Política

'Tirar demarcação da Funai é retrocesso de 100 anos'

Para antropólogo, dar atribuição ao Ministério da Agricultura é voltar ao início do século 20, com o extinto Serviço de Proteção ao Índio

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 03/01/2019 08h17
'Tirar demarcação da Funai é retrocesso de 100 anos'
Reprodução - Foto: Assessoria
Entre as primeiras ações de Jair Bolsonaro (PSL) na Presidência da República está a retirada das demarcações de terras indígena das mãos da Fundação Nacional do Índio (Funai), agora sob responsabilidade do Ministério da Agricultura. A Medida Provisória 870 é, na prática, uma volta de cem anos nas ações de Estado em relação às áreas destes povos. Para o jornalista e antropólogo Jorge Vieira, coordenador do Núcleo Acadêmico Afro e Indígena (Nafri), do Centro Universitário Cesmac, a medida tem objetivo encerrar as demarcações de terras indígenas no país. “Isso é o que o presidente já havia anunciado: demarcação zero. E ele coloca como ministra da Agricultura uma deputada [Tereza Cristina, DEM-MS] ligada diretamente ao agronegócio. Isso é pôr a raposa para tomar conta de galinha”, afirma. “É um retrocesso para o início do século 20, de 1910, com  SPI [Serviço de Proteção ao Índio] que reservava algumas áreas para liberar o restante das terras para a agricultura. Isso gerou um processo de confinamento da população indígena em pequenas reservas, cerca de 2.800 hectares. É um retrocesso de um século”, completa Jorge Vieira. Em Alagoas, 13 mil indígenas – num total de 23 mil, em 12 povos – aguardam demarcação de suas terras. “Os processos de demarcação em Alagoas estão totalmente parados, como o das terras Kalankó, em Água Branca. A primeira etapa do relatório foi encaminhada para Brasília, mas agora ninguém sabe como se dará. Além de outros sub judice, em que os fazendeiros entraram com ações para paralisar as demarcações. Fora as comunidades em que nem se iniciou o processo de demarcação”, pontua o antropólogo. A Funai foi criada em 1967, mas antes dela o órgão responsável por suas atribuições era o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN) – idealizado pelo Marechal Rondon –, criado em 1910 como parte do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio da época, sob o governo de Nilo Peçanha. Em 1918 passou a ser somente SIP. Na avaliação de Jorge Vieira, já faz algum tempo que a Fundação não exerce suas funções a contento e, agora, vai deixar de existir na prática. “A Funai, e já havia falado sobre isso, era um elefante branco, já não operava como devia nos últimos anos e agora perdeu totalmente seu objetivo”, diz o coordenador do Nafri do Cesmac. A reportagem tentou contatar a Funai em Alagoas, mas ninguém atendeu às ligações. Contudo, em nível nacional o órgão não comentou a decisão presidencial. Para deputado estadual eleito, tema é cercado de hipocrisia   Para o deputado estadual eleito Cabo Bebeto (PSL) há muita hipocrisia nas discussões sobre a temática indígena no Brasil. Em sua avaliação, é preciso garantir a proteção a quem realmente pertence a essas populações, mas é preciso checar índices e que ocorrer atualmente nas reservas já existentes. [caption id="attachment_270290" align="aligncenter" width="640"] Deputado Cabo Bebeto contesta proteção concedida aos povos tradicionais, a exemplo dos indígenas (Foto: Adailson Calheiros)[/caption] “O tema é complicado e cercado de hipocrisia. Eu já fui ao Pará, por exemplo, e vi índios com caminhonetes. É uma proteção merecida, mas a quem tem DNA indígena”, diz o parlamentar. “E vi que o trato deles é apenas com garimpeiros e seringueiros. Essa minha viagem foi há uns oito anos. Acho que essa proteção dada, muitas vezes, deixa dúvidas ao cidadão. Estão protegendo o índio ou o que tem na reserva? Por que ninguém entra ali, ninguém ouve falar ou vê imagem daquilo ali? Será que o índio realmente vive como tal?”, questiona. Em relação ao fato de a ministra da Agricultura Tereza Cristina ser ligada à bancada ruralista da Câmara dos Deputados, Cabo Bebeto contesta as críticas com declarações do presidente Jair Bolsonaro. “Sobre a ministra ser da bancada ruralista, o presidente já falou que quer buscar o equilíbrio entre meio-ambiente e agricultura. ambos têm de ser sustentáveis, ambos têm seu papel social e eles têm de conviver harmonicamente. Eu também penso assim”, diz à Tribuna. Contudo, para ele, a forma como as políticas indigenistas são executadas no Brasil tem ser revista. “O que eu vejo uma proteção exagerada e não acredito em alguns índices que vemos hoje”, afirma Cabo Bebeto. DEMARCAÇÃO ZERO Ainda antes da campanha eleitoral, Jair Bolsonaro defendeu demarcação zero durante um evento no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro. “Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”. Segundo dados da Funai, existem no Brasil 129 processos de demarcação de terras indígenas no país, cuja população é de 120 mil pessoas. A soma dessa áreas é de 11,3 milhões de hectares, a maioria no Norte e no Centro-Oeste. No caso das 436 terras indígenas plenamente reconhecidas – 117 milhões de hectares ou 14% do território nacional –, Jair Bolsonaro defendeu sua abertura para obras como hidrelétricas, ferrovias, estradas e atividades de mineração. Porém, a Constituição proíbe a realização de obras com direto nessas terras.