Política

“O Estado deve cumprir a Constituição”

Defensor público Othoniel Pinheiro sofreu críticas e ataques ao cobrar que presos não fossem expostos em coletivas de imprensa

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 04/05/2019 12h09
“O Estado deve cumprir a Constituição”
Reprodução - Foto: Assessoria
Em 2017, o Judiciário alagoano proibiu que órgãos de segurança exponham – ou oportunizem a exposição – presos provisórios à imprensa. A ação, assinada por Othoniel Pinheiro, foi impetrada pela Defensoria Pública Estadual depois de uma série de reclamações de pessoas que passaram a sofrer com a exposição demasiadamente negativa, especialmente aqueles que foram inocentados pela Justiça. Contudo, a decisão foi descumprida a olhos vistos, o que forçou o defensor a exigir sua execução. O caso ganhou notoriedade, inclusive em mídia nacional, com ataques ao autor da ação judicial. À Tribuna, Othoniel refirma seu entendimento de que a exposição dos presos provisórios fere a Constituição Federal. Tribuna Independente – A decisão judicial que proíbe órgãos públicos de expor presos provisórios à imprensa é de 2017 e ela foi motivada por uma ação da Defensoria Pública assinada pelo senhor. O que motivou entrar com essa ação na Justiça? Othoniel Pinheiro – Na época havia chegado à Defensoria algumas reclamações, inclusive de defensores públicos, dizendo que indivíduos mostrados na imprensa foram absolvidos posteriormente. Alguns foram condenados. Todos reclamando da exposição de sua imagem, de estarem sofrendo linchamento social. Principalmente as pessoas que foram inocentadas. Vimos casos, inclusive, de pessoas presas em flagrante, mas que depois foram inocentadas. Então, em novembro de 2016 eu enviei ofício ao secretário de Segurança Pública pedindo esclarecimentos para saber se havia alguma regulamentação dentro da Secretaria para mostrar os presos provisórios à imprensa. O que se fazia à época? Chamava uma entrevista coletiva e a Secretaria apresentava os presos num “paredão”. Daí eu questionei se havia algum regramento para aquilo, quem decidia quem iria ou não para o “paredão” da mídia para ser mostrado como criminoso. Criminoso ou não, quem diz isso é o Judiciário e não a polícia ou o secretário de Segurança Pública. Esse ofício não foi respondido e cerca de dois meses depois eu entrei com uma ação civil pública pedindo essa restrição, pois tudo estava muito desregulamentado. Eu fiz dois pedidos. O primeiro era para proibir a ponta entre Estado, agentes públicos, e imagens de presos sendo apresentados pela imprensa; o segundo – para caso o juiz não acolhesse o primeiro – foi que o preso fosse apresentado se houvesse justificativa do secretário de Segurança. A ação foi contra o Estado e não contra a imprensa, uma vez que o Estado, por meio de seus agentes públicos, deve respeitar o princípio da legalidade, a Constituição Federal, o direito de imagem do preso e a presunção de inocência. Por quê? Por que a partir do momento em que se apresenta um cidadão como suspeito à imprensa, já se faz juízo de valor se ele é bandido ou não. E a polícia não tem competência constitucional para fazer esse tipo de apresentação. Muito menos qualquer tipo de ponderação como “interesse social” ou “interesse da investigação” para apresentar o preso à imprensa. Esse tipo de pensamento é ultrapassado porque é visto como a instrumentalização da pessoa humana e isso viola a dignidade da pessoa humana. E o que é essa instrumentalização? É subordinar a pessoa ao interesse do Estado. Tribuna Independente – Então, o pedido e a decisão judicial foram apenas para que o Estado, os órgãos de segurança, não oportunize as imagens dos presos provisórios, mas se a imprensa conseguir fazê-las por conta própria, tudo bem? Othoniel Pinheiro – Tranquilo. O que não pode haver é essa ligação entre agente público e órgão privado de comunicação. Ou seja, a decisão impede que os órgãos de imprensa façam uso de veículos e repartições públicas para fazer imagens de presos provisórios. Tribuna Independente – O senhor voltou a cobrar seu cumprimento já que ela estava sendo desrespeitada. Por conta disso, tem sofrido alguns ataques e críticas, desde agentes de segurança a repórteres policiais e parlamentares. Qual a sua avaliação sobre essa reação a sua cobrança? Othoniel Pinheiro – É uma reação, contra mim, absurda. Em primeiro lugar, não é o Othoniel que entrou com essa ação, mas a Defensoria. E o Judiciário decidiu. No fundo, eu até agradeceria por ter dado um ponto final a uma coisa profundamente discrepante da Constituição, mas a realidade não é essa. Eu, como agente público, de acordo com o princípio da impessoalidade, exerci meu papel como defensor público e a Defensoria Pública tem a legitimidade legal para entrar com ação civil pública. E eu recebo meu salário para isso. O Judiciário, diferente da política que acata o quer – ao menos deve ser assim – define de acordo com argumentação jurídica da peça inicial. E tudo foi bem fundamentado em relação à legislação, aos direitos da pessoa humana e sua não instrumentalização. Não se pode instrumentalizar a pessoa humana para “fins de investigação”. Olha só, “vamos instrumentalizar o direito das pessoas pelo interesse de investigação”. Aí vai cair o Estado democrático de Direito. Então, quer dizer que polícia pode detonar seu direito individual em nome de uma investigação? Onde vamos parar? Isso é coisa do passado, quando o ser humano era subordinado ao passado. Veja, de uns meses para cá, a gente começa a ver na imprensa o descumprimento da ordem judicial e, infelizmente, partindo de agentes públicos... Tribuna Independente – Se discorda da decisão recorra... Othoniel Pinheiro – Óbvio! Se discorda, recorra da decisão. Argumente. Como sabem que não têm argumento algum, partiram para tentar politizar o debate. Tanto sabem que estão errados, que passaram a descumprir a decisão judicial sem adentrar no processo para debater isso juridicamente. Eles descumprem a decisão judicial e me forçam a pedir a execução. O que eu podia fazer? Se não fizesse isso, estaria prevaricando. E descumprimento de decisão judicial é crime. Agentes públicos descumprindo uma decisão judicial e queriam que eu fizesse o quê? Ficasse parado?