Política

'Jair Bolsonaro utiliza a ideologia do cinismo'

Especialistas analisam o discurso do presidente eleito para deslegitimar a imprensa

Por Texto: Carlos Victor Costa com Tribuna Independente 10/11/2018 13h30
'Jair Bolsonaro utiliza a ideologia do cinismo'
Reprodução - Foto: Assessoria
Desacreditar a imprensa que publica uma informação e horas depois o personagem principal da notícia desmente o conteúdo exposto. Essa é a tática do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), que se assemelha a do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Tal medida cria uma relação de descrédito do meio jornalístico perante os seus apoiadores e o que é visto nas redes sociais são diversos ataques e ameaças a jornalistas. Exemplo recente ocorreu quando Bolsonaro, através de um vídeo, anunciou que queria o deputado federal Alberto Fraga (DEM) “dentro do Palácio”. Fraga é condenado a quatro anos por corrupção e usa tornozeleira eletrônica. Após repercussão negativa, o presidente eleito negou nomear para sua equipe “qualquer condenado por corrupção”. Bolsonaro é autor de diversas frases misóginas, homofóbicas e racistas, como diversos vídeos comprovam, mas durante a campanha tentou desmentir e deslegitimar as suas próprias citações, causando por muitas vezes confusões e discussões entre seus apoiadores e críticos nas redes sociais. O professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e doutor em Ciência da Comunicação, Júlio Arantes, explica que Bolsonaro deslocou o debate da política à moralidade, possibilitando o que o filósofo Slavoj Zizek chama de “ideologia cínica”. “Esse tipo de ideologia possibilita que algumas figuras públicas façam declarações que sejam absolutamente verdadeiras do ponto de vista daquilo que eles acreditam. Só que elas soam tão absurdas, às vezes, que as pessoas sequer consideram aquilo como verdade. Então, ele se permite conceder declarações absurdas uma vez que os impactos que isso vai causar naqueles que são críticos a ele, muitas das vezes são de descrenças e isso tem produzido agora algumas situações bem interessantes. Algumas manifestações em redes sociais de eleitores do Bolsonaro dizendo que não gostariam que ele indicasse um político porque foi envolvido em corrupção pode causar decepção, mas não afeta alguma a crença nele. Então, esse tipo de ideologia é cínica, pois você afirma o absurdo que é aquilo em que você acredita, considerando que as pessoas não vão te levar a sério. É desse tipo de cinismo que a gente está falando”, contextualiza o professor universitário. Declarações acabam sendo relativizadas De acordo com Júlio Arantes, uma série de declarações que são dadas por Bolsonaro, e por sua equipe, será relativizada ou desmentida com base numa questão moral. “Isso se reflete nas declarações, por exemplo, do juiz Sérgio Moro quando diz que o deputado Onyx Lorenzoni se desculpou com relação aquilo que tinha feito [praticado o crime de caixa dois]. Então, essa relação de errar e se desculpar está no campo moral e tem uma penetração muito fácil no conjunto daqueles eleitores que, pelo menos uma parte do eleitorado dele, entende algumas partes das questões morais”. O terceiro elemento explicado pelo professor da Ufal é o da relação de Jair Bolsonaro com a imprensa. Júlio ressalta que nesse componente é preciso observar que o presidente eleito soube desarmar o que ele chama de jornalismo hegemônico, o jornalismo declaratório. “Todo mundo já está habituado que o jornalismo brasileiro por uma série de desenvolvimento de relações com o jornalismo norte americano é de pegar declarações das figuras públicas, de políticos que estão no governo ou oposição e usar fragmentos dessas declarações para produzir manchetes e notícias. Isso é muito fácil de observar hoje, por exemplo, é a forma como o Bolsonaro consegue dá uma quebrada nessa forma de fazer jornalismo, na medida em que ele se recusa a participar de determinadas entrevistas, de debates e espaços onde os jornalistas têm mais espaços de intervenção e prefere dá declarações por meio das redes sociais”, argumenta Júlio. Imprensa e oposição ficam neutralizadas Professor e mestre em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas pelo Centro Universitário Tiradentes, Beto Macário também foi consultado pela Tribuna Independente para comentar esse fenômeno reproduzido quase que diariamente por Jair Bolsonaro. Ele explica que desde o início da campanha Bolsonaro vem utilizando as redes sociais para se aproximar de seus seguidores e que essa é uma estratégia muito utilizada com figuras políticas mundiais que usam da contrainformação para deslegitimar a imprensa e consequentemente não ser questionado diretamente sobre suas ações ou escolhas. “Em tempos no qual a informação, seja ela ‘fato ou fake’, esse tipo de iniciativa toma uma proporção emblemática no jogo democrático por desarticular todo e qualquer tipo de iniciativa de sua oposição, surgindo como o pacificador de toda e qualquer tensão que venha a surgir. Sendo assim, em uma única cartada, ele neutraliza a imprensa, desarticula a oposição e aproxima, ainda mais, seus seguidores”, explica Beto Macário. CULPA No tocante a esse debate das notícias falsas, o professor da Ufal, Júlio Arantes também faz ponderações quanto à estratégia de Bolsonaro. Júlio diz que a própria imprensa tem culpa no sentido de as empresas que adotaram esse modelo de jornalismo e que hoje quem paga a conta são os próprios jornalistas que caíram em descrédito junto à população.  “Você consegue produzir uma determinada inversão nesse sentido já que as mídias tradicionais produzem fake news. Então, nós mesmos compartilharemos a nossa informação verdadeira que maioria das vezes é a inversão daquilo que está acontecendo”. Outro ponto levantado por Júlio que assemelha os comportamentos de Jair Bolsonaro e Trump com a imprensa tem a ver com o veto a determinados meios de comunicação em espaços públicos em que os presidentes estejam participando.