Política

“Escola sem partido é uma armadilha”

Presidente do sindicato que representa os profissionais da educação em Alagoas, Consuelo Correia acompanha o debate de perto

Por Tribuna Independente com Carlos Amaral 01/12/2018 08h29
“Escola sem partido é uma armadilha”
Reprodução - Foto: Assessoria
O projeto ‘Escola Livre’ aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado (ALE) pode pôr fim à discussão de seu análogo no Congresso Nacional: “Escola sem partido”. O motivo é que a lei alagoana é objeto de ação no Supremo Tribunal Federal (STF) após o Judiciário do estado dar ganho de causa aos professores. O tema entraria em pauta na última quinta-feira (29), mas o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, não o pôs em votação. Por enquanto, vale a liminar do ministro Roberto Barroso que mantém a decisão local sobre o tema. Para Consuelo Correia, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas (Sinteal), o objetivo da lei, “feito por quem não conhece a escola pública”, é “matar no nascedouro o Brasil soberano que surge na escola pública com liberdade”. Tribuna Independente – Por que esse projeto “Escola Livre” ou “sem partido” é nocivo à educação e à sociedade, em sua opinião? Consuelo Correia – Ele traz o nome ‘escola sem partido’, o que não é nada inocente. Ele tenta defender uma escola que não tome partido de alguma ideologia, se aproveitando do momento em que a gente vive para buscar a reação da sociedade em relação a essa temática. As pessoas estão descrentes dos partidos políticos e das instituições, então é uma temática de fácil adesão. Ele é nocivo à sociedade por trazer vários prejuízos à educação e muitas pessoas embarcar nessa armadilha de achar bom não discutir mais política nas escolas. A gente sabe que isso não é verdadeiro. Quando eu digo o que estou pensando, já estou me posicionando favorável a um lado. Não há neutralidade no pensamento. O projeto esvazia [a educação] porque impõe para nós uma escola contra o respeito a quem a frequenta, pois quem vai estar lá são os alunos de escola pública e quem elaborou o projeto são pessoas que nem sequer conhecem a escola pública. Nunca passaram nem na porta, por assim dizer. Querem nos proibir, seres humanos, do que temos direito. De saber as mazelas que acontecem em nosso estado, que não possamos debater os direitos das pessoas, de ensinar, aprender. É isso que eles querem proibir. O respeito ao outro. Discutir a soberania do nosso país, hoje em jogo. Então, impõe para nós uma escola que seja tosca, que seja adestradora. É essa a escola que querem impor. Uma escola que fere a Constituição. No Artigo 206, ela coloca para nós que o ‘ensino será baseado na liberdade de aprender, de ensinar, pesquisar, divulgar o pensamento, a arte e o saber’. O que eles impõem no projeto? Percebe-se que eles tiram o direito da gente de ensinar. Falam no direito de aprender, mas que nós percamos o direito de cátedra, o de ensinar. Já incorre aí esse vício de inconstitucionalidade. Tribuna Independente – Esse projeto tem viés ideológico também. Não é uma contradição de seus defensores combaterem uma suposta doutrinação com outra? Consuelo Correia – Claro que tem viés ideológico e a gente percebe, claramente, que é um viés que impõe uma disputa de currículo escolar. Eles dizem o que é que a escola pública deve ensinar. Ou seja, escola para pobre o ‘deus mercado’ é quem vai determinar o que os alunos da escola pública devem saber. Então, ideologicamente, e culturalmente, eles impõem esse currículo. O atual currículo, que nasceu na ditadura de 1964, já nasce com esse debate. Eles querem nos tirar esse direito de fazer essa discussão n escola.  E isso vem casado com a reforma do ensino médio, que não está descontextualizada desse projeto do ‘escola sem partido’. A base nacional comum diz ser obrigatório hoje apenas as disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa e nossos alunos não precisam saber História, Filosofia, Sociologia ou Ciências. Então só precisa, simplesmente, a ler a fazer contas. Vou revelar uma história: uma coordenadora do Ifal [Instituto Federal de Alagoas] nos disse que ficou estarrecida numa reunião no MEC [Ministério da Educação] que Maria Helena – hoje não está mais no Ministério – disse que ‘os alunos da escola pública, como o Ifal, devem apenas aprender a apertar parafuso para atender ao mercado’. Ou seja, mão de obra barata. É a volta da escola tecnicista, da escola de preencher as lacunas, os espaços, para os alunos não refletirem, não pensarem, não questionarem e tampouco saberem de seus direitos. Tribuna Independente – Em relação à ação que tramita no STF, a do projeto alagoano ‘escola livre’, a senhora avalia que o recente adiamento do julgamento atende aos interesses da bancada parlamentar que apoia o ‘escola sem partido’ para ampliar sua articulação acerca do tema? Consuelo Correia – Certeza. Não temos nenhuma dúvida. Já tem mais de vinte dias que esse processo está em pauta no Supremo Tribunal Federal. Tínhamos a certeza que iam colocar em votação no Pleno da Corte, já que tem uma decisão monocrática do ministro Roberto Barroso, mas para surpresa nossa, no dia anterior, e nós já tínhamos articulado várias universidades, nossa assessoria jurídica, para fazer o debate, a sustentação oral, e na véspera começou a circular nas redes sociais que o tema saiu da pauta do STF. Procuramos saber e verificamos que a ação seguia em pauta. Isso foi feito para desmobilizar e a discussão do assunto, talvez, ocorrer à revelia. Houve uma articulação sim do presidente do STF [Dias Toffoli] para a ação não ser pautada, até porque ele conversou com o presidente eleito [Jair Bolsonaro, PSL]. Daí deixa o assunto para a Câmara dos Deputados votar primeiro o ‘escola sem partido’. Nós sabemos que temos uma Câmara muito conservadora hoje e isso nos preocupa muito. O Supremo Tribunal Federal, em nossa avaliação, se apequenou diante por causa dessa decisão de tirar da pauta o ‘escola livre’. Quero destacar que a lei aprovada em Alagoas não tem vigência por causa da decisão liminar o ministro Roberto Barroso, que segue mantida. Portanto, os professores alagoanos não têm nada a temer, não sofrerão punição alguma – ou mesmo vigilância – por suas aulas. Há essa orientação nas redes sociais, de os alunos filmarem os professores. Recentemente fui a uma escola e uma aluna do terceiro ano estava filmando uma colega. Em outra, os alunos perguntando em quem os professores votam.