Política

'Alagoas reduziu o trabalho infantil', diz procuradora do Trabalho

Virgínia Ferreira aponta para dificuldades sobre o combate a essa prática

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 16/06/2018 07h45
'Alagoas reduziu o trabalho infantil', diz procuradora do Trabalho
Reprodução - Foto: Assessoria

Em 2015, a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou 31 mil casos de trabalho infantil em Alagoas. Contudo, esse número pode ser maior porque o levantamento desconsiderou situações em que crianças e adolescentes são explorados. Segundo a procuradora do Trabalho Virgínia Ferreira, a atual situação econômica do país pode levar ao aumento de casos. Membro do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente (Fetipat), ela ressalta a necessidade do envolvimento de todos no combate a essa mazela.

Tribuna Independente – Segundo dados da Pnad de 2015, Alagoas registrou 31 mil casos de trabalho infantil. Esse quadro é atribuído a quê?

Virgínia Ferreira – Estamos num país que, infelizmente, esse problema ainda existe. São quase três milhões de crianças e adolescentes nessa condição. Esses dados foram de 2015 [Pnad] e apontaram Alagoas como um dos estados que mais reduziu o trabalho infantil nas últimas duas décadas. Em relação à Pnad anterior, salvo engano, foi o segundo que mais reduziu em todo o Brasil. Já chegamos a ter mais de 100 mil trabalhadores infantis em Alagoas. Em 2017, a nova Pnad apontou redução no país, mas os dados estão sendo questionados porque o Governo Federal mudou a metodologia e deixou de considerar situações reconhecidas internacionalmente como trabalho infantil. Tanto a OIT [Organização Internacional do Trabalho] quanto o Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil e o MPT vem questionando essa nova metodologia. Esses 31 mil também não são fidedignos porque excluem algumas situações de trabalho infantil – consideradas as piores formas – a exemplo as utilizadas no tráfico de drogas ou na exploração sexual ou labor doméstico. O número pode ser muito maior. Nós estamos preocupados com o atual cenário econômico do país, com desemprego elevado. Muitos pais de família estão levando seus filhos para o sustento da família. Vemos aqui em Alagoas, na capital principalmente, um número crescente de crianças nos sinais de trânsito. No interior, muitas fazem carrego nas feiras – na capital também. Isso é um problema sério e exige a adoção de políticas públicas para combater isso. A responsabilidade é de todos os entes federados e da família, conforme diz nossa Constituição.

Tribuna Independente – Quais ações o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Alagoas tem tomado para combater a exploração do trabalho infantil?

Virgínia Ferreira – As grandes de nosso estado passaram um período em que se explorava muito o trabalho infantil, como o setor sucroalcooleiro. Felizmente, essa é uma realidade que não temos encontrado mais. Trabalho infantil formal, hoje em dia, temos apenas notícias de casos em pequenos estabelecimentos, como mercadinhos, por exemplo. Esses casos, a gente sabe que acontecem, mas não nos tem chegado denúncias. E temos estimulado a população a denunciar. Em relação ao trabalho infantil informal, temos orientado as pessoas a não comprarem produtos vendidos por crianças, nem qualquer tipo de contribuição. A sociedade precisa ver essa situação como violadora de direitos dessas crianças. Elas não devem ficar nessa situação. Quando qualquer um permite que uma criança trabalhe num sinal – ou preste qualquer tipo de serviço –, ela está contribuindo para que aquela criança permaneça essa condição, com prejuízos a sua formação e sem sair da situação de pobreza em que se encontra. É muito mais de prevenção. A criança tem de ser protegida e a sociedade não pode ver a situação de trabalho delas nas ruas como corriqueira e que ‘tem de ser assim porque ela é pobre e se não trabalhar vai morrer de fome. Ou vai roubar’. A criança tem direito à proteção, de ir à escola e de não precisar trabalhar. Quem deve sustentar as crianças são seus responsáveis. Se estes não puderem, cabe ao poder público assumir essa tarefa, através dos programas sociais existentes.

Tribuna Independente – O MPT lançou a campanha “Quando a infância é perdida, não tem jogo ganho” e a Justiça do Trabalho a “Não leve na brincadeira. Diga não ao trabalho infantil”. Esse tipo de ação tem surtido efeito? Qual é a maior dificuldade encontrada para conscientizar a sociedade de não explorar o trabalho infantil?

Virgínia Ferreira – É papel importante nosso essa função de sensibilização da sociedade dos problemas decorrentes do trabalho infantil. Ainda se acredita muito no mito de que é melhor a criança está trabalhando do que roubando, achando que assim ela não vai para o mundo do crime. Mas a realidade não reflete isso. Temos pesquisa feita no Carandiru [São Paulo] que aponta que 85% dos presos laboraram desde a infância. O trabalho não é salvo-conduto da criminalidade. Pelo contrário, aquela criança que não teve acesso à educação e não concluiu seus estudos, não conseguiu se profissionalizar na fase em que isso deve acontecer, chega à fase adulta sem perspectiva de trabalho descente, adequado, que o remunere dignamente e termina indo para a marginalidade. Ela acaba tendo um destino que não esperamos que as pessoas tenham. 100% dos trabalhadores resgatados em situações de trabalho degradante – ou análogo ao escravo – tinham baixíssimo grau de instrução e começaram a trabalhar na infância. Sem alternativa de trabalho, se aceita qualquer um, no futuro será um trabalhador explorado por não ter alternativa e viverá na miséria. É um ciclo, que precisa ser rompido. Toda criança, seja rica ou pobre, tem de estar na escola. Aquilo que não se quer para o seu filho, não queira para o de ninguém.

Tribuna Independente – Como tem sido a atuação do Fetipat? Em quantos casos o Fórum conseguiu atuar desde sua fundação?

Virgínia Ferreira – O Fetipat é um espaço de discussão e articulação. Seu início foi em 1998 e é para articulação e proposição aos vários órgãos que participam dele, sejam governamentais ou não. O Ministério Público Estadual participou por um tempo, mas ultimamente não tem conseguido. Realizamos campanhas de sensibilização e tentamos chegar junto à sociedade para levar essa discussão, tanto ao poder público quanto à iniciativa privada. Muitas empresas já apoiaram as ações do Fetipat. A gente sabe que a questão do trabalho infantil é um problema muito complexo, com origem enraizada em nossa sociedade e, até certa forma, visto como natural. Mesmo assim avançamos muito em relação a isso, com muitas crianças inseridas na escola. Porém, temos medo de retrocesso. Estamos nas situações mais difíceis de serem combatidas, que é a informalidade. Precisamos que as políticas públicas funcionem de fato.