Política

Fusão entre Ministério do Meio Ambiente e Agricultura é criticada em Alagoas

Proposta do presidente eleito Jair Bolsonaro gera polêmica e aponta para um descrédito ambiental frente ao agronegócio

Por Carlos Victor Costa com Tribuna Independente 02/11/2018 08h19
Fusão entre Ministério do Meio Ambiente e Agricultura é criticada em Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria
Uma possível fusão entre os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e Agricultura vem gerando críticas dentro da base do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), tanto que o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse na última quarta-feira (31) que Bolsonaro ainda não definiu se vai unir as pastas. O anúncio da fusão feito pelo próprio presidente eleito na última semana causou protestos na Frente Parlamentar da Agricultura, a chamada bancada ruralista, que vê a ideia com desconfiança. Nos bastidores, até aliados de Bolsonaro têm afirmado que a junção desses dois ministérios seria “nitroglicerina pura”. No contexto político, os dois ministérios têm funções quase opostas. O do Meio Ambiente, além de combater o desmatamento e atuar na conservação dos diferentes biomas brasileiros, cuida de questões ligadas ao saneamento, controle da poluição, licenciamento de obras de infraestrutura, como hidrelétricas.  O da Agricultura, por sua vez, é responsável pelo estímulo à agropecuária, ao agronegócio. O enredo também gera repercussões em Alagoas e a reportagem da Tribuna Independente promoveu um debate acerca desta questão dada a sua importância para o debate em um estado com riquezas naturais e que sempre necessita de incentivos para a agricultura. Mestre em Agronomia, Gabriel Faustino entende que a princípio as consequências serão ruins, tendo em vista que o Brasil é um país produtor de commodities agrícolas e possui uma das maiores produções de grãos e de animais. Ficar sem um ministério que tem atrelado a ele agências reguladoras como o ICMBio, Ibama é um risco. “Põe em risco toda a conservação da biodiversidade nos biomas encontrados no nosso país, além do que as ações do MMA vão além das ligadas ao agronegócio. Esse ministério regulamenta a exploração de petróleo, mineração e etc. Sem ele ficará difícil conter o já constante desmatamento na Amazônia, por exemplo. Com o intuito de se produzir grãos e carnes em larga escala para exportação, soará como um salvo-conduto para que se continue a desmatar. Ou seja, é o tipo de corte de gastos que trás prejuízos a curto, médio e longo prazo”, destaca Faustino que também é professor no Instituto Federal de Alagoas localizado no município de Satuba. Davi Maia, defensor do Estado mínimo, diz que medida é tiro no pé   Em Maceió, Davi Maia ganhou projeção quando assumiu a então Secretaria Municipal de Proteção Ambiental (Sempma) e posteriormente a Superintendência de Limpeza Urbana de Maceió (Slum). Sua pauta sempre esteve envolta na defesa do meio ambiente. [caption id="attachment_256389" align="aligncenter" width="750"] Davi Maia sugere a fusão entre Ibama e ICMBio para cortar gastos (Foto: Secom/Maceió)[/caption] Filiado ao Democratas (DEM) e defensor do estado mínimo, Davi foi eleito deputado estadual pela primeira vez com propostas voltadas à temática ambiental. Para ele, a fusão das pastas do Meio Ambiente e Agricultura será “um tiro no pé” da gestão do presidente Jair Bolsonaro. “O Ministério do Meio Ambiente para o Brasil tem uma importância significativa, tanto na questão patrimonial quanto econômica. O MMA é estratégico. O governo erra quando corta porque simplesmente vai deixar o Brasil desguarnecido dessa informação. Imagine só. Hoje, todo mundo briga pela sustentabilidade, os grandes países, os grandes estados. Isso vale recursos, isso gera riquezas para esses estados e essas nações. Daí, decide-se acabar com o nosso maior carimbo que é o meio ambiente. Então, a gente passa para o mundo que nós não temos mais o sistema de proteção, mesmo que isso não seja verdade, mas é informação que passa, é a maneira que passa”, argumenta Maia. Davi Maia ressalta ainda que com a possível fusão do MMA com a Agricultura, a exportação do produto brasileiro para o exterior irá perder o seu valor. “O Ministério do Meio Ambiente não só envolve a agricultura como muitos pensam e querem levar a crer. Não se trata apenas das questões que envolvem o licenciamento ambiental. Hoje, a grande parte da emissão de carbono está nas grandes cidades, a grande parte da poluição está nas grandes cidades, a falta de saneamento, o consumo de energia, o consumo de recursos naturais. É preciso compreender que se houver esta fusão não terá uma preocupação sobre essas questões. As grandes hidrelétricas, por exemplo, não são problemas diretamente da agricultura. É um tema de desenvolvimento. Por isso sou totalmente contra, mesmo defendendo um Estado menor”, declara Maia. O ex-secretário do Meio Ambiente sugere que se o presidente Jair Bolsonaro quiser reduzir custos, busque outra alternativa, a exemplo da fusão do Ibama com o ICMBio, como era antes da gestão do PT na presidência. ”Acabar com o Ministério do Meio Ambiente não é a solução. Conselhos ambientais ficarão enfraquecidos e o MMA não pode estar sobreposto a nenhum outro interesse. O nosso interesse das florestas, o interesse dos nossos recursos hídricos será o maior bem de necessidade. A proteção dos nossos mananciais, das nossas matas ciliares para proteger justamente a nossa produção de água potável”, compreende. Maia faz questão de lembrar que por conta da fiscalização ambiental e dos rigores aplicados, a carne brasileira é uma das mais caras porque conta com certificado em respeito ao desenvolvimento sustentável do país. “MMA e Agricultura são pastas antagônicas” [caption id="attachment_256388" align="alignright" width="300"] Alberto Fonseca: “não é interessante unir fiscalizador com fiscalizado” (Foto: Ascom/MPE)[/caption]   Fundir os ministérios do Meio Ambiente e Agricultura proporciona um debate antagônico por causa dos temas que cada pasta carrega. O entendimento é do promotor Alberto Fonseca, responsável pela Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual (MPE). Fonseca é um dos entusiastas da FPI do São Francisco, iniciativa que coíbe práticas agressivas contra o meio ambiente constatadas nos municípios alagoanos. “Não é interessante unir fiscalizador com fiscalizado, porém nós vemos a existência de outras pastas que tem uma significativa aproximação com a temática ambiental. Nós temos o Ministério das Cidades, que trata meio ambiente artificial, temos a Cultura que trata do patrimônio cultural do meio ambiente cultural, por exemplo. Entendo que o Brasil conta com 29 pastas ministeriais e realmente uma estrutura muito cara e muito burocratizada. O ideal, nesse contexto, seria a fusão do Meio Ambiente com pastas correlatas”. RETROCESSO Na seara política, parlamentares alagoanos que estarão convivendo com as propostas de Jair Bolsonaro (PSL) para aprovações na Câmara Federal, também comentam o imbróglio promovido pelo presidente eleito. Para Tereza Nelma (PSDB), o Brasil levou muitos anos para construir políticas de Estado de proteção ao meio ambiente, mas que elas nunca deixaram de ser atacadas por forças retrógradas, como os madeireiros clandestinos e parte do agronegócio. “Esse imenso retrocesso certamente tem o objetivo de atacar as forças ambientalistas e abrir espaços para investimentos estrangeiros, sem respeitar as obrigatórias licenças ambientais. As duas funções desses ministérios poderiam ser aperfeiçoadas, mas nunca misturadas. O Ministério do Meio Ambiente não cuida apenas para de licenciamentos de atividades agropecuárias. Ele age muito mais nas atividades urbanas, como o licenciamento de atividades industriais, instalação de postos de combustíveis, expansão da produção de energia [principalmente a hidroelétrica]”, considera. Prioridade não será a pauta ambiental O deputado federal Paulão (PT) comentou, em resposta aos questionamentos da Tribuna Independente, que o candidato do partido, Fernando Haddad, já havia verbalizado durante a campanha eleitoral sobre tema da fusão dos ministérios. [caption id="attachment_256387" align="alignleft" width="200"] Paulão ressalta que sociedades avançadas pensam no meio ambiente (Foto: Sandro Lima)[/caption] “Avalio que essa fusão não trará para o meio ambiente questões prioritárias de preservação. Esta fusão apenas fortalece o agronegócio em detrimento da questão ambiental. O Brasil terá consequências na balança comercial. Precisamos compreender que as sociedades avançadas se preocupam com o meio ambiente”, ressalta o parlamentar. NACIONAL O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), defendeu a obstrução de eventual projeto ou medida provisória do governo Jair Bolsonaro para juntar o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) com o Ministério do Meio Ambiente. Os parlamentares ambientalistas informam que, caso não haja recuo na ideia de incorporação, a questão será judicializada. Já a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva classificou como “desastrosa” a decisão do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de fundir os ministérios. Segundo ela, a fusão irá gerar prejuízos ao país. Transmitiria a ideia de que o agronegócio brasileiro “sobrevive graças à destruição das florestas”, o que provocaria o acionamento de barreiras não tarifárias para produtos brasileiros no exterior. CONTRA O Ministério do Meio Ambiente divulgou nota, na última semana, contra a mudança.  “Recebemos com surpresa e preocupação o anúncio da fusão com o Ministério da Agricultura”, informa a pasta. “Os dois órgãos são de imensa relevância nacional e internacional e têm agendas próprias, que se sobrepõem apenas em uma pequena fração de suas competências. Exemplo claro disso é o fato de que dos 2.782 processos de licenciamento tramitando atualmente no Ibama, apenas 29 têm relação com a agricultura”, diz o órgão. (Com agências)