Política

Saída de cubanos tende a gerar caos nas cidades

Municípios ainda não enxergam solução para atendimentos em locais distantes

Por Carlos Victor Costa com Tribuna Independente 24/11/2018 08h02
Saída de cubanos tende a gerar caos nas cidades
Reprodução - Foto: Assessoria
Nas últimas duas semanas, o fim do vínculo do governo de Cuba com o Brasil e a retirada dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos, que estavam atendendo nos municípios, principalmente em lugares de difícil acesso e extrema pobreza, deu um tom preocupante à política local. Diante dessa situação o Ministério da Saúde lançou um edital ofertando vagas para médicos substituírem os profissionais cubanos. Em Alagoas, a oferta é de 127 vagas para 45 municípios, com o salário de R$ 11.800,00. Na ocasião, o profissional escolherá o município disponível para a atuação e as atividades nos municípios devem começar a partir de 3 de dezembro. O problema é que parte dos médicos brasileiros que estão se inscrevendo querem atuar em capitais e municípios de regiões metropolitanas. A partir desse contexto, a reportagem da Tribuna Independente entrevistou figuras do estado ligadas à área da saúde, como também repercutiu a situação com um sociólogo. A presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Alagoas (Cosems), Izabelle Pereira foi uma das primeiras a se manifestarem sobre o assunto. Ela destacou a preocupação dos gestores municipais de saúde com a saída dos 127 médicos cubanos dos 47 municípios em que atendiam os pacientes nas Equipes Saúde da Família pelo Programa Mais Médicos. “Esses profissionais estavam em missão no Brasil e é sempre oportuno destacar a importância e a diferença que fizeram na melhoria da organização, do acesso e da qualificação da Atenção Básica nos municípios brasileiros nesses cinco anos do programa”, ressaltou. A presidente do Cosems disse estar receosa com o fato do curto prazo para o preenchimento das 127 vagas, considerando a dificuldade de provimento de profissionais médicos para as regiões de difícil acesso, principalmente nos municípios da zona rural. “Os municípios mais prejudicados com a ausência destes profissionais com 100% das equipes são Jundiá e Belo Monte. Há ainda 18 municípios com mais de 50% das suas equipes compostas por médicos cubanos”. O presidente da Associação dos Municípios Alagoanos (AMA), Hugo Wanderley diz que a saída dos médicos cubanos, de forma “abrupta”, vai trazer um caos social e uma dificuldade para as pessoas mais pobres, pois ficarão descobertas de atendimento. Opção pela medicina chama status e renda   O sociólogo Carlos Martins faz uma análise, a pedido da Tribuna Independente, destacando que neste cenário se apresentam duas culturas muito diferentes. Para ele, o contexto em que é formado o médico cubano é dentro de um sistema de saúde humanitário. “O médico cubano é formado para atender as pessoas que precisam da atuação médica e como distribuição, nesse sentido, o próprio governo faz a repartição dos médicos de acordo com a necessidade da população. No Brasil é diferente, quem opta pela medicina não opta majoritariamente por esse sentimento ético e humanitário. O que move é a renda que a profissão de médico pode proporcionar”, argumenta. Para chegar a essa conclusão, o sociólogo explica que normalmente quem faz medicina é de classe média e alta e são filhos de médicos que já tem certa estrutura econômica. “Então claro que o médico brasileiro, além de estar nesse ambiente confortável, que lhe demande certo status social, ele quer ter um bom salário. Esses dois elementos são os que movem os médicos brasileiros, ao contrário dos médicos cubanos, que são formados dentro de um sistema em que eles são educados, formados neles uma cultura do atendimento e da assistência. Por isso que Cuba criou o médico da família, que se desloca do seu consultório e vai atender a família em casa. Você imagina isso no Brasil?”, indaga. Martins entende que a partir daí, surge a raiva nutrida por parte dos médicos brasileiros aos cubanos. Sinmed diz que é preciso ter condições de trabalho   O presidente da AMA, Hugo Wanderley, destaca ainda que as áreas mais pobres nos municípios alagoanos serão as mais prejudicadas.  “Não será possível, neste momento, que se tenha coberta toda demanda que hoje nós temos. Somente de médicos cubanos que estavam no programa são mais de oito mil. Isso representa o início de um caos social gigante em todo país, principalmente nas áreas mais pobres”. Na avaliação dele, a questão central não é se os médicos brasileiros vão aceitar ir trabalhar em locais que não sejam as capitais e metrópoles, mas sim a falta de efetivo para suprir a demanda deixada com a saída dos cubanos. CONTRÁRIOS Em suas avaliações, tanto o atual presidente do Sindicato dos Médicos de Alagoas (Sinmed), Marcos Holanda, como o que lhe antecedeu, Wellington Galvão, se mostraram contra a vinda dos médicos cubanos, pois segundo eles, esses profissionais não são capacitados para exercer a profissão. De acordo com Marcos Holanda, o médico não irá escolher onde vai trabalhar. Ele acrescenta que o problema é exercer a função e não receber pelo trabalho realizado, como acontece em diversos municípios. “Muitos prefeitos contratavam médicos, prometiam determinados salários, pagavam os meses iniciais e depois começavam a atrasar. Também não aceitamos trabalhar em situações que não tenhamos condições. Não adianta ir para um lugar que não possa solicitar um exame? Um exame de sangue, um exame mais sofisticado”, diz.