Política

“Armar cidadãos pode aumentar os crimes”

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/AL, Ricardo Moraes, outras políticas podem reduzir violência

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 02/11/2018 07h52
“Armar cidadãos pode aumentar os crimes”
Reprodução - Foto: Assessoria
Das bandeiras defendidas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), o armamento da população esteve entre as que mais tiveram apelo popular, cujo pretexto é o de reduzir a criminalidade. Não é a toa que o gesto de simular armas com as mãos se tornou marca do capitão reformado do Exército. Logo após sua vitória, parlamentares favoráveis ao armamento da população tentam dar prosseguimento a um projeto que flexibiliza o Estatuto do Desarmamento, criado há 15 anos. Para Ricardo Moraes, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Alagoas, armar os cidadãos pode até aumentar a criminalidade. “Para reduzir índices de violência têm várias outras políticas que são necessárias”.   Tribuna Independente – Uma das principais bandeiras da candidatura do presidente eleito Jair Bolsonaro foi o armamento da população para reduzir criminalidade e já existe em trâmite na Câmara dos Deputados um projeto que flexibiliza o Estatuto do Desarmamento. Em sua opinião facilitar que as pessoas se armem vai reduzir a criminalidade? Ricardo Moraes – Não há garantia de que a criminalidade irá reduzir com a liberação do porte de armas. Não vejo essa capacidade de intimidação do meliante. Isso é uma discussão que na academia, entre teóricos e juristas, é muito grande. Vejo como pouco arriscado liberar do porte. Se fosse dada a liberdade a toda pessoa sair portando sua arma, eu, por exemplo, não me sentiria seguro sabendo que várias pessoas nas ruas estão armadas. Às vezes as relações pessoais nos levam a algumas reações de elevação de ânimos que podem gerar complicações. Acredito que a liberação do porte de armas simplesmente não é garantia de redução da criminalidade. Pelo contrário, receio que determinados crimes aumentem ou situações eventuais, que poderiam se resolver de outra forma, acabe se agravando por causa dessa liberação. A redução da criminalidade não passa nem pela segurança pública em si. Para reduzir índices de violência têm várias outras políticas que são necessárias. Tribuna Independente – Parte do pano de fundo desse debate é a escolha dos Direitos Humanos como inimigo comum, sob a alegação de favorecimento ao crime, e o então candidato Jair Bolsonaro afirmou que daria carta branca para a polícia matar. O senhor acredita em investida contra os Direitos Humanos no próximo período? Ricardo Moraes – É um discurso perigoso e meu maior medo é a legitimação que agentes públicos podem ter por causa deste discurso e nem tanto com o presidente em si. Ele, como servidor público, tem de obedecer à lei, a Constituição. Temos tipos penais que não serão retirados da Constituição, a exemplo da tortura. O presidente disse em algumas situações ser favorável à tortura, mas ela não será liberada porque é crime. Se alguém o fizer tem de ser investigado pelo Ministério Público, que é o dono da ação penal, e pelo Judiciário. Não acredito em ingerência, pois há separação dos poderes. Mas que é um discurso preocupante, não nego. Ao tempo que não acredito que isso ocorra porque temos mecanismos de controle. Em relação aos Direitos Humanos, o que mais percebo, é que a postura de muito defensor dos Direitos Humanos faz as pessoas acharem que isso é para bandido. Essa, infelizmente, é uma ideia que a sociedade tem. Os Direitos Humanos são, como diz Hannah Arendt, é o direito a ter direitos. Ninguém pode ser contra os Direitos Humanos porque eles estão postos na legislação e ordenamento. Tribuna Independente – O que se tem dito na imprensa nacional em relação ao Estatuto do Desarmamento é a redução da idade mínima para aquisição de uma arma, de 25 para 21 anos, anistia para quem possui armas ilegais e facilitar os requisitos gerais para quem quiser se armar já para o fim deste ano. Como o senhor analisa essa discussão, isso pode desdobrar para uma liberação geral do armamento? Ricardo Moraes – Acho que regula algumas situações que já deveriam ter sido reguladas. Há algumas categorias que lutam para ter porte. Por exemplo, os advogados. Se o advogado passar por determinada circunstância, se for ameaçado, ele pode fundamentar sua necessidade, mesmo hoje, de ter uma arma. Eu passei por uma situação na qual poderia ter solicitado o porte de arma, mas não quis. Acho melhor estar desarmado porque – apesar de ter autocontrole emocional muito bom – quero evitar que numa situação de descontrole, se estiver armado possa fazer uma coisa que venha me arrepender depois. A modificação maior seria para adquirir a arma e possuí-la, não portá-la. O que a gente percebe é que o projeto trata do tema para que se tenha arma em casa ou no estabelecimento comercial ou empresarial. Nesse ponto sou de concordar que isso pode trazer mais segurança na sua casa ou no local de trabalho. Porque quem é infrator da lei, com certeza, se ele sabe que você está armado, vai pensar duas vezes antes de entrar em sua casa. Tribuna Independente – Tivemos tempo para medir, de verdade, os efeitos do Estatuto do Desarmamento, para dizer se deu certo ou errado? Ricardo Moraes – Temos 15 anos de Estatuto do Desarmamento e, queira ou não, nesse período a criminalidade aumentou. Mas as densidades demográficas das cidades também cresceram e com elas as periferias e tráfico de drogas, mais de 90% das mortes têm a ver com o tráfico de drogas ou crimes que se relacionam com isso. É bom que se abra a discussão, que se façam audiências públicas para a sociedade opinar porque terão várias opiniões favoráveis a flexibilizar a legislação, assim como contrários. E de gente abalizada. Mas esse momento pós-eleitoral é muito instável. A sociedade nesse afã por segurança e o Jair Bolsonaro entrou nessa onda como militar, ela precisa de muito de estabilidade social. O clima de insegurança é muito grande porque a criminalidade cresceu de forma desmedida e acaba levando ao descrédito as instituições. O Estado não conseguiu responder ao anseio da sociedade de combater a criminalidade. O Estado toma para si o anseio de punir, mas seu aparato não foi suficiente. Tanto é que os recentes justiçamentos, onde se veem as pessoas matando e linchando, com a população armada será muito mais perigoso. Por isso, sou totalmente contra a liberação do porte de arma, exceto para quem trabalha na segurança pública ou se se comprovar a necessidade por causa de risco.