Política

Número de imóveis abandonados é maior que o de famílias sem teto, diz Boulos

Pré-candidato à Presidência pelo PSOL falou à Tribuna em passagem por Maceió

Por Texto: Carlos Amaral com Tribuna Independente 19/05/2018 08h28
Número de imóveis abandonados é maior que o de famílias sem teto, diz Boulos
Reprodução - Foto: Assessoria
Guilherme Boulos ganhou notoriedade no Brasil nos últimos anos devido ao papel destacado que desempenhou à frente do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), com destaque ao enfrentamento ao impeachment de Dilma Rousseff (PT) e, depois, à condenação e à prisão do ex-presidente Lula (PT). Pré-candidato à Presidência da República pelo PSOL, ele visitou Maceió na terça-feira (15) e à noite, nos últimos momentos na capital alagoana, concedeu entrevista à Tribuna Independente. Para ele, é preciso ter mais solidariedade no país e a governabilidade precisa se pautar no empoderamento das pessoas.   Tribuna Independente – Sua projeção política foi o que, praticamente, botou na pauta a questão da moradia, dos trabalhadores sem teto e da reforma urbana. Eleito, esse seria o principal foco de seu governo? Guilherme Boulos – Esse é um problema fundamental. É lamentável que em pleno século 21, em 2018, nós tenhamos seis milhões e trezentas mil famílias sem casa no Brasil, num país que é a sétima economia do mundo. É evidente que a questão da moradia precisa ser tratada junto com outras questões, como saúde, educação, segurança pública ou direito à cidade. A questão da moradia não pode ser tratada isoladamente, como construir casas. O que vimos em outros períodos na história do país, e recentemente com o Minha Casa, Minha Vida – embora tenha méritos importantes, mas com limites –, foi construir casas em regiões distantes sem aceso à infraestrutura e serviços públicos. Hoje a gente precisaria pensar muito mais o ‘Meu Bairro, Minha Vida’, do que um Minha Casa, Minha Vida. A casa tem de vir junto com infraestrutura urbana, com saneamento, com serviços, com acesso a emprego, com direito à cidade. Então, essa é a nossa preocupação. É evidentemente que a moradia é um problema-chave, mas não único. Sobre a moradia nós temos de ter duas linhas fundamentais de atuação: uma é fazer com que se quebre a barreira de que pobre não pode morar nos centros urbanos. Temos visto os mais pobres, historicamente, sendo jogados para as periferias e na região central ficam os bairros de classe média, mais elitizados e com oferta de emprego. Existem inúmeros imóveis abandonados nas regiões centrais. Queremos requalificá-los e desapropriá-los destiná-los à moradia popular. Inclusive, com locação social ou outros políticas que podem ser utilizadas nesse sentido. Uma segunda linha é que hoje no Brasil há seis milhões e 300 mil famílias sem teto e tem sete milhões e 900 mil imóveis abandonados. Tem mais casa sem gente do que gente sem casa. Então, uma política habitacional passa, sim, pela utilização dos imóveis ociosos. Nós não estamos falando da casa de ninguém, não falamos de casa de veraneio, de alguém que está alugando uma casa. Estamos falando de abandono. Imóveis abandonados para destinar à moradia popular. Tribuna Independente – A classe média, que muitas vezes não tem um punhado de terra, geralmente compra o discurso do proprietário de terra contra a reforma agrária. No caso da moradia, que é mais palpável a ela, pois muitas famílias têm mais de um imóvel, a resistência a esse discurso tende a ser maior. Até que ponto o senhor acredita que haverá essa dificuldade em convencer esses setores? Guilherme Boulos – Precisamos quebrar preconceitos no Brasil. As pessoas têm a ideia de quem ocupa é vagabundo, quer levar vantagem ou de que vão entrar e ocupar a sala de suas casas. Primeira questão que temos que colocar é: o que leva uma pessoa a ocupar um imóvel? O que leva uma mãe a levar seus filhos a ficar com o pé no barro, embaixo de um barraco de lona sem luz, água e infraestrutura? O que leva as pessoas a ocuparem é a mais completa necessidade, falta de alternativa. Não é uma escolha. São pessoas que estão, todo final de mês, tendo que optar entre pagar aluguel ou pôr comida na mesa. Esse drama do aluguel não é só dos mais pobres, o aluguel tem onerado cada vez mais o orçamento familiar da classe média. Todo mundo conhece alguém que ficou desempregado e não conseguiu mais pagar o aluguel. Veja, é isso que leva às ocupações. Se as pessoas tiram o ‘óculos’ do preconceito e passam a se colocar no lugar dos outros, ou passam a perceber que essa estrutura pode chegar a elas algum dia, tenderão a olhar com maior solidariedade. A luta é desmontar essa visão rançosa, odiosa, contra quem luta por casa. Tribuna Independente – O senhor foi um crítico do impedimento da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e da prisão do ex-presidente Lula (PT), inclusive com participação em mobilizações. Qual a sua avaliação da Lava Jato até aqui, ela é mais positiva ou negativa ao país? Guilherme Boulos – A motivação inicial da Lava Jato foi boa. Pela primeira vez vimos corruptores sendo presos, pela primeira vez vimos empreiteiros sendo presos – não vimos banqueiros até aqui, mesmo nesse ponto ela foi seletiva. A Lava Jato se perdeu quando seus condutores resolveram fazer política. Vimos o Sérgio Moro, a Promotoria de Curitiba e vários agentes da Lava Jato muito mais preocupados em fazer política para atacar um partido e proteger outros, do que fazer julgamento isento para investigar a corrupção no país. Aí não dá mais. Quando chega esse caminho é preocupante para a democracia, quando se escolhe réu. Estamos vendo o Lula ser preso sem nenhuma prova consistente contra ele, enquanto o Aécio Neves [PSDB] está solto e o Michel Temer [MDB] está governado o país com provas contra si. E mais do que isso, não temos um único grande tucano preso pela Lava Jato. Tribuna Independente – Essa partidarização não é um problema do Judiciário como um todo? Guilherme Boulos – É do Judiciário. Até porque a Lava Jato tem sua força-tarefa em Brasília, com o Ministério Público Federal, para os casos que tem foro privilegiado. Não estou personalizando no Sérgio Moro, mas a força-tarefa da Lava Jato, como um todo, no meu ponto de vista, atua de maneira política. E aí não dá para admitir. Quando o juiz faz política, é difícil falar em democracia. Um exemplo muito claro: pega os corruptores que foram presos. Quem está preso hoje? Marcelo Odebrecht está solto, Eike Batista está solto, Joesley Batista está solto. Todos em troca de uma delação. E quando chega nesse nível...