Política

Produção científica consegue avanços

Reitora da Universidade Federal de Alagoas fala sobre a SBPC e diz que a comunidade científica busca mais investimentos para a área

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 28/07/2018 10h14
Produção científica consegue avanços
Reprodução - Foto: Assessoria
Alagoas sedia, pela primeira vez, uma Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – sua 70ª edição – e traz à tona o debate acerca da produção científica no país. A organização do evento ficou a cargo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), cuja reitora Valéria Correia falou à Tribuna Independente que a comunidade científica está preocupada com o atual momento da área. “Um país que se quer soberano tem de investir em pesquisa”. Tribuna Independente – O Brasil tem se destacado nos últimos anos em Ciência, Tecnologia e Inovação. A senhora, em carta à SBPC, apontou que o país estava em 13º no ranking mundial [Thomson Reuters e Unesco], mas que o orçamento das universidades para investimento está em 90% do que o de 2014. Que riscos essa política de retirada de recursos geram ao país? Valéria Correia – Dizer que o Brasil, entre as nações, está no 13º lugar em produção científica é fruto do trabalho das universidades nos últimos anos. Tínhamos uma posição de 23º e passamos para a atual. Mas ainda temos pouco investimento em P&D [Pesquisa e Desenvolvimento]. Ou seja, as empresas daqui, diferente de outros países como a Coreia do Sul ou os Estados Unidos, não investem em pesquisa como deveriam. Então, são recursos públicos que sustentam esse ranking. É importante destacar que as universidades públicas – seja federal, estadual ou municipal –, junto com os institutos públicos de ciência e tecnologia e da área de saúde, como a Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz], são responsáveis por mais de 90% da produção científica do país. E aí, quando um país bastante relevante deixa de investir em ciência e tecnologia, e nas universidades, ele aponta para a falta de soberania, para uma subalternização da economia e da política às grandes nações, ao imperialismo. Para citar Florestan Fernandes, caminha-se para o aprofundamento de um capitalismo dependente e para a negação da soberania de um país. Se um país não produz ciência, seu desenvolvimento – seja social ou econômico – fica submetido ao comando internacional e, principalmente, ao mercado financeiro. Nesse debate, as universidades são responsáveis por descobertas importantes. No campo do petróleo, o pré-sal, por exemplo. Ou a associação do zika vírus à microcefalia. Isso é produção científica da Fiocruz e das universidades. Tribuna Independente – Isso tem sido uma preocupação predominante nesta reunião da SBPC? Valéria Correia – Tem sido. O próprio tema da Reunião, ‘Ciência, Responsabilidade Social e Soberania’, desperta o valor da produção científica, sua função social – e das universidades – e da soberania. Um país que se quer soberano tem de investir em pesquisa, no conhecimento e na educação pública, seja ela básica ou superior. Esse tema tem se sobreposto e foi transversal em todos os discursos da mesa de abertura da 70ª Reunião da SBPC. Além da necessidade do marco civil da ciência e tecnologia ser colocado em prática. Entreguei ao ministro Gilberto Kassab [Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações] um documento produzido pela Andifes [Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil], chamado ‘Educação para democracia e o desenvolvimento’ e solicitei que ele fosse protagonista do investimento em ciência, tecnologia e inovação e do retorno do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. De fato, esse tema ter perpassado todos os debates da SBPC. Tribuna Independente – Em seu discurso na abertura da 70ª Reunião da SBPC, a senhora falou em criminalização da ciência, citando como exemplo o caso do professor Elisaldo Carlini – da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) –, chamado a depor na polícia por realizar estudos com maconha. Até que ponto há essa criminalização da ciência? Valéria Correia – Elisaldo Carlini está com 89 anos de idade e é professor emérito da Unifesp. É pesquisador associado à ONU sobre farmacologia e a cannabis sativa, a maconha. Suas pesquisas são utilizadas no mundo inteiro, com destaque para o tratamento da epilepsia e doenças raras. Enfim, ele um nome consagrado. De seus quase 90 anos de idade, 50 foram dedicados à pesquisa. E em fevereiro deste ano, ele realizou um evento sobre suas este tema [uso medicinal da maconha], mas foi proibido de entrar no evento que coordenava e levado para depor por ‘apologia às drogas’. O citei como exemplo por causa do processo que a gente está vivendo, não só com os movimentos sociais, mas há também uma criminalização da ciência. Vivemos um tempo de ascensão do conservadorismo na sociedade com exemplos concretos. Também citei um professor da Fiocruz, do Ceará, numa audiência pública apresentou dados sobre os efeitos negativos ao meio ambiente, e à vida das pessoas, do uso sem controle de agrotóxicos. Ele responde a processo de uma federação ligada ao agronegócio do seu estado por publicar dados num relatório do Ministério da Saúde. Então, você veja como as coisas se invertem. Existe uma lei tramitando que proíbe associar agrotóxico a veneno e uma que dificulta a venda de produtos orgânicos, fruto da agricultura familiar. Esses processos de judicialização da ciência não são imparciais, diante do grande desfinaciamento da ciência e das universidades. Tribuna Independente – Numa outra entrevista sua à Tribuna, em setembro de 2017, havia a preocupação de a Universidade parar de funcionar. Como está a situação da Ufal? Valéria Correia – Primeiro quero dizer que não é só a Ufal, e sim todas as universidades federais passam por essa dificuldade. A gente assumiu [a Reitoria] no final de janeiro de 2016 e a Universidade estava com muitas dívidas e com contingenciamento de recursos. Mas a gente tem feito um esforço, para além, eu diria, do excepcional, e temos conseguido concluir as obras. Terminamos mais de dez e as demais – treze – estão atrasadas, mas não paradas. Com os parcos recursos que chegam a gente tem conseguido administrar e não fomos atingidos – ainda – no item obra. Agora, quando o cobertor é curto, a gente tem de ter prioridades e as nossas são as bolsas estudantis – muitos estudantes dependem delas, inclusive, para sobreviver – e os terceirizados porque são pessoas que não tiverem seus salários em dia deixam e pagar o aluguel e comer. Depois a energia elétrica, pois sem ela a gente não funciona. E só então as obras, para que não parem. E temos conseguido, mas com atraso. A gente não deixa de pagar bolsas para pôr em obras, nem deixar a universidade parar de funcionar. Por isso o atraso nas obras. A preocupação dos reitores este ano é que tivemos uma recentralização dos recursos de investimento, que são justamente para obras e equipamentos. Somado a isso há a Emenda Constitucional 95 [congelamento de investimentos por 20 anos]. Essa recentralização de recursos no Ministério da Educação nos tirou a autonomia financeira, o que faz que a gente peça a Brasília o dinheiro para as obras e equipamentos. A universidade paga a folha de seus servidores ativos e aposentado. Isso consome cerca de 85% dos recursos de custeio e o Governo Federal esta reduzindo as demais rubricas, como a de investimento. Ou seja, novas obras não vão existir nas universidades, assim como novos equipamentos para os laboratórios, principalmente os da expansão universitária. Sobre a rubrica custeio, vou citar o exemplo do nosso complexo esportivo que ainda será inaugurado. Como vamos mantê-lo? São quilômetros de extensão e é preciso pessoal para isso. Seja para limpeza ou segurança. Nós expandimos a Ufal, mas não teremos gente para cuidar disso sem recursos. E não teremos porque tudo foi congelado por vinte anos. Em longo prazo, alguns setores terão de parar de funcionar para poder pagar as contas. Ainda por cima tem contingenciamento de recursos. Ao invés de aumentar as vagas, como previsto no Plano Nacional de Educação, teremos de fechá-las. Hoje nós brigamos para manter os recursos. Veja a que ponto chegamos. As universidades públicas são hospitais, museu, arte, escritório modelo [Direito], clínica odontológica, pesquisa, pós-graduação, complexo esportivo. A gente é muito mais que sala de aula. E temos de ser tudo isso ensinando.