Política

'Jornadas de Junho' deram viabilidade a Jair Bolsonaro

Manifestos ocorridos em 2013 acabaram culminando em um reduto eleitoral para ser usufruído pela ideologia de direita

Por Texto: Carlos Amaral com Tribuna Independente 23/06/2018 10h11
'Jornadas de Junho' deram viabilidade a Jair Bolsonaro
Reprodução - Foto: Assessoria
As “Jornadas de Junho” completam cinco anos este mês. O que começou com protestos contra aumento de passagem do transporte público em São Paulo, acabou por se tornar o período recente com as maiores manifestações de rua do Brasil. Dali os ânimos das eleições de 2014 se acirraram como nunca e a presidente eleita foi afastada do cargo. Seus reflexos são vistos até hoje, com destaque ao surgimento de uma “direita raivosa”, por assim dizer, o que deu capilaridade para a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República. Essa é a avaliação do sociólogo Carlos Martins. “Aquelas manifestações desencadearam uma construção de identidade de um setor que agora diz ‘eu sou de direita’”.   Tribuna Independente – Este ano as chamadas “Jornadas de Junho” completam cinco anos, que começou com uma questão pontual – aumento de passagem de ônibus – em São Paulo  e desdobrou para mega atos em todas as capitais brasileiras. Que avaliação o senhor faz do saldo daquelas manifestações, elas fizeram bem ou mal à democracia brasileira? Carlos Martins – É difícil afirmar porque todo processo social é multifacetário. Se teve naquele momento a participação nas ruas de uma juventude que, até então, não sabia o que era ir para a rua, fazer manifestações. Se tem o perfil de população ali que não é a daquela juventude tradicionalmente de rua, de construir protestos. Também se teve ali, para trabalhar num sistema binário, dois segmentos com paradigmas ideológicos diferentes, contrários [direita e esquerda]. Tinha ali setores de esquerda, que tradicionalmente compunha manifestações de rua como o movimento estudantil. Se aumenta passagem, movimento estudantil vai para a rua. Mas tinha ali um contexto político relacionado com processos eleitorais e com a polarização muito evidente de dois grupos políticos [PT e PSDB]. Nesse sentido, estava muito claro, ali, que aquelas manifestações não foi uma luta por avanços sociais. Havia também ali uma manifestação muito clara de manutenção de status quo. Como consequência, do ponto de vista dos movimentos sociais tradicionais, encontramos hoje é outro segmento de jovem, de direita. Claro que aquilo não nasceu ali, mas se pegarmos como referencial histórico, aquelas manifestações desencadearam uma construção de identidade de um setor que agora diz ‘eu sou de direita’. Tribuna Independente – Tirou-se a “vergonha” de se afirmar como de direita? Carlos Martins – Tirou. O que antes estava enclausurado, com certo temor de se afirmar de direita, agora não mais. Agora esse pessoal bota a cara na rua. Esse tecido social vai produzir – e a internet é espaço fundamental para a saída do casulo desse pessoal porque eles começam a se perceber – e se constrói uma identidade a partir de um inimigo comum: a esquerda e os debates transversais como racismo e feminismo, tratados como ‘mi mi mi’. Constroem um discurso que monta uma identidade em torno desses grupos. Aquelas manifestações foram boas? Sim, em certo aspecto. Você tem ali participação do movimento estudantil tradicional, e de outros movimentos. Também foram ruins? Foram, porque aquilo deu um ‘start’ para uma direita que, até então, nós não tínhamos. E esse tecido social vai dar legitimidade para a candidatura presidencial do Bolsonaro [PSL], por exemplo. Tribuna Independente – E que mudanças, o senhor avalia que aquelas manifestações geraram no sistema político brasileiro, ou nas correlações de força? Ou a política só ficou mais moralista? Carlos Martins – Acho que algumas foram intensificadas. Elas já existiam, mas ganham corpo e começam a dizer ‘somos um organismo’. É impressionante. Participo de um grupo no WhatsApp sobre política e nele ex-gestores e ex-parlamentares, e tem uma senhora que faz um discurso radical de direita impressionante. Ela, de São Paulo, fala com uma convicção. Seu discurso é antigo, sobre o comunismo. Mas para ela, o comunista no Brasil é o Michel Temer [MDB] ou Eduardo Cunha [MDB]. Ela associa comunismo com corrupção. Para ela, a corrupção no Brasil é produzida pelos comunistas. É esse perfil o do militante de direita no Brasil e é consequência da falta de leitura do brasileiro, da falta de informação. Que é leitor de manchete. Aí, do ponto de vista da disputa eleitoral, você tem o surgimento do Bolsonaro. Esse sujeito que antes ‘guardado’, porque ele sempre existiu, foi vereador no Rio de Janeiro... Tribuna Independente – Grosso modo, as “Jornadas de Junho” produziram a viabilidade eleitoral ao Bolsonaro se candidatar à Presidência da República? Carlos Martins – Produziu. Produziu porque aquela ‘Jornada’ também compunha uma manifestação de direita contra um governo de esquerda [Dilma Rousseff, PT]. Tribuna Independente – Mas não se trata de uma direita com discurso voltado à economia, mas apenas aos costumes, moralista... Carlos Martins – Exatamente. Até por isso essa discussão não é pacificada. Não é consensual dizer que existe uma direita no Brasil, mas nós temos a ‘nossa’ direita. É assim que a gente constrói a nossa direita, é assim que a gente constrói a esquerda que temos. É o nosso jeito. Tribuna Independente – Direita e esquerda se relacionam com a realidade de onde atuam... Carlos Martins – Depende da realidade onde elas se constituem. Uma população vai elaborar seus paradigmas ideológicos a partir de sua capacidade de interpretação. Como a gente lê pouco, então...