Política

Demora da Justiça aumenta número de presos provisórios

Conselho Nacional de Justiça aponta Alagoas como o estado com a maior quantidade de detidos encarcerados provisoriamente

Por Tribuna Independente com Carlos Victor Costa 08/06/2019 10h43
Demora da Justiça aumenta número de presos provisórios
Reprodução - Foto: Assessoria
O debate acerca da atual realidade no sistema prisional alagoano com a superlotação de presos é conhecido, tem projeção nacional, no entanto vem demonstrando o quanto o Poder Judiciário de Alagoas tem demorado em julgar os presos provisórios, que são maioria nas unidades penitenciárias. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já apertou o Tribunal de Justiça de Alagoas no sentido de cobrar a resolução dos processos. O próprio CNJ aponta Alagoas como o estado com o maior número de presos provisórios do país. Nossas unidades prisionais comportam, hoje, 67,43% dos presos sem condenação. Alagoas conta, atualmente, com nove unidades prisionais, além do Baldomero Cavalcanti. Estão ativos o Presídio Cyridião Durval e Silva; Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia; Casa de Custódia da Capital; Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy; Núcleo Ressocializador da Capital; Presídio de Segurança Máxima; Penitenciária de Segurança Máxima; e o Presídio do Agreste. Segundo o Mapa da População Carcerária, da Secretaria de Estado da Ressocialização (Seris) relativo às movimentações do plantão de 5 de junho a 6 de junho são 9.040 presos em regime provisórios; regime fechado; medida de segurança; regime aberto e semiaberto; e presos em penitenciárias federais. SUPERLOTAÇÃO A população carcerária atual de presos recolhidos nas unidades prisionais é de 4.945 presos, mas a capacidade é de 3.721. Destes, 3.342 são presos provisórios. Outra realidade é que dentre as nove unidades prisionais de Alagoas, cinco estão com a capacidade excedida. O Presídio Baldomero Cavalcanti que tem capacidade para 773 pessoas, conta hoje com 584 condenados e 511 presos provisórios, totalizando 1.101, o que excede em 328 reeducandos, chegando a 42,4%. Já no Cyridião Durval e Silva a capacidade é de 404 reeducandos, mas está com 947 presos, entre eles 93 condenados e 854 provisórios, o que equivale a 134,4% a mais do que o presídio deveria suportar. Na Casa de Custódia da Capital, o espaço seria para receber 240 detentos, mas unidade prisional conta com 465 presos, sendo 69 condenados e 396 provisórios, equivalente a 93,8% a mais de sua capacidade. A Penitenciária de Segurança Máxima que tem capacidade para 694 reeducandos, está com 908, o que consiste em 245 condenados e 658 provisórios. Já o Presídio de Segurança Máxima tem uma área para 192 presos, mas está com 24 detentos a mais, sendo todos eles provisórios. “País vive movimento de superencarceramento” O presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal em Alagoas (Anacrim/AL), Manoel Passos, que vem tratando sobre a superlotação e demora no julgamento de presos, criticou, em entrevista à Tribuna, a ausência de uma política voltada à reconstrução de quem está preso, para que ele retorne em condições de convivência social. O advogado destacou que o número de pessoas encarceradas no Brasil revela que o país vive um movimento de “superencarceramento”. “Algo está errado, sabemos que esta onda de punitivismo a todo custo é no Brasil em geral, mas olhemos para o nosso estado. Não se pode admitir que em casos simples a regra seja a prisão. Esse problema do Sistema Prisional passa efetivamente por estas questões. Nós precisamos mudar essa cultura do encarceramento a todo o custo”. Ao tratar da ressocialização, a Tribuna apurou que a única unidade prisional alagoana que tem demonstrado eficiência em ressocializar os detentos, o Núcleo Ressocializador da Capital (NRC) está com 27, 4% de vagas ociosas, de acordo com o mapa carcerário, o que deixa evidente a disparidade no sistema prisional. Sobre o cenário de superlotação e falta de julgamento para os presos provisórios, o presidente da Anacrim defende que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário se reúnam para discutir essa problemática do Sistema Prisional. “As leis são atropeladas pelo julgador que quer a todo custo condenar em forma geral. Se condenam através do clamor social, esse pensamento é equivocado. Diante da intranquilidade da sociedade sobre os aspectos de insegurança, aí se busca desenfreadamente a condenação, no qual, as vezes ocorre com pessoas inocentes”, argumenta Manoel Passos, presidente da associação Nacional da Advocacia Criminal em Alagoas. Melro defende ampliação do sistema No contexto sobre a realidade prisional em Alagoas, a Defensoria Pública do Estado conta com o Núcleo Criminal, com atuação direta de nove defensores públicos em Maceió. No interior do estado, cada defensor público é responsável pelo próprio controle. “Os defensores que atuam na capital e interior, na seara criminal, acompanham e defendem os réus antes de uma sentença que não caiba mais recursos. Para se ter uma ideia da atuação da Defensoria Pública, no ano de 2018, foram feitos 5.078 pedidos de liberdade provisória/revogação de prisão. Foram impetrados 1.347 habeas corpus; fizemos 1.427 audiências de custódia; além de 1.573 recursos para o STF/STJ [Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça]; e 1.656 recursos ao Tribunal de Justiça; além de 541 visitas carcerárias”, comenta o defensor público-geral, Ricardo Melro, à reportagem da Tribuna. No entanto, Ricardo Melro afirma que existe uma diversidade de casos complicados juridicamente, dificultando assim a liberdade de quem aguarda julgamento nas unidades prisionais alagoanas. Melro ressalta que o problema da superlotação não pode ser pensado somente pelo viés da liberação massiva dos presos, sem análise criteriosa e que desta forma é praticamente impossível falar em ressocialização com unidades superlotadas. “São presos que respondem a dois, três ou até mais processos. Nestes casos, nem o judiciário local solta, nem os tribunais superiores. Lógico que há casos de prisões desnecessárias, mas não é a regra. Penso que, necessariamente, deve se pensar no déficit de vagas, com uma política de ampliação do sistema. Combate à desigualdade social, com investimento em educação e geração de emprego, é o óbvio para a ‘virada de mesa’ dessa situação. Tem que ser feito sim, mas o resultado não é imediato. No presente momento, tem que se pensar na ampliação do sistema prisional alagoano e julgamentos céleres”. Questionado se a Defensoria Pública tem alguma ação em andamento para que o Judiciário seja mais célere nos julgamentos, Ricardo Melro informou que já houve uma reunião para organizar um mutirão de julgamentos, pois há vários casos que, se os réus forem condenados, a pena a ser imposta será cumprida no regime semiaberto ou aberto, de modo que o réu deixará a prisão. Seris garante diversas práticas de ressocialização no Estado A Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (Seris) defende que são muitas as práticas ressocializadoras desenvolvidas no sistema prisional alagoano, a exemplo do que acontece no Núcleo Ressocializador da Capital (NRC), onde todos os reeducandos estudam e trabalham, cumprindo, ainda, uma série de atividades diárias. “O NRC dispõe de toda a estrutura necessária à plena recuperação do reeducando, disponibilizando até oficina de musicoterapia. Para ingressar no núcleo, todos precisam se submeter a um processo de seleção, dividido em cinco etapas e realizado por equipe multidisciplinar composta por psicólogo, assistente social e assessor jurídico, além da diretoria de inteligência da Seris e do subchefe de cada unidade prisional”. Segundo a Gerência de Educação, Produção e Laborterapia da Seris, mais de 500 reeducandos estão inseridos em cursos como o de educação básica (EJA presencial), supletivo online e ensino superior à distância. Há, ainda, os cursos profissionalizantes (de corte e costura, por exemplo), além de dezenas de projetos, como o “LÊberdade”, que proporciona a remição da pena por meio da leitura e o De Olho no Óleo, com os reeducandos produzindo saneantes utilizados, inclusive, no próprio sistema prisional. “Existe ainda um Termo de Cooperação para incluir cerca de 200 reeducandos, que cumprem pena no Estado, no corpo de funcionários das empresas do Núcleo Industrial Bernardo Oiticica”. CONTESTAÇÃO No entanto, o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Alagoas (Sindapen), Petrônio Lima, já chegou a dizer à reportagem da Tribuna que a realidade de todas as unidades prisionais alagoanas é caótica. Ele acredita também que dentro do sistema prisional alagoano o índice de ressocialização não chegue a 10%. “O cara que nunca teve disciplina na vida, que nunca foi para um colégio e nunca chamou um professor de ‘senhor’, ele vai ter que ter disciplina ali no sistema. Quando falo disciplina, me refiro às coisas do dia a dia, de cumprir suas tarefas, seus deveres, para ter seus direitos. E o sistema prisional, do jeito que está, não vai ressocializar ninguém. Não tem agente para levar o preso ao trabalho; para atender seus familiares. Não há gente para fazê-los cumprir seus deveres e para lhes garantir os direitos. Temos um núcleo ressocializador que é um modelo copiado da Espanha e ele é detentor de prêmios nacionais. Lá, a ressocialização é quase 100%. Mas atinge pouca gente. De 4.900 presos, o núcleo tem 150 mais ou menos. Parte disso é por causa das regras, já que é preciso querer ir. Não pode ser obrigado”, argumenta. SEM RESPOSTA A reportagem da Tribuna também procurou o Tribunal de Justiça de Alagoas para entender o motivo de o sistema prisional alagoano contar com a maioria de presos provisórios, bem como sobre a demora no julgamento dos processos. Também buscamos saber se o Poder Judiciário considera preocupante ter mais de quatro mil detentos à espera de julgamento, além de outros questionamentos, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.