Política

“Teto de gastos” atinge saúde e educação

Em vigor desde janeiro deste ano, PEC de Michel Temer já pode ser sentida na economia brasileira e breca desenvolvimento

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 14/07/2018 10h30
“Teto de gastos” atinge saúde e educação
Reprodução - Foto: Assessoria
Promulgada em dezembro de 2016 e em vigor desde janeiro deste ano, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 – ou 55 – congela investimentos públicos por 20 anos, corrigidos apenas pela inflação. Para o economista Cid Olival, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), seus efeitos da chamada “PEC dos Gastos” já podem ser sentidos na economia brasileira, especialmente nas políticas sociais e nas áreas da educação e saúde. Segundo ele, o Estado brasileiro está perdendo sua capacidade de promover desenvolvimento econômico. Tribuna Independente – Temos 18 meses e promulgação da “PEC dos Gastos” e ela está em vigor desde janeiro deste ano. Já é possível sentir seus efeitos? Cid Olival – Sim. Na medida em que o Governo Federal, desde 2016, vem fazendo esforço para que a PEC seja cumprida, ele já reduz a possibilidade de aumento de seus gastos, o que impulsionaria como política anticíclica como forma de promover crescimento econômico. Então, ele já reduz essa capacidade de gasto e, consequentemente, reduz a capacidade de intervenção do Estado na economia. É nítido que os setores mais atingidos neste momento são as políticas sociais, além de gastos fundamentais da economia como saúde e educação. Quando se promulga a PEC, se fez sob o argumento de que saúde e educação serão exceções, quando na verdade não são. O que tem de fato – e concreto – é que setores como saúde e educação serão sim atingidos fortemente com redução de recursos. E aí o que eu fico pensando é: no Brasil temos a falácia de que há prioridade de investimentos com educação para que revertamos a situação da economia do país e tenhamos uma população mais educada e com melhores condições de atuar na sociedade, inclusive, no setor produtivo. Isso é uma grande balela. A PEC do teto dos gastos vem mostrar isso. O discurso é de que educação é fundamental para a economia, mas a prática é o corte de recursos deste setor. Tribuna Independente – A PEC foi promulgada como um diferencial para a saúde e para a educação. A primeira teria garantido 15% da Receita Corrente Líquida do país e a segundo o Fundeb. Isso é insuficiente? Cid Olival – É. Sobretudo porque a cada dia a gente tem muito mais evidente que esses setores precisam de investimentos maciços. Você tem o aumento vegetativo da população, o que, inevitavelmente, se precisa de investimento pesado para que estes serviços atendam a essa população. O que é mais grave é que quando cortam recursos nesses setores, a população mais atingida é a mais pobre que não tem condições de pagar um plano de saúde ou ter acesso à educação privada. Eles dependem, fundamentalmente, do setor público para ter processo de formação e cuidados com a saúde. E isso é completamente descartado. A gente tem um problema muito grave, ao longo do tempo, inclusive. Na medida em que reduzo recursos para educação e saúde, vou ter daqui a algum tempo uma população mais doente e menos alfabetizada. Quando a gente pega nossos índices educacionais e comparara os de outros países, vemos que estamos muito aquém. Então, em vez de reduzir recursos a esses setores é preciso aumentá-los. Tribuna Independente – E em Alagoas, que áreas sofrem mais com a “PEC dos Gastos”? Há alguma específica ou segue o padrão nacional? Cid Olival – Alagoas é um caso muito particular porque nós temos um estado cuja renda média é dois salários mínimos. Trata-se de uma população com recursos muito baixos para poder investir em alguns setores e ainda é muito dependente transferências governamentais e de programas sociais. Na medida em que o Governo Federal corta recursos dos dois setores que falei [saúde e educação] e de programas sociais, a gente entra num processo de redução de gasto, de consumo e de crescimento econômico do estado. A população não tem renda suficiente para adquirir bens e serviços. Junta com tudo isso, quando o Estado faz uma política dessa, a própria contração da atividade econômica – porque ele deixa de gastar –, então há menos recursos na economia. Você cria uma situação de aumento do desemprego e, consequentemente, se entre num ciclo vicioso: reduz volume de gasto, reduz emprego e renda, e a população fica muito mais refém dos serviços públicos. Com corte de gastos, não tem como avançar. Tribuna Independente – O Governo Federal tem usado muito os índices de inflação como sinal de acerto de sua política econômica, mas se o consumo está diminuto a tendência é a produção diminuir, uma vez que se deixa de comprar e se diminui o aumento dos preços.  Até que ponto esses índices inflacionários são positivos, trata-se de meia verdade? Cid Olival – É meia verdade e eu diria que é uma grande mentira. O que o Governo Federal tem feito ao utilizar o argumento da inflação é impedir que se faça política anticíclica e promova crescimento econômico. O argumento de que com estabilidade econômica a gente vai ter crescimento. Isso não está provado, de que a estabilidade, por si só traz crescimento. Pelo contrário, o que temos visto é que apesar dos baixos índices de inflação a gente não tem avançado na atividade econômica. Temos tido crescimento medíocre. Quando o governo deixa a econômica atrelada apenas à inflação, ele se esquece de outras coisas. Por exemplo, condena-se o gasto de forma exagerada, mas acontece ele também gera receita para o governo. Então, é uma falácia atribuir acerto na economia apenas à inflação. Tribuna Independente – E essa política de abertura de setores estratégicos do país ao setor privado – pré-sal, energia –, isso também atinge a produção de riqueza no Brasil? Cid Olival – Agrava. A gente está fazendo abertura de setores estratégicos e, como o próprio nome já diz, por serem estratégicos eles deveriam ficar sob guarda do Estado nacional. A geração de riquezas é vazada para outros países e, além disso, o Estado perde capacidade de fazer política de desenvolvimento econômico. Há um grande elemento que o Governo Federal esconde sempre. Quando ele faz venda de patrimônio público, no fundo, se quer arrecadar mais para pagar juro da dívida pública. No fundo, é uma medida emergencial para que se possa dizer que tem aumento de arrecadação, para poder honrar compromissos de pagamento de juro de dívida. Isso, na verdade, não resolve o problema. Pelo contrário. Se a gente pega os principais países, alguns deles têm estatizado empresas. Mais que isso. Você precisa de setores estratégicos para fazer política econômica. Sem isso você não consegue. Um exemplo bom, num período recente, é a própria política de preços de combustível que a Petrobras vem adotando, em que se acompanham as flutuações de mercado. Ora, não tem como fazer uma política desse tipo porque você causa instabilidade econômica significativa para o próprio desenvolvimento da economia do país. Você não pode acordar um dia com o preço do combustível baixo e no dia seguinte se ter um aumento significativo. Você não gera dentro da economia a capacidade de fazer cálculos e previsibilidade para atividades de investimento econômico. Isso é muito ruim.