil está se transformando sem que as pessoas percebam. Tenta-se criminalizar a advocacia de qualquer forma e isso é o primeiro sintoma de um estado totalitário. Os ditadores odeiam advogados, porque advogados quando estão na área criminal trabalham com a liberdade, defende a liberdade e na área cível a aplicação da lei. Eles não gostam de aplicar a lei, querem manipular a lei. Essa moça [deputada Bia Kicis]. Ela com certeza é da extrema direita. Todo extremo é terrível para qualquer país”. Raimundo Palmeira destaca ainda que se aprovado, o projeto abrirá precedentes perigosos. O advogado classifica a ideia como retrógrada e mostra o despreparo da parlamentar. “Não é só advogado. Qualquer profissional não tem como confirmar porque teria que quebrar, inclusive, o sigilo bancário. Vai se estender para médicos, engenheiros... Imagine, por exemplo, o cara chegar morrendo no hospital e o médico dizer espere aí que vou ver se o seu dinheiro é licito, se não, não opero”. Já Welton Roberto criticou a proposta e disse que a deputada confunde a atividade lícita do advogado e com o projeto tenta quebrar o principio da presunção de inocência partindo da premissa que o advogado tenha que saber da vida financeira do cliente. “Nós temos que saber o que estamos fazendo, do nosso contrato que é lícito. Ela está querendo criminalizar a advocacia. Enfim, é uma tentativa abjeta de criminalizar o nosso trabalho. É mais uma aberração que a gente está vivenciando nesse momento de obscurantismo intelectual. É mais um projeto que vem na contramão de tudo aquilo que a Constituição Federal defende”, argumeta Welton. OAB-AL acha que projeto não tem fundamento Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas (OAB-AL), Nivaldo Barbosa o projeto não possui fundamento para ser aprovado. Segundo ele, o advogado não pode se responsabilizar pela origem do dinheiro que paga o seu honorário. “Se assim o fosse, outras categorias também deveriam fazê-lo. Imaginemos as empregadas domésticas declarando a origem do dinheiro de seus patrões, dentistas, médicos, motoristas, entre outras. Acredito que não vá para votação. Se for, não deve ser aprovado. Várias atividades podem ser atingidas com esse projeto de lei”. Ainda neste sentido, o advogado criminalista Welton Roberto ressalta, à Tribuna, que também há um agravante nesse projeto, no qual diz que o advogado terá que presumir que todo dinheiro advindo da contratação do escritório é dinheiro sujo. “Quem tem que investigar e provar que o dinheiro não é licito é a polícia. Através das suas atividades de investigação para saber se o dinheiro que circula em qualquer âmbito não só na advocacia é licito ou não. Por isso existe a Lei de Lavagem de Dinheiro que talvez essa deputada desconheça. Não me surpreende mais nada com os deputados do PSL. Eles não conhecem o próprio umbigo”. TENTATIVA Em março, o deputado Rubens Bueno (Cidadania/PR) também apresentou proposta (PL 442/19), baseada no PL 4.341/12 e que foi arquivada ao final da legislatura passada, estabelecendo pena de três a dez anos de reclusão, iniciado em regime fechado, mais multa para advogado que receber honorários advocatícios tendo conhecimento da origem ilícita dos recursos de sua remuneração.