Política

“Bolsonaro comete erros sucessivos"

Para cientista política Luciana Santana, o atual contexto político do governo demonstra inabilidade do presidente

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 25/05/2019 08h56
“Bolsonaro comete erros sucessivos'
Reprodução - Foto: Assessoria
Em cinco meses, o governo Jair Bolsonaro (PSL) tem se mostrado mais atrapalhado do que até mesmo os mais críticos esperavam. São derrotas sucessivas no Congresso Nacional, desprestígio internacional, apoiadores brigando entre si e abandonando a nau governista. Enfim, um cenário tragicômico, ao menos na política. Para Luciana Santana, cientista política da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a inabilidade é predominante no atual governo. Tribuna Independente – A gente tem visto um bate-cabeça do Governo Federal na articulação política, exemplos recentes esse ato para este domingo no qual o presidente convoca e depois desconvoca, a última ida aos Estados Unidos sem ninguém convidar e as sucessivas derrotas no Congresso. O governo bate muita cabeça mesmo ou a imprensa tem aumentado as cois Luciana Santana – Em relação à imprensa, ela sempre teve esse papel. Não é novidade que o aquilo que é mais evidente nos governos acaba tendo mais repercussão. Isso ocorreu com todos os governos. E é necessário que a imprensa funcione adequadamente numa democracia. Sobre o governo, o que a gente vê nesses cinco meses são erros sucessivos. Existia uma expectativa muito grande em relação a esse governo – tanto que o Bolsonaro teve uma votação expressiva – de que fosse uma mudança política e que houvesse proativismo, crescimento da economia e diminuição do desemprego. Era muito isso que se esperava e, claro, junto a isso um antipetismo e o receio de que o nome do PT vencesse. Mas eu nunca vi na história política brasileira tantos erros sucessivos, tantos recuos sucessivos, uma falta de habilidade política, de negociar... Agora há uma criminalização da política. A arte de negociar, da barganha, que é inerente à política, vem sendo criminalizada como se fosse algo negativo e que todo esse ‘toma lá, dá cá’ se revertesse em corrupção. Práticas de corrupção ocorrem e isso não é novidade. Na verdade, desde o Império para o brasileiro isso é uma constante. Ou seja, não há nada de novo sobre esse tema, talvez o fato de desde os governos Lula [PT], os órgãos de controle passaram a efetivamente ter protagonismo. Casos de corrupção têm vindo mais a público. Voltando ao governo Bolsonaro, exemplos que a gente tem apontam para instabilidade política e ingovernabilidade. Esse tipo de comportamento, de tomadas de decisão, de achar que o Congresso não precisa referendar, ou de negociação. Tribuna Independente – E que tipo de consequências esse tipo de comportamento pode gerar ao governo Jair Bolsonaro? Luciana Santana – A própria ingovernabilidade. Não conseguir arredar o pé do lugar. Temos visto isso muito, pastas que são extremamente importantes, muito sensíveis à população, estão sendo extremamente ridicularizadas. Chega um ponto... A Educação que tinha de ser uma pauta priorizada, já que impacta as demais, como Ciência e Tecnologia, economia, estrutura, o governo tem apresentado como algo extremamente ideológico e que poder ser... [O governo] É extremamente panfletário. Talvez se a Educação superior tivesse ido mesmo para a Ciência e Tecnologia, talvez tivéssemos menos problemas. Isso é apenas uma hipótese, não sei. A gente não vê, por exemplo, o Marcos Pontes [ministro de ciência e Tecnologia] bem quieto. Tribuna Independente – Nessa forma de lidar com as coisas, tem surgido aqui e ali, falas de insatisfação dos militares e eles têm muito peso no governo Bolsonaro, tanto que há mais ministros desse setor do que havia na ditadura. Acredita que os militares podem se assanhar, a partir desse desgaste do governo, a ocupar o poder e tirar o Jair Bolsonaro ainda mais depois de terem dado uma “refinada” no general Mourão (PTRB)? Luciana Santana – Na conjuntura atual tudo é possível. Os militares nessas últimas décadas – no pós-ditadura –, a gente viu um refinamento da cúpula militar. Ela ficou mais resguardada, saiu dos holofotes e se formou muito bem, com quadros muito bons, e também aderiu mais às regras democráticas. Tanto é que quando se chamavam por intervenção militar, eles ficaram bem quietos e moderados. ‘Olha existe uma Constituição e as Forças Armadas têm um papel muito delimitado’. Esse fato da ampliação da presença dos militares no governo, eu acredito que foi uma forma de o Bolsonaro buscou para tentar se resguardar. ‘Olha, os militares estão comigo, então eu posso fazer qualquer coisa’. Só que isso tem gerado insatisfação e a gente tem essas intervenções inconvenientes do Olavo de Carvalho e de vários simpatizantes que estão dentro do governo e acabam difamando os militares. Isso cria acirramento, mas não acredito em tomada do poder pelos militares. Mas acredito que eles não estarão dispostos a tentar salvar a pele do Bolsonaro se a situação chegar ao limite. Tribuna Independente – E com relação ao ato deste domingo, inflado pelo Jair Bolsonaro e seus filhos, mas depois recuos após militares e civis do governo se manifestarem contra a pauta, de que “não é hora de ir para rua defender o Bolsonaro, já que ele é recém-eleito”. Que desdobramentos esse ato pode ter, em sendo participativo ou com pouca adesão? Luciana Santana – Antes de tudo, eu quero dizer que todas as manifestações políticas são importantes e legítimas. Porém, é preciso ver o espírito e o que gerou as de domingo, que foram temas extremamente antidemocráticos e graves em relação à democracia. Fechamento de Supremo Tribunal Federal [STF], invasão e fechamento de Congresso Nacional são atitudes extremamente antidemocráticas. Essas instituições, queira ou não, por mais problemas que tenham, estão funcionando e são elas que garantem a consolidação do Estado de Direito no país. O primeiro erro é esse e seguido pelo próprio presidente, o que é gravíssimo. Um presidente divulgar esse tipo de ato em suas redes sociais é muito grave. Com relação aos recuos é natural que o faça, pois só consegue fazer autocrítica bem depois e, mesmo assim, com muito convencimento. Acho que o ato em si já ocorre de forma desgastada. Então, independente de ter ampla participação ou não, ele já é um movimento fracassado porque conseguiu desunir sua própria base, cuja parte acreditava que era para defender o governo – e muitos já disseram que não vão participar, como a Fiesp. E se for com pouca adesão, realça a falta de apoio. De qualquer forma, mostra um desalinhamento da base do Bolsonaro com a democracia. Por mais que eles mostrem que a pauta agora é a defesa do governo ou da reforma da Previdência, a gente não sabe ao certo se quem está ali para uma coisa ou outra. Tudo pode acontecer e algo vir contra o próprio Bolsonaro porque o Congresso também vai sentir isso e vai atacar diretamente, exercer seu papel de se defender e tomar para si pautas... De todo jeito, esse ato é fracasso.